Capítulo 8 - Aspectos processuais do processo coletivo

Páginas219-270
CAPíTUlO 8
ASPECTOS PROCESSUAIS
DO PROCESSO COlETIVO
1. INTRODUÇÃO
Nos processos coletivos, de uma forma geral, como já visto, inclusive, o regra-
mento processual (aspectos processuais) segue a mesma lógica prevista para os proces-
sos individuais. Meu propósito e compromisso, não somente ao longo da obra, como
neste capítulo, será apresentar as questões que guardam as maiores peculiaridades.
Muitas das questões processuais que seriam aqui trabalhadas já foram objeto
de análise em capítulos anteriores que, por razões didáticas, serão devidamente
identif‌icadas. No Capítulo 5 (objeto material da tutela coletiva) foram apresentadas
as questões referentes à revelia e conf‌issão. No Capítulo 6 (ref‌lexos do CPC nos pro-
cessos coletivos) foram apresentadas as questões referentes às despesas processuais,
negócio jurídico processual, autocomposição, legitimidade conglobante, ref‌lexos
procedimentais do CPC/15 nos processos coletivos, ref‌lexos do CPC/15 no regime
dos recursos, reexame necessário, poderes do juiz, dentre outros. No presente ca-
pítulo, portanto, serão apresentadas e enfrentadas as demais questões processuais
importantes para o correto deslinde dos processos coletivos.
2. ASPECTOS PROCESSUAIS DOS PROCESSOS COLETIVOS
Neste item serão abordados os aspectos processuais que tornam peculiares os
processos coletivos. Como todo processo, há um desencadeamento lógico de atos com
uma f‌inalidade específ‌ica, seja para a formação do título executivo com a certif‌icação
do direito material (processo de conhecimento), seja para a efetivação do comando
previsto na decisão judicial f‌inal (processo de execução ou de cumprimento). Al-
gumas destas peculiaridades já foram abordadas nos itens anteriores, bem como no
Capítulo 6, quando abordei os ref‌lexos do NCPC nos processos coletivos.
Os demais aspectos processuais, sempre com o viés de apontamento das singu-
laridades existentes, serão objeto de abordagem em seus respectivos tópicos, pois
muitos deles são idênticos para os processos individuais. Há institutos processuais
que ostentam a mesma utilização e aplicação nos processos individuais e coletivos.
Assim, os aspectos a serem abordados são os seguintes: defesas do réu, litisconsórcio,
ônus da prova, atuação do MP, relação entre as ações coletivas, relação entre as ações
coletivas e as ações individuais, teoria da decisão judicial, rito (procedimento) e
recursos. Todos os demais aspectos processuais, tais como intervenção de terceiros,
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competência, legitimidade, interesse processual, possibilidade jurídica, coisa julgada,
tutelas provisórias, liquidação e execução foram abordados em capítulos próprios.
2.1. Defesas do réu
O CPC/15 preconiza expressamente como modalidades de defesas do réu na
fase de conhecimento a contestação (art. 335, CPC) e a reconvenção (art. 343, CPC)
e na fase de cumprimento de sentença a impugnação (arts. 525 e 535, CPC). Tal
af‌irmação não pode ser confundida com as matérias defensivas que podem ser ale-
gadas pelo réu no curso da relação jurídica processual, pois o réu poderá alegar, por
exemplo, os vícios da incompetência (relativa ou absoluta) no bojo da contestação,
sem a necessidade, no caso de incompetência relativa, do oferecimento da exceção,
como à época do CPC/73, conforme preconizam os arts. 64 c/c 337, II, CPC. A no-
meação à autoria, conforme arts. 338 e 339, CPC, é matéria defensiva, que pode ser
ventilada no bojo da contestação. Sobre o seu cabimento nos processos coletivos,
remetemos o leitor ao capítulo de intervenção de terceiros. Os vícios da suspeição
(art. 145, CPC) e impedimento (art. 144, CPC) deverão ser alegados por meio de
uma simples petição (art. 146, CPC). Assim, podemos af‌irmar que o CPC/15 trouxe
algumas novidades quanto ao tema referente às defesas do réu, que são plenamente
aplicáveis aos processos coletivos.
Entretanto, apesar das matérias defensivas e das modalidades de defesa do réu
poderem ser utilizadas nos processos coletivos, impende destacar alguns pontos que
podem gerar certo debate doutrinário: a) possibilidade do oferecimento de reconven-
ção nos processos coletivos; b) resposta do réu no procedimento da ação por impro-
bidade administrativa; c) prazos processuais para o oferecimento da defesa do réu.
No tocante à reconvenção, inicialmente vale mencionar que o CPC/15 trouxe a
possibilidade expressa da denominada reconvenção subjetivamente mais ampla, pois
permite que o réu, ao exercer a pretensão, possa inserir no polo passivo um terceiro
formando, assim, um litisconsórcio (art. 343, §§ 3º e 4º, CPC). A principal questão
processual a ser analisada, contudo, é a interpretação da norma do art. 343, § 5º, CPC
e a sua repercussão na seara dos processos coletivos. A redação da norma preconiza
que o reconvinte (autor da reconvenção), quando o autor da ação (reconvindo) atuar
como substituto processual, poderá promover a reconvenção, desde que seja em face
da coletividade def‌inida e não em face do autor da demanda coletiva, na qualidade
de substituição processual.1 Assim, pode ser sustentada a possibilidade do manejo
de reconvenção em processo coletivo, caso em que será considerada como uma ação
coletiva passiva, pois a coletividade f‌igurará no polo passivo da demanda.2 Parte da
1. “Se o substituto for autor, somente caberá reconvenção se o réu pretender postular direito que julgue ter contra
o substituído, mas que pela sua natureza comporte também defesa pelo substituído.” FORNACIARI JR., Clito.
Da reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 91.
2. “Observado o § 5º do art. 343 do CPC-2015, a reconvenção, no caso, tem de veicular pretensão dirigida ao grupo,
e não ao legitimado extraordinário. Ora, o interesse de agir será averiguado a partir do interesse do grupo e será
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CAPÍTULO 8 • ASPECTOS PROCESSUAIS DO PROCESSO COLETIVO
doutrina, apesar de admitir, de forma geral,3 o cabimento, não admite nos seguintes
casos: a) quando deduzida em face do legitimado extraordinário; b) quando o recon-
vindo não ostentar legitimidade (representatividade) adequada.
Quanto à defesa do réu em sede de ação por improbidade administrativa (art.
17, LIA), após a supressão do duplo juízo de admissibilidade da demanda, com o
advento da Lei 14.230/21, há algumas peculiaridades procedimentais. Destaca-se,
por exemplo, a impossibilidade de aplicação do in dubio pro societate4 na fase de
admissibilidade da demanda, como amplamente aceito no sistema anterior, pois a
inicial deverá observar os regramentos do art. 17, § 6º, da LIA.
O legislador, apesar de referir-se, como dito alhures ao procedimento comum
do CPC5, regulou de forma bem diversa a fase de resposta do réu.
A principal novidade é a supressão da etapa procedimental de defesa prévia ou
preliminar, que somente era exigida para os casos de ação por improbidade admi-
nistrativa típica.
Pela disposição legal, os “requeridos” serão citados para o oferecimento da
contestação, no prazo comum de 30 dias, contados na forma prevista no art. 231, do
CPC. Diante dessa conformação, surgem os seguintes pontos:
i) Não há previsão expressa da citação para a participação em audiência de
conciliação e mediação, mas penso ser juridicamente possível diante da
redação do art. 17, § 10-A, da LIA, desde que o Ministério Público observe
a regra do art. 319, VII, do CPC e o réu ofereça manifestação expressa na
forma do art. 334, do CPC;
o grupo o benef‌iciado com a tutela, nada mais natural que o interesse contraposto ou pretensão na reconvenção seja
também dirigido ao grupo e não ao substituto processual, que deve apenas f‌igurar como legitimado ativo adequado
para f‌ins de tutela.” DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. Op. cit., p. 363.
3. Apresentando exemplos, podemos destacar: “Basta pensar no exemplo das situações jurídicas coletivas ativas
e passivas discutidas pelos sindicatos das categorias prof‌issionais de empregados e empregadores; nas situações
jurídicas ativas e passivas envolvendo o direito de greve por parte de uma categoria de servidores públicos e o dever
coletivo de voltar ao trabalho (não interrompendo a prestação de serviços essenciais, por exemplo); nas situações
jurídicas ativas e passivas surgidas nos conf‌litos pela ocupação de espaços urbanos para manifestações populares
e estudantis, conf‌lito de terras, coletividade de vítimas e coletividade de autores de ato ilícito etc.” DIDIER JR.,
Fredie. Curso de Processo Civil – Processo Coletivo. Op. cit., p. 362/363.
4. “Poderíamos af‌irmar, sem medo, que, tal como se verif‌ica na seara processual penal, deve o magistrado, neste
momento, servir-se do princípio in dubio pro societate, não coartando, de forma perigosa, a possibilidade
de êxito do autor em comprovar, durante o processo, o alegado na inicial. No campo do processo (cível)
por ato de improbidade administrativa, a incidência do in dubio pro societate será uma decorrência do
princípio republicano e do próprio regime de direito público que grava os atos e contratos administrativos.”
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Op. cit., p. 1046. No mesmo
sentido, o STJ Pet. 2.428/RN, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 13.05.2005; Resp 949.822/SP, 2ª
T., rel. Min. Castro Meira, j. 06.09. 2007.
5. No sistema jurídico anterior, o procedimento comum era aplicável após a fase de resposta do réu. “Nada
obstante na ação de improbidade administrativa haja a fase de defesa preliminar (art. 17, §§ 7º e 8º, da Lei
8.429/1992) e na ação popular haja prazo diferenciado para a resposta (art. 7º, I, “b”, da Lei 4.717/1965),
todas elas seguem, ulteriormente, o procedimento comum do Código de Processo Civil/2015.” LEONEL,
Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. Op. cit., p. 325.
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