Sobre a 'Crise' do Estado de Bem-Estar: Retração, Trans-formação Fáustica ou o Quê?
| Autor | Mauricio Godinho Delgado, Lorena Vasconcelos Porto |
| Páginas | 106-137 |
CAPÍTULO 3
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FQ(1)
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Sumário: 1. Introdução. 2. Crise? 3. A crise que não aconteceu. 4. Mas
algo aconteceu, o quê? 5. Como avaliar as transformações? 6. Con-
clusõesReferênciasbibliográcas
1. Introdução
Conquanto o problema de se haveria ou não uma crise do estado de bem-
-estar tenha estimulado um conjunto expressivo de contribuições(3), o retorno a
elesejusticaporpelomenosduasrazõesEmprimeirolugaranecessidade
desistematizar essascontribuições emsegundo lugara importânciade se
avançar a partir da constatação de uma crise ou não crise, na direção de outros
(1) A autora agradece os comentários de Jose Antonio Ocampo e a assistência de pesquisa de
ClaudiaBenevideseAntonioKerstenekyOpresenteartigofoipublicadoanteriormente
na Revista Dados, v. 5, Rio de Janeiro, p. 447, 2012.
(2) Professora titular do Instituto de Economia da UFRJ, pesquisadora 1 do CNPq, diretora
do CEDE (Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento), pós-doutora com
louvor em Ciências Políticas e Sociais pelo European University Institute (1998), doutora
em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro — IUPERJ
(1997), mestre em Economia pela UFRJ (1989), graduada em Economia pela Universidade
FederalFluminense pesquisadora visitantena ColumbiaUniversity noMITna
Universidade de Illinois e na Universidade Pompeu Fabra em Barcelona e professora visi-
tante na Universidade de Siena na Itália e no INAG em Cabo Verde.
(3)Ver Pierson, 2006, para uma revisão.
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dilemas que se apresentem. Neste artigo, tentaremos sistematizar a questão
deseoestadodebemestarestariaemcrisevisandoemúltimainstânciao
horizonte mais amplo de transformação do mesmo. Esse exame é dependente,
comoénaturaldedeniçõesoperacionaisdewelfare state(4) ecriseDeniremos
welfare state como um conjunto de intervenções públicas visando a promoção
de bem-estar e envolvendo (algum grau de) redistribuição de renda. Em
contrasteadeniçãodecriseémaisproblemáticatendovariadosubstancial-
mentenodebatepúbliconasúltimasdécadasEnquantoalgumasdenições
rapidamente perderam credibilidade, como as que anunciavam, já nos anos
omiminentedoestadodebemestarporcontadeconstitutivascontra-
dições internas, agudizadas por seu crescimento incontido, outras, evocando
noçõesmaisvagasdeproblemascrônicoseemlargaescalaparecemresistir
melhor. Na realidade, a doutrina um tanto paradoxal de um estado de crise
permanente remonta aos anos dourados de expansão do welfare state, quando
argumentosconservadoresadvertiamsobreosefeitoseconômicosdeletérios
da intervenção social estatal, porém nunca antes como crescentemente nas três
últimasdécadasesses argumentosganharamamplaressonânciaOobjetivo
preliminar deste artigo é examinar o grau de verdade na proposição de uma
crise do estado de bem-estar.
Apósuma brevediscussãonaseçãosobrepossíveissignicadosde
crise, tal exame é empreendido, na seção 2, tomando por base um conjunto de
indicadores quantitativos e qualitativo-quantitativos normalmente associados
à presença de um welfare state. Essa primeira aproximação fornece uma base
razoavelmentesólida para refutarmosatese decriseiminente ou crônica
Contudo, algo aconteceu nas décadas recentes. A seção 3 estuda então um
fenômenorelativamentediferente decrisemudança Nela tentaremos
observar e avaliar as pressões sentidas e as transformações ocorridas, que
implicaram um tanto contraditoriamente seja em privatização da provisão de
bem-estar seja em expansão da intervenção pública. Resta saber se as mudan-
çasnegociaramaalmadoestadodebemestaratransformaçãofáustica
aque serefereotítulo nosentido denossadeniçãoacimaintervenção
pública promotora de bem-estar via redistribuição. Este é o tema da seção 4.
A seção 5 conclui o artigo com a observação de que se o fantasma da crise está
de certo modo afastado — no sentido de terem as instituições do welfare state
sidoabsorvidascomoumaspectopermanentedoambientesocioeconômico
dassociedadescontemporâneaséaindanecessárioconheceroimpactodas
transformações sobre a capacidade de este seguir promovendo redistribuição
esuasinstituiçõesseguirempertencendoaodomíniopúblico
(4) Asexpressõeswelfare stateeestadode bemestarserãoutilizadasintercambiavelmente
ao longo do texto para minimizar as inevitáveis repetições de termos.
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2. Crise?
Há quase quatro décadas, o estado de bem-estar convive com uma crise
anunciadaMasquecriseéestaSegundoCPiersonépossívelatribuir
quatrosignicadosà noçãodecrise situação deperturbaçãocausada por
um choque externo (1), manifestação de uma contradição de longo prazo (2),
momento dramático que precede a superação de uma situação (3) ou, ainda,
qualquer problema em larga escala e duradouro (4).
Durante os anos 1970, a tese de um choque externo (1), causado pela crise
do petróleo, teve alguma aceitação, porém as teses mais difundidas nos anos
e defendidas sejapor autoresneomarxistassejapelachamada
novadireitasevincularamaosignicadodecrisecomomanifestaçãodeuma
contradição de longo prazo (2). Tanto o diagnóstico de uma crise do Estado,
resultante de uma contradição interna em sua concepção (representar uma
classe e seus interesses e buscar legitimidade na classe antípoda e atender a seus
interesses) (O’CONNOR, 1973), quanto o diagnóstico da crise como produto
de um excesso de demandas causadas (pelas expectativas criadas) pela demo-
craciaCROZIERet al., 1975), apontavam para a iminência de transformações
estruturaisdisparadaspelacrisenasnançaspúblicasqueculminariamno
mdoestadodebemestarsocialPIERSON
Asprevisõesdo m iminentedo welfare state não se materializariam.
Evidências de uma crise contingente, causada por um choque externo, foram
mais convincentes. Os dois choques do petróleo da década de 1970 e mais uma
sériedetransformaçõeseconômicasqueselhesseguiram(5) contribuíram para
reduzironíveldeatividadeeconômicaenalmentemergulharváriospaíses
em uma recessão importante e níveis de desemprego inéditos no pós-guerra.
Osváriosintitulamentos(6) à proteção social estavam assegurados; honrá-los,
diante de uma receita pública que se contraía junto com o nível de atividade,
signicoudécitsedívidaspúblicasqueagravaramoquadroeconômico
Pode este quadro ser caracterizado como uma crise do welfare state? A
causamaterialfoieconômicanãosocialoupolíticadiferentementedoprevisto
nasduasversõesdecontradiçãodelongoprazoContudopodeseobjetar
quemesmonãotendosidooagentecausadordacriseeconômicacujafonte
externaéclaramenteidenticáveloestadodebemestarteriacontribuídopara
acentuaracriseeconômicaeaofazêloprovocarsuaprópriacrisenanceira
— uma situação insustentável que tem de ser descontinuada (3).
(5) Entreelas cabemencionar asmudanças nasrelaçõesde trocainternacionais eo mdo
sistemadeBreonWoodsdetaxasdecâmbioxas
(6) Apalavrainglesaentitlementsreferindosenocasopresenteadireitossociaisexigíveis
juridicamentefoitraduzidaimperfeitamentecomointitulamentosaolongodotexto
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