Capítulo II

AutorAdhemar Ferreira Maciel
Ocupação do AutorMinistro aposentado do Superior Tribunal de Justiça
Páginas25-66
Capítulo II
Noção prévia do direito americano. A razão
pela qual o direito romano-germânico, que já
se havia espalhado pela Europa no século XII,
não prevaleceu contra o common law. O common
law. O período Tudor. Modernização do Esta-
do inglês. Preservação dos costumes tudors nos
Estados Unidos. Mistura de funções políticas e
jurídicas. A Judicial Review. O Case Law. A invo-
cação do direito natural nas decisões judiciais.
Direito natural na Antiguidade, Idade Média e
na atualidade. Hobbes, Locke e Montesquieu.
A importância de Locke para o constituciona-
lismo americano e francês. Aversão histórica do
americano a normas legais. Eras ou períodos do
direito americano.
Para que o estudioso do direito constitucional brasileiro
melhor entenda o Bill of Rights, julgo importante fazer, ain-
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O BILL OF RIGHTS AMERICANO
REFLEXOS NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
Os Fundadores da Nação norte-americana, como se
verá a seu tempo, criaram uma nova sociedade política.1
A Founding Generation, como dizia o professor David J.
Bederman (1961-2011)2 ao referir-se à geração dos con-
vencionais do Primeiro Congresso Continental, da De-
claração da Independência, da votação da Constituição
e da discussão do Bill of Rights, era de homens forjados
na cultura clássica greco-romana.3 Homens que tinham
consciência do que estavam fazendo.4 Souberam, assim,
1 CREVELD, Martin van (Ascensão e declínio do estado. Trad. Jussara Simões,
versão Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 409), lembra
que os norte-americanos criaram um sistema de governo “quase ex nihilo
DEWEY (1859-1952), ao sintetizar o pensamento de Thomas Jefferson,
diz que Jefferson, quando da Independência, não buscou nos sistemas
europeus, com reis e parlamentos, um modelo para a nova República que
se estava fundando: os revolucionários foram buscar na natureza e em
seus corações os materiais para a construção de um novo modelo político
(DEWEY, John. O pensamento vivo de Thomas Jefferson. Trad. Leda Boechat
Rodrigues. São Paulo: Livraria Martins, 1942, p. 46). Como se percebe com
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acham coloridas pela ética do direito natural moderno.
2 Cf. BEDERMAN, David J. The classical foundations of the American constitu-
tion – prevailing wisdom. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, Cap.
One (The Framers’ classical education and world view).
3 A cultura clássica se achava disseminada na América colonial. Alguns
constituintes liam grego e latim. Thomas Jefferson, de certa feita, teria iro-
nizado: “Os fazendeiros americanos são os únicos capazes de ler Homero
(Ibidem, p. 20).
4 “Em resumo, os Fundadores tinham plena consciência de que estavam
 In short, the Framers were acutely
self-conscious that they were establishing a new political order (...), BEDERMAN,
ob. cit., p. 31]. TOCQUEVILLE, a propósito da formação da Comissão
Constituinte francesa logo após a Revolução de 1848, frisa que os consti-
tuintes “(n)ao se assemelhavam em nada com os homens que, sob a presi-
dência de Washington, haviam redigido sessenta anos antes a Constituição
da América, tão seguros de seus objetivos e tão conhecedores dos meios
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ADHEMAR FERREIRA MACIEL
aproveitar as ideias de Locke (1632-1704) e Montesquieu
(1689-1755), que priorizavam a liberdade e a proprieda-
de. Monumentos constitucionais escritos, como a Magna
Carta Libertatum (1215), a Petition of Right (1628), o Agree-
ment of the People (1649) e o Bill of Rights (1688-9) alicerça-
ram os novos Estados norte-americanos,5-
cionalmente na Declaração da Independência, na Constituição
de 1787 e no Bill of Rights.
Karl Loewenstein (1891-1973), ao discorrer sobre a
originalidade da Constituição dos Estados Unidos – ela-
borada em plena era do Racionalismo e do Iluminismo
–, ressalta seis características (Merkmale): o sistema fede-
rativo, a forma republicana de governo, a separação de
poderes, a limitação de poderes, a soberania do povo e a
supremacia do judiciário.6
Antes de falar sobre os dois tópicos deste capítulo –
direito natural e formação político-jurídica americana – quero
encarecer, desde logo, a razão pela qual o direito roma-
no-germânico, que se espalhara como fogo pela Itália,
França e Alemanha no século XII, não vingou na Ingla-
terra. Trata-se de acontecimento da mais alta relevância
histórica, uma vez que cindiu duas famílias do sistema
jurídico ocidental nos dias de hoje: a família romano-ger-
mânica e a família do common law.
Lembranças de 1848 – as jornadas revolucionárias em Paris. Trad. Modesto Flo-
renzano. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 222).
5 SCHWARTZ, Bernard. The bill of rights: a documentary history. New York:
Chelsea House Publishers in association with McGraw Hill Book Com-
pany, v. I, 1971, p. 4 e seg.
6 LOEWENSTEIN, Karl. Verfassungsrecht und Verfassungspraxis der Vereinigten
Staaten. Berlin: Springer, 1959, S. 14-15.
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