Das Regras Gerais da Locação Urbana. Formação, Efeitos, Extinção e Cessão da Relação Locatícia

AutorDimas Elias Atui
Páginas17-135

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1. 1 Abrangência, solidariedade ativa e passiva no contrato de locação

O dispositivo inaugural da Lei do Inquilinato delimita a aplicação da Lei n. 8.245/91, exclusivamente para regular as relações locatícias voltadas a imóveis urbanos, regrando especialmente a matéria em relação a outros diplomas eventualmente concorrentes à locação, ressalvadas as relações específicas em que o objeto não seja a locação de imóveis urbanos ou que, mesmo sendo, pela natureza jurídica, continue sendo regrado pelas leis específicas.

Assim, com efeito, o legislador define a aplicação da norma a partir do caput do art. 1º, exceto nos casos previstos no parágrafo único:

Art. 1º. A locação de imóvel urbano regula-se pelo disposto nesta Lei.

Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais:
a) as locações:
1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados, dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas;
2. de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos;
3. de espaços destinados à publicidade;
4. em apart-hotéis, hotéis residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e, como tais, sejam autorizados a funcionar;
b) o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades.

Pelo copiado, sabe-se que o ordenamento possui outros diplomas que igualmente regulam o direito de locação. Porém, com aplicações distintas e especiais. Tanto em relação à parte, v.g., imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, como em relação aos locais ou tipos de construções voltadas a atividades hoteleiras. Muitas dessas modalidades encontram-se disciplinadas na Lei Geral – Código Civil – ou em outras legislações, especialmente se os imóveis forem públicos. Esse tipo de locação possui lei específica, relação que é disciplinada especialmente, fora do alcance da Lei de Locação Urbana em tela, como posto no item 1 do parágrafo único.

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Também o arrendamento mercantil não se confunde com a locação urbana imobiliária, contrato esse conhecido por “Leasing”, sinônimo de arrendamento mercantil, regulado pela Lei Federal n. 6.099/74, alterada por legislações posteriores, que conceitua e dispõe sobre a forma, condições e outras situações abrangidas por essa norma especial que determina a formação dos contratos de arrendamento mercantil.

Destarte, os bens móveis, especialmente ferramentas de alto valor, como veículos e utilitários, podem ser locados e depois adquiridos pelo locatário via arrendamento mercantil, sendo utilizados com frequência na movimentação da economia brasileira. Obviamente que a Lei de Locação Urbana Imobiliária, quando sancionada, não tinha o condão de revogar outros diplomas de locação. Contudo, o legislador, ao editá-la, buscou afastar qualquer dúvida, pondo no texto claramente a extensão e a aplicabilidade da norma no mercado imobiliário brasileiro.

Nesse aspecto, importante ressaltar de início que, embora a Lei de Locação em comento constitui-se em diploma único a ser utilizado nas locações urbanas, certo é que a lei geral, v.g., Código Civil, será aplicada subsidiariamente a ela quando eventualmente os fatos forem passíveis de interpretação pelo jurista e aplicador da lei no Judiciário, devendo obviamente suprir eventuais falhas em respeito ao princípio da legalidade, corolário do Estado de Direito, especialmente quando certas situações fáticas estiverem ausentes de previsão na Lei Inquilinária.

Assim, quando as cláusulas contratuais estiverem sujeitas à dúvida de interpretação e aplicação da norma, o Código Civil será a lei subsidiária a ser aplicada no caso concreto. Existem várias situações onde o direito obrigacional é obtido pela lei geral em complemento às disposições da Lei n. 8.245/91 em exame.

Com efeito, para os efeitos obrigacionais, o legislador foi objetivo ao prever as situações de multiplicidade de sujeitos em qualquer dos polos do contrato de locação. A solidariedade obrigacional se estabelece tanto na hipótese de existência de mais de um locatário ou mais de um locador na relação locatícia, salvo estipulação expressa ao contrário a ser prevista no instrumento contratual. Como prescreve o art. 2º:

Art. 2º. Havendo mais de um locador ou mais de um locatário, entende-se que são solidários se o contrato não estipulou.

Parágrafo único. Os ocupantes de habitações coletivas multifamiliares presumem-se locatários ou sublocatários.Pelo dispositivo, o Legislador confere à parte prejudicada por descumprimento de qualquer cláusula contratual o manejo de medida judicial em face de qualquer uma das partes contratantes. Nesses casos, pode-se cobrar débitos contratuais tanto em litisconsórcio ou individualmente, por força do instituto da solidariedade obrigacional.

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Juridicamente, o Código Civil de 2002, como lei subsidiária geral, estabelece no livro I da Parte Especial, do Direito das Obrigações, entre os arts. 264 a 285, as regras de configuração e exercício da solidariedade ativa e passiva. Como regra, o art. 264 impõe que: “Há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado à dívida total”.

Quanto à solidariedade ativa, cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro (art. 267). Para a solidariedade passiva, o art. 275 estabelece que: “O credor tem direito a exigir e receber de um ou de algum dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto”.

Em seu parágrafo único, o dispositivo excepciona que: “Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores”.

Dessa forma, o Código Civil, como Lei Geral, dá suporte à Lei do Inquilinato, até porque o Direito Obrigacional por essência é estabelecido a partir do Código Civil, conhecido como “Realeano”, em homenagem ao grande jurista brasileiro Miguel Reale, um dos principais responsáveis pela análise e formatação do texto do Código Civil, após cumprimento do incansável trâmite pelo qual passou o atual Código até ter sua redação aprovada pelo Congresso Nacional no ano de 2002.

Assim sendo, para fins de estabelecimento de solidariedade passiva, especialmente em relação ao locatário, em que pese a previsão do art. 2º, salutar as partes fixarem cláusula expressa a respeito, em continência ao art. 265 do CC/02. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.

Pela exegese do art. 2º, o legislador da Lei do Inquilinato acerta ao regrar situações em que haja mais de um contratante num dos polos da relação locatícia entre inquilino e locador. Vislumbra-se que, diante do dispositivo, o legislador foi objetivo e esclarecedor ao declarar que na dualidade de partes, seja no polo do locatário ou no polo do locador, a solidariedade se estabelece salvo previsão ao contrário no contrato. Para todos os efeitos há que se distinguir a solidariedade estabelecida pelos sujeitos contratuais da solidariedade imposta ao fiador, no âmbito do direito à garantia prevista na lei de locação.

A fiança pessoal traz ao garantidor, pessoa do fiador, todo o ônus legal a ele imposto pela lei, sujeito a constrição pessoal de todos os seus bens, inclusive

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sua própria moradia, em eventual demanda executiva ajuizada pelo credor por inadimplência do locatário. Trata-se sem dúvida de forma excepcional de execução, não abrangida pelo direito à impenhorabilidade do bem de família. Regra essa excepcionada inclusive pela própria Lei n. 8.009/90 (art. 3º, VII).

Desta forma, a solidariedade obrigacional fixada no art. 2º sujeita o fiador como garantidor de um dos locatários a assumir indiretamente a obrigação descumprida por seu afiançado. Faculdade que permite ao credor (locador) direcionar sua execução em face de qualquer um dos locatários, na hipótese do dispositivo, situação que pode alcançar o fiador do executado escolhido na demanda executiva, salvo previsão em contrário no instrumento contratual.

Assim, nesse aspecto a solidariedade é relativizada na situação do dispositivo. De modo que existe mesmo flexibilidade legal que permite aos contratantes deliberarem a respeito da solidariedade prevista no art. 2º, respeitados os interesses da parte locatária e do locador nos casos em concreto.

Outro ponto jurídico a ser observado, no campo da solidariedade obrigacional, é o fato de o casamento, nos casos em concreto, ter sua solidariedade reconhecida, impondo ao cônjuge a obrigação contratual nas hipóteses em que as dívidas constituíram benefício à sociedade conjugal — hipóteses reconhecidas na jurisprudência paulista.1Assim, cabe ao operador de Direito, em análise ao caso em concreto e interpretação da norma inquilinária, identificar a extensão do art. 2º para os casos práticos, de modo a orientar e esclarecer as questões jurídicas que emergem da solidariedade...

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