Consolidando o Conceito de Dano Moral Coletivo nas Relações Laborais. Realidade Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho

AutorCosta, Marcelo Freire Sampaio
Páginas80-155
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Marcelo Freire Sampaio Costa
Capítulo 4
CONSOLIDANDO O CONCEITO DE DANO
MORAL COLETIVO NAS RELAÇÕES
LABORAIS. REALIDADE JURISPRUDENCIAL
DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
1. Aspectos introdutórios e justificação à delimitação do campo de
abrangência proposto
O estudo do principal referencial teórico em apreço possui como pressuposto
a necessidade de se ter como preocupação essencial de uma sociedade, com fortes
bases solidarísticas, a atenção à proteção da vítima de um dano, “buscando-se a
formulação de um princípio que vise, antes de tudo, a assegurar a ordem social e
a salvaguarda da dignidade daquele que, sem sua culpa, sofrer dano derivado da
atividade de outrem”(253).
Na seara da responsabilidade civil, além da força expansiva alcançada por
esse instituto numa sociedade de conflitos massificados que em última instância
acaba por significar a própria proteção do equilíbrio social, há de se ter como pre-
missas norteadoras do estudo a ser desenvolvido no presente capítulo os princípios
constitu cionais da solidariedade e da dignidade da pessoa humana - suas projeções
individual e coletiva, sendo esta concebida como verdadeiro “atributo valorativo
fundante”(254) do dever de indenizar danos patrimoniais e extrapatrimoniais, nas
searas individual e coletiva.
Ressalte-se, também, o tríplice âmbito de abrangência (constitucional-civil-
-trabalhista) até o presente momento desenvolvido decorrer do inquestionável caráter
interdisciplinar(255) que o estudo da responsabilidade civil se reverte, inobstante
a prevalência tenha sido conferida neste trabalho ao dano moral coletivo ocorrida
(253) HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 111.
(254) Ibidem, p. 117.
(255) Rodolfo Pamplona Filho ratifica a interdisciplinaridade do estudo da responsabilidade civil. Sobre o tema
assim se manifestou: “Discorrer sobre o tema ‘responsabilidade’ não é, definitivamente, atribuição
das mais fáceis, tendo em vista que se trata de uma matéria de natureza interdisciplinar, pois não se
refere somente ao Direito Civil, mas sim a praticamente todos os outros ramos do Direito”. In: Ação
popular. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 33.
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nas relações de trabalho. E essa prioridade será ainda mais preponderante daqui
para frente nesse estudo, principalmente considerando o já citado ataque feito pelo
legislador reformista laboral de 2017, que pretendeu isolar a disciplina do dano
extrapatrimonial ao texto celetista.
Aliás, no tocante ao processo do trabalho, há tradição quanto ao reconheci-
mento de conflitos de índole coletiva, envolvendo, de um lado, uma coletividade
de trabalhadores, e, de outro, o empregador. Esse impasse de interesses, desde a
CLT, deve ser resolvido pelo conhecido poder normativo da Justiça do Trabalho
(art. 114, § 2o, da Carta Constitucional de 1988).
Nesse eito, se a conflagração dos conflitos coletivos é inquestionável, os danos
extrapatrimoniais também são natural consequência desses impasses. O dano moral
coletivo é apenas um deles.
Talvez essa vocação histórica e natural da Justiça do Trabalho com os conflitos
de índole coletiva, somado a também natural eficácia e celeridade com a qual esse
ramo da jurisdição dá cabo de suas atribuições, ajude a explicar o desenvolvimento
jurisprudencial mais acelerado desse instituto, comparando-se com os demais ramos
da jurisdição brasileira.
1.1. Ainda no aspecto introdutório. Reflexos sociais do dano moral nas
relações laborais
Vale lembrar que os direitos sociais, conforme definição disposta no art. 6o
da Carta Magna de 1988, aos quais se integrou os chamados direitos fundamentais
laborais específicos, nos arts. 7 até 11, desse mesmo Texto Maior (tais como greve,
liberdade sindical, vertente individual e coletiva, repouso semanal remunerado,
direito ao descanso entre as jornadas, limite máximo à duração da jornada normal
de trabalho, proteção contra despedida arbitrária, proibição de trabalho noturno,
perigoso ou insalubre aos menores de dezoito anos e de qualquer trabalho aos me-
nores de dezesseis, salvo na condição de aprendiz, somente a partir dos quatorze, e
tantos outros), foram inseridos no título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”,
o que afirma opção constitucional clara pela fundamentalidade dos direitos sociais,
e, por consequência, os direitos trabalhistas afirmados nessa carta.
Portanto, os direitos sociais e, mais especificamente, os laborais, possuem um
inegável caráter transcendental e fundamental, apto a “impor valores à sociedade,
e, consequentemente, a todo ordenamento jurídico”(256). Tais valores, de inegável
projeção coletiva, são os seguintes:
... a solidariedade (como responsabilidade social de caráter obrigacional),
a justiça social (como consequência da necessária política de distribuição
dos recursos econômicos e culturais produzidos pelo sistema), e a projeção
da dignidade humana (como forma de impedir que os interesses econômicos
suplantem a necessária respeitabilidade à condição humana)(257).
(256) SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O dano social e a sua reparação. In: Revista LTr, São Paulo, v. 71, n. 11,
p. 1.317, nov. 2007.
(257) SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O dano social..., p. 1.317.
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Nessa toada, o desrespeito aos direitos laborais, ainda que restritos a uma
relação com limites meramente individuais, terá reflexos sociais inquestionáveis,
considerando a projeção social e a fundamentalidade conferido a esses direitos pela
Carta Maior de 1988.
Por consequência, danos extrapatrimoniais exsurgidos nas relações laborais
também carregarão essa projeção coletiva, de desrespeito à própria ordem jurídica
trabalhista, daí a afirmação, cada vez mais frequente, da ocorrência de danos morais
coletivos nas relações laborais.
Voltando à ideia da possibilidade de projeção coletiva de danos extrapatrimo-
niais em conflitos individuais, o Tribunal Superior do Trabalho, em duas ocasiões
distintas, reconheceu uma verdadeira projeção coletiva em casos de violações de
direitos verdadeiramente individuais, envolvendo trabalho infantil, inclusive admi-
tindo a legitimidade de atuação jurisdicional do Ministério Público do Trabalho em
sede de ação civil pública.
A primeira hipótese de direito individual indisponível com projeção coletiva
envolveu trabalho infantil doméstico de criança por mais de dez anos, com decla-
ração de “submissão da jovem à condição análoga à de escravo”(258), bem como
condenação em dano moral coletivo, foi expressamente reconhecida pela Quinta
Turma do Tribunal Superior do Trabalho.
A segunda hipótese, julgada pela Primeira Turma do Tribunal Superior do
Trabalho, condenou grupo de pessoas, envolvendo “microempresários, políticos,
advogados e policiais”(259), na cidade de Sapé, Paraíba, condenados em danos morais
coletivos por exploração sexual comercial de trabalho infantil.
Para finalizar este sumário introdutório, pretende-se, também, expor ao longo
deste capítulo, a realidade jurisprudencial — primordialmente do Tribunal Superior
do Trabalho — pertinente ao dano moral coletivo ou extrapatrimonial coletivo
ou social, exibindo precedentes acolhendo e desacolhendo a configuração de tal
modalidade de dano.
2. Tripé justificador do dano moral coletivo
Defende-se a existência de três vetores (tripé justificador) que justificam o
reco nhecimento da ocorrência de danos excedentes da esfera da individualidade.
São eles:
a) dimensão ou projeção coletiva do princípio da dignidade da pessoa humana;
b) ampliação do conceito de dano moral coletivo envolvendo não apenas a
dor psíquica;
(258) Notícia publicada na página virtual do Tribunal Superior do Trabalho. O número do processo foi omitido
visando a preservação da identidade da menor envolvida. Acesso em 18.7.2019.
(259) Idem.
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