A chamada união estável virtual: transformações do direito de família à luz da pandemia
| Autor | Anderson Schreiber |
| Ocupação do Autor | Professor Titular de Direito Civil da UERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado |
| Páginas | 85-92 |
A CHAMADA UNIÃO ESTÁVEL VIRTUAL:
TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO
DE FAMÍLIA À LUZ DA PANDEMIA
Anderson Schreiber
Professor Titular de Direito Civil da UERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro.
Advogado.
Sumário: 1. Ela: uma introdução. 2. Namoro online. 3. Mistérios da união estável. 4. A co-
abitação e a pandemia. 5. Convivência digital ou eletrônica. 6. União estável virtual ou à
distância. 7. Conclusão.
1. ELA: UMA INTRODUÇÃO
No filme “Her” – traduzido no Brasil como “Ela” e, em Portugal, não sem cer-
ta dose de criatividade, como “Uma História de Amor” –, o protagonista Theodore
Twombly desenvolve uma relação afetiva com uma assistente virtual de computador.
O filme, premiado com o Oscar de melhor roteiro original em 2014, suscitou, à época,
numerosas discussões não apenas sobre o modo como seres humanos vêm interagindo
com aparatos de Inteligência Artificial, mas também sobre os efeitos que a combinação
entre facilidades tecnológicas e um certo isolamento social – provocado por uma vida
contemporânea cada vez mais acelerada e fluída1 – poderia provocar sobre as relações
amorosas. Tais discussões, que tomaram os bares e restaurantes nas saídas dos cinemas,
eram invariavelmente interrompidas por alguém mais pragmático, que lembrava: “ah,
isso aí é tudo ficção científica”.
Seis anos se passaram e o mundo encontra-se, enquanto escrevo, em confinamento
devido à pandemia de Covid-19. O uso de meios eletrônicos, que já era uma realidade
em intensa expansão, tornou-se praticamente indispensável. Aulas presenciais foram
substituídas pelo ensino à distância, o trabalho presencial foi substituído pelo chamado
“teletrabalho”, as compras em lojas de rua e shopping centers se converteram em consumo
online. Supermercados e restaurantes se transmutaram no nosso cotidiano, assumindo
a forma de aplicativos de entrega. Os cinemas estão vazios, substituídos integralmente
pelo streaming. Para muitas pessoas, a comunicação por meios eletrônicos tornou-se a
única forma possível ou segura de comunicação.
Seria muito bom poder afirmar que, em meio a todo esse caos, o amor, ao menos,
foi poupado. Não foi. Relações afetivas de toda sorte foram confrontadas com o drama
do distanciamento físico. Minha filha mais velha, de quatro anos de idade, tem saudades
1. Ver, por todos, Zygmunt Bauman, Amor Líquido, Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
CORONAVIRUS E DIREITO DE FAMILIA.indb 85CORONAVIRUS E DIREITO DE FAMILIA.indb 85 01/06/2020 15:42:1601/06/2020 15:42:16
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO