Capítulo 6 - Reflexos do novo código de processo civil nos processos coletivos

Páginas111-196
CAPíTUlO 6
CIVIl NOS PROCESSOS COlETIVOS
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
O ref‌lexo mais imediato e inconteste é a adoção do novo modelo de processo
colaborativo, cooperativo ou comparticipativo, no qual todos os sujeitos do processo,
com base nos princípios da boa-fé objetiva (art. 5º, CPC) e da cooperação (art. 6º,
CPC), atuam na condução da relação jurídica processual, bem como para a resolução
das questões processuais que surgirem.
Este novo modelo de processo adotado se aplica tanto aos processos individu-
ais quanto aos coletivos. Há um policentrismo (assimétrico e simétrico ao mesmo
tempo) que deverá ser observado em todas as fases processuais.1
Este novo modelo assenta-se em diversas normas fundamentais, que deverão
ser integralmente aplicáveis aos processos coletivos, tais como:
a) o contraditório participativo por meio de seu quadrinômio2 com a necessidade
de ser observado o dever jurídico de consulta ou vedação à surpresa (arts. , e 10,
CPC);
b) sistema multiportas, por meio do qual o jurisdicionado, nos processos
coletivos devidamente “representado” pelo legitimado coletivo, tem o direito de
optar pela forma de acesso ao sistema jurisdicional (art. 3º, CPC);
c) princípio da boa-fé objetiva (art. 5º, CPC);
d) princípio da cooperação (art. 6º, CPC);
e) aplicação dos vetores previstos no art. 8º, CPC para a adequada resolução
do caso concreto;
f) princípio da primazia da resolução do mérito (arts. 4º, 282, § 2º, 317, 321,
488, 932, parágrafo único, 1029, § 5º, 1032 e 1033, CPC);3 e
g) princípio da adaptabilidade (arts. 139, VI e 329, § 2º, CPC).4
1. O policentrismo será considerado assimétrico na tomada das decisões judiciais, pois trata-se de atuação
exclusiva dos magistrados; será considerado simétrico quanto à condução da relação processual, notada-
mente diante da construção da ação mais adequada para a solução do caso concreto.
2. O quadrinômio do princípio do contraditório participativo e efetivo é formado por estes quatro elementos
indissociáveis: a) necessidade da informação; b) possibilidade da reação; c) dever jurídico de consulta
prévia; d) possibilidade efetiva de inf‌luir na formação do convencimento do magistrado.
3. Impende salientar que, mesmo antes do advento do CPC/15, a doutrina já sustentava a existência e aplicação
deste princípio aos processos coletivos derivado dos arts. 5, § 3º e 15 da Lei 7.347/1985 e 9º, 16 e 17 da LAP.
4. O princípio da adpatabilidade, de certa forma, já era aplicável aos processos coletivos em virtude do princípio
da atipicidade das demandas coletivas previsto no art. 83, CDC.
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CURSO DE PROCESSO COLETIVO • Fabrício bastos
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O Código de Processo Civil de 2015 tem, portanto, uma função, como demonstrado
no tópico anterior, organizadora, f‌lexível e aberta em relação ao microssistema, sem,
contudo, contrariar as normas próprias da tutela coletiva, que devem ser preservadas.5
A adoção do procedimento comum (princípio do procedimento único), como
regra geral, conforme art. 318, CPC, gera repercussões claras nos processos coletivos.
A principal delas decorre de uma eventual omissão na regulamentação do procedi-
mento aplicável à determinada demanda coletiva. Caso a lei específ‌ica que regula-
mente a demanda coletiva não indique qual deve ser o procedimento aplicável e não
for encontrada a solução adequada no microssistema, será aplicável o procedimento
comum previsto no CPC. Será, portanto, aplicável subsidiariamente o procedimento
comum aos processos coletivos, de forma residual, como sustentado acima (art. 318,
parágrafo único, CPC).
Um ponto interessante é a expressa previsão da aplicação do procedimento ao
processo de improbidade administrativa (art. 17, caput, da LIA).
O procedimento executório delineado no CPC/15 será plenamente aplicável,
de forma residual, aos processos coletivos, notadamente no tocante aos meios exe-
cutórios e expropriatórios aplicáveis, procedimentos do cumprimento de sentença
e execução, as causas suspensivas e extintivas da execução, bem como as defesas do
executado (vide arts. 318, parágrafo único, 513 e 771, CPC). Destaca-se, contudo,
a existência de regras expressas próprias da execução que manter-se-ão hígidas e
aplicáveis aos processos coletivos, tais como: a) mitigação do vínculo subjetivo ao
título executivo que permite a possibilidade de outro legitimado coletivo promover
a execução do título, mesmo que não tenha sido o responsável por sua formação; b)
possibilidade da assunção da execução (arts. 16 e 17 da Lei 4.717/1965 e 15 da Lei
7.347/1985); c) habilitação das vítimas e seus sucessores para f‌ins de promover a
liquidação e a execução no plano individual (arts. 100 e 103, § 3º, CDC); e d) pos-
sibilidade de pedido de reserva de quantia (art. 99, CDC).
Assentadas as premissas decorrentes do novo modelo de processo civil, passo a
enfrentar os mais relevantes ref‌lexos nos processos coletivos causados pelo CPC/15:
2. DO PODER GERAL DE EFETIVAÇÃO
O art. 139, inciso IV CPC/15 positivou o denominado poder geral de efetivação
do magistrado. Tal poder permite ao magistrado aplicar todas as medidas necessárias
para efetivar o comando previsto no conteúdo de sua decisão. Visa, em primeira aná-
lise, a reforçar o poder estatal, na forma do escopo político supracitado. Entretanto,
em análise mais detida, entendemos que o objetivo primordial da alteração é conferir
maior efetividade aos comandos jurisdicionais.
5. DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo.
11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
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CAPÍTULO 6 • REFLEXOS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NOS PROCESSOS COLETIVOS
No âmbito do CPC/73 havia a previsão no art. 461, que permitia atuação de
ofício do magistrado para a efetivação do provimento f‌inal. Tal poder de efetivação
Com o advento do CPC/15, o poder geral de efetivação passa a ter uma conf‌igura-
ção mais abrangente, pois poderá ser utilizado para qualquer comando jurisdicional,
ainda que não seja de provimento f‌inal. Sobreleva notar que a ampliação do poder de
efetivação abarcará os provimentos de cunho condenatório de reconhecimento de
obrigação pecuniária. No ordenamento anterior, a previsão versava somente sobre
as prestações de obrigações não pecuniárias.
Assim, o magistrado poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem
judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Houve a
adoção, a rigor, ratif‌icação, do princípio da atipicidade das medidas executórias.
O STJ, por exemplo, reconheceu expressamente a possibilidade da aplicação
das medidas executivas atípicas no bojo de um processo coletivo. Na hipótese,
af‌irmou que na tutela do meio ambiente são cabíveis medidas de execução atípicas
que restrinjam o direito de ir e vir do executado que se comporta de forma desleal e
procrastinatória.6
Houve a autorização, pelo STJ, da aplicação das medidas executivas atípicas de
cunho não patrimonial no bojo do processo de improbidade administrativa.7 Foram
f‌ixados os seguintes standards8:
i) existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável;
ii) sejam adotadas de modo subsidiário;
iii) fundamentação adequada;
iv) observância do contraditório substancial;
v) observância do postulado da proporcionalidade
Entendemos que o legislador acertou ao não elencar todas as medidas possíveis,
mas sim referir-se somente aos gêneros permitindo, com isso, a utilização de todo
e qualquer meio, direto ou indireto, que reputar o mais adequado e razoável para a
efetivação da prestação jurisdicional.
Nada impede, também, a possibilidade da realização de uma execução negociada
da decisão judicial, por meio da celebração de um negócio jurídico processual (art.
190, CPC), bem como a f‌ixação convencionada, com base nos princípios da coopera-
6 HC 478.963/RS, 2ª T.
7 Resp. 1.929.230-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., J. 04 maio 2021.
8 Resp 1.788.950/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJE 26 abr. 2019.
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