Constitucionalismo, constituição e tipologia do estado constitucional

AutorAndré Del Negri
Ocupação do AutorMestre em Direito Constitucional pela UFMG
Páginas23-88
Capítulo
2
CONSTITUCIONALISMO,
CONSTITUIÇÃO E TIPOLOGIA
DO ESTADO CONSTITUCIONAL
Sumário: 2.1 Constitucionalismo: da Antiguidade à con-
temporaneidade – 2.2 A Constituição europeia e a tensão
criativa da humanidade – 2.2.1 A Constituição: classificação
dos textos constitucionais – 2.2.1.1 Constituições escritas e
promulgadas – 2.2.1.2 Constituição em sentido material e
em sentido formal – 2.2.1.3 Constituição quanto à rigidez e
flexibilidade – 2.2.1.4 Constituição e a classificação ontológi-
ca de Karl Loewenstein – 2.3 Constitucionalismo e tipos de
Estado Constitucional- 2.3.1 Estado Liberal – 2.3.2 Estado
Social – 2.3.3 Estado Democrático de Direito- 2.3.4 Estados
constitucionais e políticas “globalitaristas” nas “sociedades em
rede” – 2.3.4.1 O império bélico como lastro econômico do
mundo e o protagonismo governamental – 2.3.4.2 A política
de deseducação governamental como violência sobre as gera-
ções – 2.4 Assembleia Nacional Constituinte – considerações
sobre poder constituinte; 2.5 Atividade de reforma constitu-
cional: emendas à Constituição – 2.5.1 O risco de desmonte
da Constituição pela atividade de reforma – 2.5.2 Reforma na
Constituição e Direito Adquirido.
2.1 CONSTITUCIONALISMO: DA ANTIGUIDADE À
CONTEMPORANEIDADE
Destaca-se na literatura jurídica o constitucionalismo, um movimento reivin-
dicativo-político-jurídico, de alta complexidade, que não nasceu democrático, mas
(commuitocusto!)vaisedemocratizandoaospoucos,comobjetivosdedesenhara
limitação do poder de Estado e as garantias dos direitos fundamentais. Como resul-
tado,ahistóriadassociedadesmostraquesemprehouvepontosderupturaemque
umaconvivênciasocialésubstituídaporumanova.
Noentanto,antesdereetirmosoEstadoConstitucional,comosuaclássicatipo-
logiaemEstadoLiberaleEstadoSocial,convémrelembrar,abreviadamente,alguns
traçodeumperíodoanterior(oEstadoAbsoluto),eocaminhoparaaConstituição.
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teoria da constituição e direito constitucional
andré del negri
call e put
Menelick de Carvalho Netto oferece uma abordagem analítico-
comparativamuitoricacomrelaçãoaoestudodoabsolutismomo-
nárquicoinglêsnumdeterminadocontextohistórico.1 Por isto, enten-
demosnecessáriotrabalharcomadistinçãoentreTirania,Monarquia
Absolutae MonarquiaConstitucionalpara, numsegundomomento,
entendermos melhor a ideia de Constituição.
Assim, segundo o citado autor, Tirania ou Despotismo é uma ca-
tegoria em que o monarca possui de forma irrestrita e incondicional
o poder político, exercendo-o livremente sem reconhecer a existên-
cia de qualquer regra escrita. Já no modelo de Monarquia Absoluta,
emborao monarca ainda concentre todos os poderes do Estado em
suasmãos,elepróprio“estabeleceasregrasquelimitamosseuspró-
priospoderese seobrigaaobservá-los,enquantoelepróprionãoos
tenhaab-rogado”.2 A diferença, portanto, entre um e outro centra-se
na autolimitação do Monarca, indicando o surgimento, ainda que em
seu primeiro estágio, do denominado Estado Moderno. Veja que a
Monarquia Constitucional é caracterizada pelo “fato de que o poder
do monarca é limitado por regras de que ele não mais pode dispor por
sisó[...]”.3
Dessaforma,Menelick Nettorecordaque,desdeos nsdoséculo
XV até a revolução ocasionada pela Segunda Guerra Civil de 1648, teve
lugarumverdadeiroabsolutismonaInglaterraonde“oreisearmade
formaefetivacomooprincípio,acabeçaeomdoParlamento”.4
Noqueserefereàslinhasgeraisdamonarquianahistória,orefe-
ridoautorbusca delinearváriaspassagensemquedemonstraoapo-
geudo absolutismo nos reinados de JamesI (1603-1625) e de seu
lhoCharles I (1625-1649),osquais sempre procuraramreforçaro
absolutismo-monárquico.OsconitosentreReieParlamentoeram
umaconstanteeoParlamentoerasempredissolvidolevandooabso-
lutismo ao triunfo.5
1 CARVALHO NETTO,Menelick de. A sanção no procedimento legislativo.
BeloHorizonte:DelRey,1992.
2 AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 28.
3 Ibidem, p. 29.
4 Ibidem, p. 31.
5 Ibidem, p. 27-49.
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Segundo o eminente professor, Charles I chegou a nomear um lí-
derdeumgrupodeteólogostradicionalistasanticalvinistasparaque
ensinassemnasescolasa“TeoriadoDireitoDivinodosReis”.Neste
ponto,épertinenteaarmaçãofeitaporNiklasLuhmannde que a le-
gitimidade foi um conceito muito usado na Idade Média para a “defe-
sadausurpaçãoetirania” faceàausênciaabsolutaderegraspositiva-
das, e o permanente discurso de autoridade emanado do representante
dadivindade(soberano), vistocomo aúnica fontelegitimadaparaa
representação da vontade geral. 6
Somente com a denominada Gloriosa Revolução de 1688 o trono
InglêsfoiocupadoporWilliamd’Orange,momento históricoemque
surgiuaMonarquiaConstitucionalatuandocomoumaimpossibilidade
deopoderrealinvocaradoutrinadoDireitoDivinodoSoberano.
Deve-seaindaregistrar,nessecontextohistórico,que“aosobera-
no é reconhecida uma parcela do Legislativo. O Rei não pode fazer
asleisporsi só,suspender-lhesaecácia,nem tampoucodispensar
alguémdeobservá-las”.7Destaforma,osoberanopassouaservisto
comoumapessoapúblicaque,emborainvestidadopoderdalei,de-
veria atuar de acordo com a vontade da sociedade, vontade que passa
a ser expressa por leis, originando-se, a partir daí, um maior respeito
à legalidade.
Aindaque haja divergências sobre o início do constitucionalis-
mo,muitossãoosautoresquearmamqueoconstitucionalismoteve
início na Inglaterra com a Magna Charta Libertatum de 1215.8 Reco-
nhecerissosignicaperceberainuênciadessepaísnaconstruçãode
umaviaqueabriu caminhopara oaperfeiçoamentode leisque, nos
seus principais aspectos, são consideradas como reguladoras de ma-
térias constitucionais, como por exemplo, a Petition of Rights (1628),
o Habeas Corpus Act (1679)e,porm,em1689,oBill of Rights.9
6 LUHMANN,Niklas.Legitimação pelo procedimento. Brasília: UNB, 1980, p. 29.
7 CARVALHO NETTO,Menelick de. A sanção no procedimento legislativo.
BeloHorizonte:DelRey,1992,p.40.
8 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2006. t. III, p. 69.
9 O Bill of Rights aparece em duas versões. Uma inglesa, de 1689, ocorrida de-
pois da Glorious Revolution, quando Willian III aceitou o compromisso com
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