'Democracias autoritárias': o estado de direito e o princípio da Lei na América Latina atual

AutorPedro Paulo Oliveira de Souza
Páginas107-126
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“DEMOCRACIAS AUTORITÁRIAS”: O ESTADO DE DIREITO E
O PRINCÍPIO DA LEI NA AMÉRICA LATINA ATUAL
Pedro P aulo Oliveira de Souza Ribeiro
Sumário: Introdução. 1. “Estado de direito” e “Princípio da lei” na América
Latina do séc. XXI. 2. A forma política “democrática” e as inovações
institucionais. 3. A forma política “autoritária” e as tutelas estatais. Conclusão.
Referências.
Introdução
A pretensão deste ensaio é examinar alguns dos problemas de
aplicação teórica aos tradicionais termos de “Estado de direito” e “Princípio
da lei” no atual contexto da América do Sul. Tendo em conta as suas possíveis
aplicações conceituais e justificações políticas, em função da elevada
desigualdade social percebida nesta região, a hipótese aventada é de incidir
um novo momento histórico acerca do papel do Estado e da lei diante das
contradições entre a realidade e os ideais projetados por esses dois conceitos
nas relações de poder sul-americanas. Assim, aponta-se a uma perspectiva de
“incerteza” sobre a atual forma política democrática no continente ser capaz
de realizar as suas promessas na efetivação de direitos fundamentais.
Em face da determinação de conteúdos sobre esses conceitos se
mostrar imbricada ao surgimento de “regimes autoritários” no século XX,
tem-se que a forma política democrática projetada a este século XXI segue em
compasso ao “sentido estrutural” ditado pelos câmbios econômicos das
últimas quatro décadas. Por este motivo, se considera que apesar dos regimes
políticos na América do Sul terem modificado suas formas, as respectivas
transições políticas incidiram numa reelaboração desses conceitos os quais
passaram a se desdobrar em função de novos contextos, encerrando uma
notória indeterminação sobre seus sentidos políticos. Logo, tal indeterminação
decorreria da “crise de legalidade da atividade executiva estatal”, atividade
esta cada vez menos condicionada pela forma da lei ao mesmo tempo em que
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é cada vez mais desempenhada por meios informais subtraídos de qualquer
controle sobre sua legitimidade.
Desse modo, entre as novas funções do aparato político
representativo, decorreria a sua tarefa em tutelar a segurança interna de uma
ordem social intrinsecamente desigual a qual sobrepõe um sistema de
“superlegalidade” ao de legalidade. Este projeto político, outrora de viés
“democrático”, passa então a assumir a condição de “autoritário” e é
exatamente a partir dessa nova condição que se indaga a possibilidade dos
regimes políticos sul-americanos atuais experimentarem uma “situação de
“autoritarismo” em meio as democracias constitucionais. Será sobre os termos
desta contradição aparente que se buscará apontar ao sentido estrutural
delineado pelos câmbios econômicos que levaram o “Estado” e o “direito” a
adquirirem novo viés. Afinal, esta situação-limite passa a requerer maior
observância por parte da literatura especializada frente a influência política de
militares e magistrados no atual cenário político sul-americano, uma vez que
a recente interdição dessas duas categorias de agentes estatais na política
institucionalizada prescinde da construção de novas conceituações a partir da
hipótese teórica de experimentarmos “democracias autoritárias”.
1. “Estado de direito” e “Princípio da lei” na América Latina do séc.
XXI
Segundo o jurista francês Olivier Jouanjan,1 “Estado de direito”
remete a uma noção política relativa a um certo tipo de Estado, a um modo
particular de organização política cuja finalidade é a divisão igualitária das
liberdades entre os membros de uma coletividade, e em certos sistemas
jurídicos remete então à noção de direito positivo. Já o politólogo argentino
Guillermo O’Donnell atribui um significado mínimo ao “Princípio da Lei”,2
parcialmente coincidente ao de “Estado de direito”,3 este envolve a aplicação
coerente de normas legais pelas instituições administrativas,
independentemente da qualidade daqueles participantes envolvidos, e de
1 JOUANJAN, Olivier. Estado de direito. In: ALLAND, Denis; RIALS, Stéphane (orgs.). Dicionário
da cultura jurídica. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012, pp. 709-714.
2 O’DONNELL, Guillermo. P oliarquias e a (in)efetivadade da lei na América Latina. São Paulo:
Novos Estudos Cebrap, n. 51, julho de 1998, pp. 37-61.
3 Os conceitos de “Princípio da lei” (rule of law) e “Estado de direito” (Rechtsstaat ou Etat de Droit)
não são sinônimos e estão sujeitos a controvérsias tanto definicionais quanto normativas na literatura
política.

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