Capítulo 14 - Prescrição e decadência

Páginas471-498
CAPíTUlO 14
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
1. INTRODUÇÃO
Os institutos da prescrição e decadência são temas relacionados ao direito ma-
terial que geram repercussões para o exercício judicial do direito e sua pretensão.
Ambos decorrem da necessidade da obtenção da segurança jurídica e da estabilidade
das relações jurídicas de direito material. A prescrição nada mais é do que a perda
de uma pretensão para o exercício judicial da tutela de um direito subjetivo viola-
do em virtude do decurso do prazo legal f‌ixado. É um instituto ligado ao direito
subjetivo (art. 189, CC), que ocorre sempre quando verif‌icada a inércia do titular
do direito material que ostenta legitimidade para o exercício judicial da pretensão
correspondente. A decadência é a perda do próprio direito material potestativo que
não foi judicialmente exercido dentro do prazo legal f‌ixado. Enquanto a prescrição
fulmina o exercício judicial da pretensão decorrente da violação do direito subjetivo,
a decadência fulmina o próprio direito material. Os institutos são semelhantes no
plano processual porque são questões preliminares de mérito e devem ser enfrenta-
das pelo órgão jurisdicional antes da resolução da questão principal. A análise dos
institutos gera a necessidade do proferimento de uma decisão de mérito que pode,
inclusive, ser antecipada, por meio do julgamento liminar de improcedência (art.
332, § 1º, CPC). A prescrição é matéria de ordem pública e pode ser conhecida de
ofício pelo juiz em qualquer tempo ou grau de jurisdição, mas a decadência somente
ostentará tal pecha processual quando decorrer diretamente da lei, pois a decadência
convencional não pode ser conhecida de ofício (art. 210, CC). De qualquer forma,
com base no princípio da vedação à não surpresa (art. 10, CPC), deve o juiz abrir
a oportunidade processual para as partes manifestarem-se sobre a presença ou não
da prescrição e decadência antes de proferir a respectiva decisão, inclusive quando
se tratar de prescrição intercorrente (arts. 921, § 5º, CPC e 40, LEF), desde que não
se trate do julgamento liminar de improcedência (art. 487, parágrafo único, CPC).
No presente capítulo serão apresentadas as principais questões referentes aos
temas da prescrição e decadência na tutela coletiva.
2. TESE DA IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO JUDICIAL EXERCÍVEL
VIA AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA A TUTELA DOS DIREITOS DIFUSOS E
COLETIVOS EM SENTIDO ESTRITO
Certo é que a ACP objetiva salvaguardar a proteção aos interesses coletivos e
difusos, dentre eles os relativos ao patrimônio público e social.
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Em que pese a inexistência, na referida Lei, de qualquer previsão de prazo
prescricional para tutelar tais interesses, que demandaria a aplicação das normas do
microssistema da tutela coletiva, como forma de supri-la, o entendimento quanto à
tutela dos direitos difusos e coletivos em sentido estrito, inclusive reconhecido pelo
STJ,1 é pela imprescritibilidade da pretensão judicial exercível pelas ações essencial-
mente coletivas, haja vista que os bens jurídicos tutelados por elas são indisponíveis
e de natureza indivisíveis, não revelando qualquer ref‌lexo patrimonial que justif‌ique
a limitação temporal para o exercício da pretensão da ação. O regime jurídico da
prescrição tutela interesse privado e deve ser compreendido como um mecanismo
de segurança jurídica e estabilidade.
A doutrina largamente dominante sustenta, pois, que a pretensão de tutela
jurisdicional dos direitos transindividuais difusos e coletivos em sentido estrito
é imprescritível, com base nos seguintes fundamentos:2 a) a ACP não conta com
disciplina específ‌ica em matéria prescricional, o que nos leva à conclusão de que
se inscreve ela no rol das ações imprescritíveis; b) a doutrina tradicional repete
uníssona que só os direitos patrimoniais é que estão sujeitos à prescrição, e a ACP
é instrumento para tutela jurisdicional de bens e interesses de natureza pública,
insuscetíveis de apreciação econômica, e que têm por marca característica básica
a indisponibilidade. Versa, portanto, sobre direitos não patrimoniais, direitos sem
conteúdo pecuniário; c) inexistência de previsão de prescrição ou decadência
quanto aos interesses supraindividuais; d) não legitimação dos titulares de tais
direitos para sua postulação em juízo; e) imprescritibilidade com fundamento
constitucional de uma espécie de interesse difuso, o relativo à defesa do patrimônio
público; f) existência no ordenamento ortodoxo de situações de imprescritibilidade
e inocorrência de decadência; g) como os titulares do direito difuso ou coletivo
em sentido estrito são indetermináveis e indeterminados, respectivamente, não
se pode apená-los com a prescrição de pretensão condenatória; h) a concepção do
instituto da decadência e da prescrição está ligada a um marco teórico eminente-
mente individualista.
Pelos fundamentos acima referidos, tem-se como totalmente equivocada a su-
posição de aplicabilidade da prescrição ou decadência aos direitos essencialmente
coletivos, na medida em que os titulares de tais direitos, enquanto pessoas indeter-
1. REsp 1.120.117/AC, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 10.11.2009.
2. MILARÉ, Édis. A Ação Civil Pública na Ordem Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 15-16; LEONEL,
Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. Op. cit., p. 360 e 358; GIDI, Antonio. Rumo a um Código de
Processo Civil Coletivo. A Codif‌icação das Ações Coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 138 e
139; NERY JR., Nelson; NERY Rosa Maria Andrade. Responsabilidade civil, meio ambiente e ação coletiva
ambiental. In: Dano Ambiental, prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.
291-291; ALMEIDA, João Batista de. Aspectos controvertidos da Ação Civil Pública. 2ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009, p. 227-228; RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de
Conduta. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 213-215; ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Material Coletivo.
Superação da Summa Divisio Direito Público e Direito privado por uma nova Summa Divisio Constitucio-
nalizada. Belo Horizonte: Del Rey. 2008, p. 461.
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