Coronavírus e o contrato de seguro

AutorWalter A. Polido
Ocupação do AutorMestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP
Páginas139-160
CORONAVÍRUS E O CONTRATO
DE SEGURO
Walter A. Polido
Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP; Árbitro em seguros e resseguro;
Sócio e professor da Conhecer Seguros; Coordenador Acadêmico do Curso de Espe-
cialização de Direito do Seguro e Resseguro da ESA-OAB-São Paulo; Autor de livros;
Consultor e Parecerista.
Sumário: 1. Introdução: riscos, seguros e resseguro – 2. Questões concernentes ao tema seguros
e coronavírus – 3. Coronavírus enquanto fato gerador de sinistros: 3.1 Ramos de seguros e a
possível cobertura do risco; 3.1.1 Seguro Saúde; 3.1.2 Seguro de Vida; 3.1.3 Seguro Fiança
Locatícia; 3.1.4 Seguro de Lucros Cessantes; 3.1.5 Seguro de Responsabilidade Civil Estabele-
cimentos Médicos e Odontológicos; 3.1.6 Seguro de Responsabilidade Civil dos Prossionais
da Área de Saúde e RC Prossional de Síndicos de Condomínios Comerciais e Residenciais;
3.1.7 Seguro de Responsabilidade Civil de Diretores e Administradores – D&O; 3.1.8 Seguro
de Responsabilidade Civil de Corretores de Seguros e de Brokers de Resseguro; 3.1.9 Seguro
de Crédito Interno e Externo. Seguro Garantia; 3.1.10 Outros Seguros – 4. Resseguro – 5.
Conclusões – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO: RISCOS, SEGUROS E RESSEGURO
O seguro representa, na contemporaneidade, a ferramenta mais ef‌icaz de transfe-
rência de riscos, até o momento criada pelo homem. Se, na fase que antecede ao seguro,
o gerenciamento demonstrar a impossibilidade de o risco ser neutralizado ou mesmo
extinto, a melhor alternativa será justamente a de transferi-lo para o seguro. Neste
sentido, a preleção do professor Mendes: “o ser econômico racional tem a obrigação de
se segurar, pois, o seguro tem por f‌inalidade, exatamente, transformar as perdas aleatórias
em simples despesas certas e previsíveis”1. A álea, de acordo com a def‌inição reproduzida,
está pautada tão somente no risco e, mais precisamente, no momento da incidência do
evento danoso garantido pelo seguro, naqueles de natureza patrimonial, assim como nos
seguros de pessoas (vida, saúde, acidentes pessoais). Em razão, também, de a garantia do
seguro ter como objeto o “interesse” do segurado sobre o bem ou a pessoa, deixou de ter
qualquer importância a diferenciação que existia estre um segmento e outro (seguros de
danos e seguros de pessoas). Na pós-modernidade, a doutrina especializada propugna
pela comutatividade do contrato de seguro, mesmo porque a prestação e a contraprestação
das partes celebrantes são simultâneas e imediatas. O proponente paga o prêmio à segu-
radora e ela garante ao então segurado, desde logo, a indenidade – uma vez sobrevindo os
eventos predeterminados durante a vigência da apólice. Todavia, não repousa apenas
na materialização do sinistro a efetividade do seguro. O contrato oferece proteção ampla
1. MENDES, J. J. de Souza. Bases Técnicas do Seguro. São Paulo: EMTS, 1977, p. 12.
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ao segurado: estado de segurança e de tranquilidade, além da sustentabilidade econômico-
-f‌inanceira, independentemente da ocorrência do sinistro.
A segurabilidade dos riscos está pautada na ciência relativa aos grandes números,
guiada pela estatística e atuária, principalmente. A atividade seguradora, prof‌issional, se
desenvolve exclusivamente no campo do estudo das probabilidades, afastada a incerteza
na operação, sendo que esta baseia o jogo e a aposta e não o seguro. A álea, na atualidade,
centrada no risco, passa por processos de modelagens estatísticas e af‌ins a tal ponto re-
quintados, que permitem às seguradoras conhecer perfeitamente a exposição dos riscos
ao longo dos anos e continuamente. Os sistemas eletrônicos atualmente disponibilizados
para a análise e a projeção sistêmica dos riscos e dos resultados, são muito desenvolvidos
e podem prover as seguradoras de margem de certeza quase absoluta nas suas operações.
Para consolidar esta introdução acerca da atividade seguradora na atualidade,
emerge o contrato de resseguro, sendo necessário explorar dois aspectos sobre este mo-
delo, extremamente complexo. Em primeiro lugar, compete def‌inir o resseguro: através
dessa operação, a seguradora (denominada “Cedente” neste tipo de negócio jurídico),
transfere (cede) parte de suas responsabilidades assumidas através dos contratos de
seguros a uma outra empresa, a resseguradora ou a várias delas, simultaneamente, de
maneira proporcional ou não-proporcional. Este instituto, o resseguro, tem como função
precípua indenizar a cedente, uma vez sobrevindo o sinistro2. Através dessa operação, as
seguradoras adquirem várias vantagens: “a de maior capacidade de operação ou o aumento
do volume de captação de negócios no mercado competitivo; substituição efetiva de capital
(“surplus relief”); estabilização dos resultados por conta da homogeneização da sinistrali-
dade; proteção contra riscos catastróf‌icos; transferência de “know how” na subscrição de
riscos (“underwriting”) e nos ajustamentos dos sinistros3 (“claims handling”); outras”4. Em
segundo lugar, é necessário ressaltar a internacionalidade do resseguro: a pulverização de
riscos em âmbito global é salutar na medida em que minimiza a concentração de perdas
em um determinado mercado doméstico, especialmente quando os riscos estiverem
relacionados a catástrofes. Terremotos no Japão, no Chile e no México são exemplos de
preocupações constantes encontradas naqueles países, sendo que programas especiais
de seguros e resseguro são elaborados em face dos riscos inerentes. Furacões no Caribe,
tornados nos EUA, enchentes em países europeus, são outros exemplos reincidentes5.
Também endemias e até mesmo pandemias são passíveis de coberturas através do res-
seguro, como de fato acontece em vários países. Dessa forma, os contratos de resseguro,
“protegem a Seguradora não somente contra o risco de perda individual, mas também contra
eventos, catástrofes e acumulação”6.
2. POLIDO, Walter A. Resseguro. Cláusulas Contratuais e Particularidades sobre Responsabilidade Civil. 2ª ed., Rio de
Janeiro: Funenseg, 2011, p. 23.
3. Processo administrativo de regulação de sinistros, assim como é conhecido no Brasil.
4. POLIDO, Walter A. VILLAS BÔAS, Regina Vera. O contrato atípico de resseguro e as discussões contemporâneas
sobre a sua natureza jurídica, fontes jurídicas que o fundamentam e função social exercida: garantia do efetivo
equilíbrio do mercado segurador e do resseguro. In: Revista de Direito Privado, RDPriv n. 61, Ano 16. São Paulo:
RT, janeiro-março 2015, p. 193-230.
5. Idem, p.29.
6. BERTSCHINGER. P. P. Know How en Seguro y Reaseguro. Madrid: Editorial Mapfre, 1979, p. 133.
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