Capítulo 5 - Objeto material da tutela coletiva

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CAPíTUlO 5
OBJETO MATERIAL DA TUTELA COLETIVA
1. INTRODUÇÃO
A classif‌icação para individualização dos interesses transindividuais pode ser
dividida da seguinte forma:1
a) quanto ao objeto material da demanda coletiva: direitos difusos, direitos
coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos;
b) quanto ao tipo de direito: direitos essencialmente coletivos e direitos aciden-
talmente coletivos; e
c) quanto ao grau de litígio: litígios de difusão global, litígios de difusão irradiada
e litígios de difusão local.
1. “Em suma, tal ordem de direitos coletivos, em sentido amplo, somente pode se tornar efetiva por meio de positi-
vação diferenciada, antes processual do que material – e respectiva institucionalização/funcionalização de sua
defesa. Tal como os próprios direitos materiais por elas protegidos, as normas que celebram o reconhecimento
de sua existência são coletivas (não dizem respeito a uma só pessoa), difusas (não são especif‌icadas nem por-
menorizadas) e homogêneas (não possuem natureza diferente entre si). A proteção a tais direitos será requerida
por quem não é titular imediato e assim eles serão construídos pelo Poder Judiciário: remedies precede rigths.”
MOREIRA, Egon Bockmann (et al.). Comentários à Lei de ação civil pública: revisitada, artigo por artigo, à
luz do novo CPC e temas atuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
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CURSO DE PROCESSO COLETIVO • Fabrício bastos
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Por f‌im, impende salientar que tais interesses aqui retratados não esgotam as
possibilidades do exercício judicial da tutela coletiva, pois os interesses ou direitos
transindividuais não se encontram em rol legal taxativo, mas exemplif‌icativo, con-
forme se nota nas redações dos arts. 129, III, CR/88; 1º, IV, LACP; 208, § 1º, ECA; 3º,
Lei 7.853/1989; 1º, Lei 7.913/1989 e 25, IV da LONMP, que fazem sempre referência
a “outros interesses difusos ou coletivos”.2
2. DIREITOS OU INTERESSES COLETIVOS EM SENTIDO AMPLO,
TRANSINDIVIDUAIS OU METAINDIVIDUAIS
O objeto material da tutela coletiva, segundo a classif‌icação tricotômica tradi-
cionalmente utilizada, é formado pelos direitos coletivos em sentido amplo (tran-
sindividuais ou metaindividuais), que se dividem em duas espécies:
a) direitos essencialmente coletivos, que são os direitos e interesses difusos e
coletivos em sentido estrito e
b) direitos acidentalmente coletivos, que são os individuais homogêneos. A
despeito do intenso debate acerca da utilização do termo interesse ou direito, como
será visto adiante, optamos por seguir a opção legislativa adotada nos arts. 81, pará-
grafo único, CDC e 21, parágrafo único, LMS.
A doutrina, apesar das regras expressas nos arts. 81, parágrafo único, CDC; 21, pa-
rágrafo único, LMS; 3º, Lei 7.853/1989; 129, III, CR/88; 12, I ao IV da LMI e 1º, IV e V da
LACP, diverge acerca da nomenclatura adequada: direitos ou interesses transindividuais.
O objeto material da tutela coletiva versa, a rigor, sobre o próprio objetivo da
ação coletiva (processo coletivo comum), que é a tutela da higidez do direito sub-
jetivo transindividual. José Roberto dos Santos Bedaque, citado por Ricardo Barros
Leonel, aponta a seguinte distinção
o direito subjetivo nada mais é do que essa posição de vantagem assegurada pelo ordenamento
jurídico material, que permite ao seu titular, numa situação concreta, invocar a norma em seu favor.
Ostenta o titular do direito subjetivo “um interesse juridicamente protegido pela norma substancial.3
Há, entretanto, quem diferencie direitos e interesses da seguinte forma:
interesse é gênero; direito subjetivo é apenas o interesse protegido pelo ordenamento jurídico.
Considerando que nem toda pretensão à tutela jurisdicional é procedente, temos que o que está
em jogo nas ações civis públicas ou coletivas é a tutela de interesses, nem sempre direitos.4
2. “É importante ressaltar o caráter exemplif‌icativo dos interesses metaindividuais, pois a enumeração legal não
é taxativa. No ordenamento jurídico brasileiro (Constituição Federal e leis que tratam do tema) são previstas
cláusulas abertas e de encerramento indicando a natureza exemplif‌icativa dos interesses apontados nos diplomas,
permitindo a assimilação da tutela coletiva a situações, a priori, não positivadas.” BARROS LEONEL, Ricardo
de. Manual do Processo Coletivo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 119.
3. BARROS LEONEL, Ricardo de. Manual do Processo Coletivo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 89-90.
4. MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural.
27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 62.
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CAPÍTULO 5 • OBJETO MATERIAL DA TUTELA COLETIVA
O ordenamento jurídico, por sua vez, trata direitos e interesses como expressões
ontologicamente sinônimas, vide o Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Man-
dado de Segurança, e a maioria da doutrina aponta a inexistência de relevância prática
na sua diferenciação.5 Para Daniel Amorim, há absoluta irrelevância de distinção
entre ambos no tocante à tutela jurisdicional no plano coletivo, preferindo valer-se
do termo direito. O autor ainda cita José dos Santos Carvalho Filho, segundo o qual
essa diferenciação, apesar de legítima e bem-vinda, não tem consequência prática.
Para esse autor, não é possível imaginar um “interesse” difuso, coletivo e individual
homogêneo que não possa ser tratado como direito subjetivo.6
Fredie Didier Júnior, ao contrário, sustentando a necessidade de que os direitos
coletivos devam ser considerados como direitos subjetivos, prega que a nomenclatura
mais adequada é “direitos” pugnando pela ampliação do conceito de direito subjetivo
com o f‌im de abarcar as diversas posições jurídicas judicializáveis que decorrem do
direito subjetivo. A adoção do termo “interesse” impõe uma carga valorativa derivada
de um ranço individualista que não tem espaço no âmbito da tutela coletiva.7
O entendimento que reputamos mais adequado é de Ricardo de Barros Leonel,
para quem as consequências no plano normativo substancial e processual são as
mesmas pela ausência de distinção axiológica, pela falta de relevância prática e pelo
tratamento dado pelo legislador.8 Assim, a nomenclatura a ser usada pode ser tanto
direito quanto interesse.
5. Apesar disso, Fredie Didier Júnior af‌irma peremptoriamente que a “Por outro lado, a grande maioria dos
juristas nacionais tem preferido manter a expressão “Interesses”, porque: a) “a expressão direitos traz uma grande
carga de individualismo, fruto mesmo de nossa formação acadêmica”; b) há “evidente ampliação das categorias
jurídicas tuteláveis para a obtenção da maior efetividade do processo.” DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes.
Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. 11ª ed. Salvador: Juspodivm. 2017, p. 67-68 e 72-73.
6. NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2014, p. 115.
“Compreende-se a corrente doutrinária que prefere a utilização do termo interesse a direito por considerar
que nesse caso amplia-se o objeto da tutela por meio do processo coletivo. Contudo, tenho a impressão de
que essa preocupação, apesar de legítima e bem-vinda, não tem consequência prática, porque não consigo
imaginar um “interesse” difuso, coletivo e individual homogêneo que não possa ser tratado como direito
subjetivo”. Mantendo a mesma linha de raciocínio, na nova edição da sua obra: “Acredito que para o direito
pátrio a distinção entre direito e interesse não tenha mais a relevância de outrora e que até hoje é mantida em
alguns outros países. (...) Como se pode notar, é possível que a distinção pretendida entre direito subjetivo e
interesse legítimo tenha algum interesse em países que mantém estruturas jurisdicionais para tutelar cada um
deles.” NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Processo Coletivo. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
7. “A melhor solução passa, não por admitir a categoria dos “interesses” tuteláveis pelo processo, mas sim pela
ampliação do conceito de direito subjetivo, para abarcar as diversas “posições jurídicas judicializáveis” que
decorrem do direito subjetivo prima facie (portanto, não expressas) e que merecem igualmente guarida pelo
Judiciário.”(…) “Rogamos que prevaleça, portanto, a sua conf‌iguração como direitos subjetivos coletivos,
mais consentânea à tradição jurídica nacional e ao direito constitucional positivo vigente que expressamente
determina: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” (art. 5º, XXXV da
CF/88) DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. 11ª
ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 72-73. No mesmo sentido, vale mencionar: “(…) não utilizamos (e mesmo
rejeitamos) a dúplice terminologia adotada pelo CDC. Este trabalho se referirá, indiscriminadamente, a ‘direito
difuso’, ‘direito coletivo’ e ‘direito individual homogêneo’.” GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em
ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 17-18.
8. “Do ponto de vista do processo, a distinção entre direitos subjetivos e interesses jurídicos é de difícil constatação.
Assim como os direitos subjetivos conf‌iguram situações de vantagem reconhecidas pelo legislador, aos interesses
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