Reflexões sobre as cláusulas gerais da responsabilidade objetiva nos 20 anos do Código Civil Brasileiro

AutorEugênio Facchini Neto e Fábio Siebeneichler de Andrade
Ocupação do AutorProfessor titular de Direito Civil da PUC-RS; Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-RS; Doutor em Direito pela Universidade de Florença (Itália); Desembargador do Tribunal de Justiça do RS. / Professor titular de Direito Civil da PUC-RS; Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-RS; Doutor em Direito pela ...
Páginas43-58
REFLEXÕES SOBRE AS CLÁUSULAS GERAIS
DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NOS
20 ANOS DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Eugênio Facchini Neto
Professor titular de Direito Civil da PUC-RS; Professor do Programa de Pós-Gra-
duação em Direito da PUC-RS; Doutor em Direito pela Universidade de Florença
(Itália); Desembargador do Tribunal de Justiça do RS.
Fábio Siebeneichler de Andrade
Professor titular de Direito Civil da PUC-RS; Professor do Programa de Pós-Gradu-
ação em Direito da PUC-RS; Doutor em Direito pela Universidade de Regensburg
(Alemanha); Advogado.
Sumário: 1. Introdução – 2. As cláusulas gerais da responsabilidade civil objetiva na estrutura
do Código Civil de 2002; 2.1 O parágrafo único do artigo 927 como cláusula geral de respon-
sabilidade objetiva; 2.2 A cláusula geral do artigo 931: reconhecimento do risco empresarial
nas relações gerais de direito privado – 3. Considerações nais – 4. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
A essência da responsabilidade civil consiste em estabelecer consequências
patrimoniais a uma pessoa, na hipótese em que sua conduta acarrete prejuízos
a outrem1. Esta premissa se concretiza na legislação civil, na medida em que a
primeira preocupação do legislador consiste em disciplinar a responsabilidade
civil por fato próprio, conforme se verica, por exemplo, do exame do artigo 927,
Na verdade, o dano ocorrido não se cancela mais da sociedade: o ressarci-
mento não o anula. Trata-se simplesmente de transferi-lo de quem o sofreu dire-
tamente para quem o deverá ressarcir2. Assim, uma vez ocorrido o dano, há que
se decidir se esse dano cará denitivamente com quem o sofreu – a vítima – ou
se há razões jurídicas para que seja transferido, pela via da reparação pecuniária,
1. Ver, por exemplo, ALMEIDA COSTA, Mário Júlio. Direito das Obrigações. 6. ed., Lisboa: Almedina,
1994. p. 433; LOOSCHELDERS, Dirk. Schuldrecht – Allgemeiner Teil. 15. ed., Munique: Franz Wahlen,
2017. p. 349.
2. É a lição de TRIMARCHI, Pietro. Rischio e responsabilità oggettiva. Milano: Giurè, 1961, p. 16.
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para outra pessoa. Quando se reete acerca das razões que possam justicar tal
transferência, começa-se a pensar no fundamento da responsabilidade civil.
A esta primeira ordem de regulação agrega-se outra, subsequente, quando o
dano for causado por outra pessoa, a quem não se pode imputar responsabilidade
direta, ou então decorrente de uma coisa, vinculada a uma determinada pessoa.
Essa percepção de que o prejuízo deveria ser suportado, exclusivamente, pelo
indivíduo causador do dano passa a ser superada a partir da revolução industrial,
primeiramente com a decadência da noção de culpa e o subsequente e denitivo
incremento da noção de risco3, que altera a concepção da responsabilidade civil.4
Atualmente, em um momento em que o direito precisa lidar com o desenvol-
vimento tecnológico e mesmo com a inexistência de regulação sobre os prejuízos
causados por mecanismos de inteligência articial, justica-se o exame sintético
da disciplina da responsabilidade objetiva no Código Civil brasileiro de 2002,
quando se comemoram os vinte anos de sua promulgação, em uma feliz iniciativa
dos professores Adalberto Pasqualotto e Plínio Melgaré.
Tendo como premissa a noção de que o direito consiste na mediação entre
o individual e o social, entre o consenso e o conito, entre o justo e o razoável5,
pode-se armar que essa percepção se apresenta de forma indelével na matéria
da Responsabilidade Civil do Código civil de 2002, congurando a sua disciplina
em uma evolução relativamente à concepção presente até sua promulgação.
Em primeiro lugar, no início do século XX, a disciplina da responsabilidade
civil baseava-se no regime de ato ilícito, regulado na parte geral do Código civil
de 1916, no artigo 159. Esse quadro se mantém no campo do Código civil de
2002, que igualmente na parte geral, sob a rubrica “Dos Atos Ilícitos”, contém o
artigo 1866, que novamente sob a modalidade de uma cláusula geral, contempla
os pressupostos do dever de indenizar.
Ocorre que, à estrutura conceitual da responsabilidade extracontratual, as-
sociou-se, em 2002, a gura do abuso de direito, ausente no Código civil de 1916.
Desse modo, a disciplina dos atos ilícitos se compõe igualmente da previsão do
artigo 187.
3. BECK, Ulrich. Risikogesellscha – Auf dem Weg in eine andere Moderne. Frankfurt: Suhrkamp, 1986.
p. 28; ARGIROFFI, Alessandro; AVITABILE, Luisa. Responsabilitá, Rischio, Diritto e Postmoderno.
Turim: G. Giappichelli, 2008. p. 199 e segs.; CABRILLAC, Rémy. Droit des Obligations. 12. ed. Paris:
Dalloz, 2016. p. 221-222.
4. Ver, por exemplo, VINEY, Geneviève. De la responsabilité personnelle à la répartition des risques, Archives
de Philosophie de Droit, tomo 22, 1977. p. 5 e segs.
5. Cf. OPPETIT, Bruno. Philosophie du droit. Paris: Dalloz, 1999, p. 31.
6. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
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