A Conformação da Identidade Constitucional do Trabalhador na Constituição Federal de 1988: o Direito à Saúde Mental no Meio Ambiente de Trabalho

AutorValeria de Oliveira Dias
Páginas37-79
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A DIMENSÃO SOCIOAMBIENTAL DO DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO
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1.1. A centralidade da pessoa humana e do valor social do trabalho no Estado
Democrático de Direito: o direito fundamental ao trabalho digno
Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado explicitam que a matriz
da Constituição Federal de 1988 se estrutura a partir de três eixos principais: o
Estado Democrático de Direito, sua arquitetura principiológica humanística e social
e a concepção constitucional de direitos fundamentais da pessoa humana(33).
O paradigma(34) do Estado Democrático de Direito surge, no contexto
brasileiro, a partir da Constituição da República de 1988, como marco contem-
porâneo do constitucionalismo que supera e aperfeiçoa os paradigmas do Estado
Liberal de Direito e do Estado Social de Direito, porque fundado no pluralismo,
(33) DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com
os comentários à Lei n. 13.467/2017. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018. p. 21.
(34) A noção de paradigma adotada nesta pesquisa é a da filosofia da ciência de Thomas Kuhn.
Menelick de Carvalho Netto evidencia o duplo aspecto de tal noção ao afirmar que, “por um lado,
possibilita explicar o desenvolvimento científico como um processo que se verifica mediante rupturas,
através da tematização e explicitação de aspectos centrais dos grandes esquemas gerais de pré-com-
preensões e visões de mundo, consubstanciados no pano de fundo naturalizado de silêncio assentado
na gramática das práticas sociais, que a um só tempo torna possível a linguagem, a comunicação, e
limita ou condiciona o nosso agir e a nossa percepção de nós mesmos e do mundo. Por outro, também
padece de óbvias simplificações, que só são válidas na medida em que permitem que se apresente
essas grades seletivas gerais pressupostas nas visões de mundo prevalentes e tendencialmente hege-
mônicas em determinadas sociedades por certos períodos de tempo e em contextos determinados”.
Consultar: CARVALHO NETTO, Menelick. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado
Democrático de Direito. In: OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (coord.). Jurisdição e hermenêu-
tica constitucional no Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p. 29.
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VALÉRIA DE OLIVEIRA DIAS
no reconhecimento universal de direitos humanos e na proteção dos direitos
fundamentais, sob o manto do Estado de Direito, pilar essencial da democracia
constitucional(35).
O conceito constitucional de Estado Democrático de Direito, conforme destaca
Mauricio Godinho Delgado, revela uma acepção de democracia multidimensional
que, além de abarcar sua concepção clássica relativa à sociedade política voltada
para a gestão estatal, abarca a gestão da sociedade civil — “das instituições sociais,
da economia e seu mercado capitalista etc.”(36) —, baseando-se “na garantia firme
das liberdades públicas, liberdades sociais e liberdades individuais, com participação
ampla das diversas camadas da população”, efetivada por meio de mecanismos
institucionalizados de inclusão política, social, econômica e cultural e de participação
“dos setores sociais destituídos de poder e de riqueza”(37).
Note-se que o constitucionalismo humanista e social contemporâneo incor-
porou o compromisso com a prática da democracia: a democracia, por sua vez, o
compromisso com o respeito e a prevalência do constitucionalismo. Menelick de
Carvalho Netto e Guilherme Scotti esclarecem que democracia implica a “observância
dos limites constitucionais à vontade da maioria”, de modo a “preservar o respeito
público às diferenças individuais e coletivas na vida”. Noutros termos, significa
afirmar que não há constitucionalismo sem democracia; tampouco há democracia
sem respeito às minorias e ao constitucionalismo, cujas bases estão alicerçadas nos
ideais de liberdade e de igualdade como direito à diferença(38).
Assim, tem-se que o constitucionalismo, amparado no imperativo da demo-
cratização e seu ideal de participação e inclusão de todos os cidadãos por meio de
uma sociedade política democrática e inclusiva e uma sociedade civil igualmente
democrática e inclusiva, alcançou lastro para a afirmação da centralidade da pessoa
humana e sua inerente dignidade ao patamar de centro convergente do ordena-
mento jurídico, tornando-a diretriz cardeal de toda a ordem jurídica(39) e polo de
(35) DELGADO, Gabriela Neves. Os paradigmas do estado constitucional contemporâneo. In: DELGA-
DO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais:
dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 25-26.
(36) DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Op. cit., p. 28.
(37) DELGADO, Mauricio Godinho. Constituição da República, Estado Democrático de Direito e
direito do trabalho. In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da
República e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho.
4. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 34.
(38) CARVALHO NETTO, Menelick; SCOTTI, Guilherme. O direito do trabalho e o Estado Democrático
de Direito: o individual e o coletivo no exercício da autonomia do trabalhador. In: DELGADO, Gabriela
Neves; PEREIRA, Ricardo José Macêdo de Britto (org.). Trabalho, Constituição e cidadania: a dimensão
coletiva dos direitos sociais trabalhistas. São Paulo: LTr, 2014. p. 173.
(39) DELGADO, Mauricio Godinho. Constituição da República, Estado Democrático de Direito e
direito do trabalho. In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Op. cit., p. 46.
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convergência da arquitetura principiológica humanística e social em que se assenta
o Texto Constitucional. Tal dinâmica evidencia o compromisso hermenêutico de pre-
valência dos direitos humanos fundamentais na estrutura normativa constitucional,
tanto no âmbito da sociedade política quanto da sociedade civil(40).
Ingo Wolfgang Sarlet salienta que a dignidade da pessoa humana é um
princípio geral estruturante e constitucionalmente conformador da ordem jurídico-
constitucional — que também possui a condição de norma e de valor fundamental
geral norteador do ordenamento jurídico —, que se tornou indissociável dos di-
reitos humanos e fundamentais reconhecidos e protegidos no âmbito do direito
internacional e do direito constitucional, assim como inerente à própria demo-
cracia(41).
Essas ilações são extraídas do próprio Texto Constitucional de 1988, que, ao
alçar a pessoa humana e sua dignidade ao patamar de fundamento do Estado
Democrático de Direito (art. 1º, III), reconheceu que o Estado e suas instituições
existem para a pessoa humana e, por essa razão, eles mesmos devem se incumbir
da tutela integral da dignidade da pessoa humana, considerada individual ou cole-
tivamente,(42) de modo a possibilitar o pleno desenvolvimento da personalidade e
do potencial humanos, inclusive por meio do pleno exercício da cidadania.
É exatamente em razão do dever de tutela integral do ser humano e sua
dignidade que o Estado Democrático de Direito igualmente se estrutura nos direi-
tos fundamentais da pessoa humana, os quais são “inerentes ao universo de sua
personalidade e de seu patrimônio moral, ao lado daqueles que são imprescindíveis
para garantir um patamar civilizatório mínimo inerente à centralidade da pessoa
humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica”(43).
Logo, democracia, dignidade da pessoa humana e direitos humanos funda-
mentais guardam estreita relação com o Estado Democrático de Direito e o seu ideal
de existência digna das pessoas humanas em uma sociedade livre, justa e solidária
permeada pela justiça social (arts. 3º, I, e 170, caput, da CF).
Daí porque a dimensão constitucional da dignidade implica compreender que
a pessoa humana não pode ser instrumentalizada pelo outro, reduzida à condição
(40) DELGADO, Mauricio Godinho. Constituição da República, Estado Democrático de Direito e
direito do trabalho. In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Op. cit., p. 49-50.
(41) SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIERO, Daniel. Curso de direito cons-
titucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 275.
(42) SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIERO, Daniel. Curso de direito cons-
titucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 276-280.
(43) DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com
os comentários à Lei n. 13.467/2017. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018. p. 33.
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