O Código Civil, os direitos da personalidade e a era da dataficação

AutorPlínio Saraiva Melgaré e Guilherme Schoeninger Vieira
Ocupação do AutorMestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra. Professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP). Palestrante da Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul ...
Páginas177-198
O CÓDIGO CIVIL, OS DIREITOS DA
PERSONALIDADE E A ERA DA DATAFICAÇÃO
Plínio Saraiva Melgaré
Mestre em Ciências Jurídico-Filosócas pela Universidade de Coimbra. Pro-
fessor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS) e da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do
Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP). Palestrante da Escola Superior
da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul (ESMAFE) e da Escola Superior
da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS). Advogado. E-mail:
plinio.melgare@pucrs.br.
Guilherme Schoeninger Vieira
Mestrando em Direito pela Escola de Direito da PUCRS. Bolsista de Iniciação
Cientíca. Advogado. E-mail: guilherme.vieira@edu.pucrs.br.
Sumário: 1. Introdução – 2. Os fundamentos jurídicos dos direitos da personalidade – 3. Os
direitos da personalidade e a tecnologia digital – 4. Considerações nais – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em 10 de janeiro de 2022, o Código Civil brasileiro (CCB), formalizado na
Lei 10.406/2002, completou 20 anos de sanção. Na prática, a mencionada legis-
lação entrou em vigência um ano depois, em 11 de janeiro de 2003, substituindo
o Código Civil anterior, a Lei 3.071/1916. Embora tenha sido sancionado já no
novo milênio, o Código Civil de 2002 representa o resultado de décadas de tra-
mitação política e legislativa no Congresso Nacional, vez que o projeto original
foi elaborado entre 1969 e 1975 por uma comissão de juristas coordenada por
Miguel Reale, o supervisor da comissão elaboradora e revisora do Código Civil.
O atual CCB, ao abrir o seu Livro I tratando das pessoas, e ao proclamar que toda
pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, evidencia: a pessoa humana
emerge como pressuposto essencial, núcleo e vértice da normatividade jurídica
contemporânea. Com isso, é o ser humano, o homem-pessoa, que se arma como
fundamento ético substancial indisponível da ordem jurídica, formando a den-
sidade jurídico-axiológica exigida por um real Estado Democrático de Direito.
Dentre as numerosas inovações legislativas trazidas pelo atual Código Civil,
ressalta-se a previsão dos denominados direitos da personalidade, que constituem
todo um capítulo novo [...], visando à sua salvaguarda, sob múltiplos aspectos, desde
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a proteção dispensada ao nome e à imagem até o direito de se dispor do próprio corpo
para ns cientícos ou altruísticos. Tratando-se de matéria de per si complexa e de
signicação ética essencial, foi preferido o enunciado de poucas normas dotadas de
rigor e clareza, cujos objetivos permitirão os naturais desenvolvimentos da doutrina
e jurisprudência.1
Nesse cenário, ao considerar o tema dos direitos da personalidade em relação
com a sociedade brasileira contemporânea, sobretudo neste momento de celebração
das duas décadas da Lei 10.406/2002, este estudo se propõe a responder ao seguinte
problema: passados vinte anos da sanção do atual Código Civil, como os direitos da
personalidade tutelam a dignidade da pessoa humana na atual era tecnológica? Em
outros termos, o objetivo geral desta pesquisa consiste em analisar a tutela jurídica
dos direitos da personalidade na atual era da datacação. De forma pormenoriza-
da, para responder ao problema de pesquisa apontado, estruturam-se os seguintes
objetivos especícos: (i) compreender os fundamentos jurídicos dos direitos da
personalidade; (ii) determinar as principais características descritivas da atual era
da datacação; e (iii) considerar criticamente a tutela jurídica dos direitos da per-
sonalidade na atualidade, com ênfase para o direito à proteção de dados.
2. OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE
Ao lado da socialidade e da operabilidade, outro dos pressupostos do atual
Código Civil brasileiro consiste na eticidade que, buscando superar o formalismo
da codicação anterior, nos termos de Miguel Reale, justicou a elaboração de
normas genéricas ou cláusulas gerais, sem a preocupação de excessivo rigorismo
conceitual, a m de possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos, quer
pelos advogados, quer pelos juízes, para contínua atualização dos preceitos legais.2
Nesse mesmo contexto, evidencia-se que a referida legislação, ao completar os seus
vinte anos, passou a vigorar, desde a sua origem ecaz, em uma ordem jurídica
especialmente fundamentada na dignidade da pessoa humana. Aliás, a elevação
desse princípio como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil
marca a normatividade jurídica brasileira como uma cláusula geral da persona-
lidade, segundo a qual la tutela della personalità si può considerare unitaria, non
denita, senza limiti, elastica, adattabile quanto piú possibile alle situazini concrete
ed alle condizioni culturali, ambientali nella quali essa si realiza.3
1. REALE, Miguel. Novo Código Civil, Exposição de Motivos e Texto Sancionado. Brasília, Senado Federal –
Secretaria Especial de Editoração e Publicações e Subsecretaria de Edições Técnicas, 2005, p. 37.
2. Idem. Visão Geral do Novo Código Civil. Revista da EMERJ. Número Especial 2003. Anais dos Semi-
nários EMERJ Debate o Novo Código Civil, parte I, fevereiro a junho 2002, p. 38-44.
3. PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costituzionale. Napoli: Edizioni Scientiche Italiane,
1991, p. 325.
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