A relação entre estado de direito e democracia delegativa no contexto brasileiro

AutorThaiana Conrado Nogueira
Páginas85-105
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A RELAÇÃO ENTRE ESTADO DE DIREITO E DEMOCRACIA
DELEGATIVA NO CONTEXTO BRASILEIRO
Thaiana Conr ado Nogueira
Sumário: Introdução. 1. Estado de Direito. 2. Democracia Delegativa. 2.1.
Democracia Delegativa e Novo Constitucionalismo Latino-Americano. 2.2.
Democracia Delegativa e Brasil. 3. A relação entre os poderes Executivo e
Judiciário no Brasil atual. Conclusão. Referências.
Introdução
O Brasil é marcado por um histórico de hipertrofia do Poder
Executivo, que concentra poderes e acaba se sobrepondo em relação ao
Legislativo e ao Judiciário. Esse contexto de agravou sobretudo após o
processo de redemocratização que sucedeu o regime de ditadura militar no
final da década de 1980. Isso porque, nesse contexto, a figura do Presidente
se tornou ainda mais proeminente e a Constituição de 1988 reafirmou e
aprofundou o padrão de concentração de competências no Executivo Federal.
Diante desse quadro, pode-se dizer que no Brasil se configura a
chamada democracia delegativa, instituto criado por Guillermo O’donell e que
explica de forma muito clara as democracias consolidadas no final do século
XX e começo do século XXI na América Latina.
Tendo em vista esse cenário, surgiu a ideia de relacionar a democracia
delegativa com o Estado de Direito no Brasil. O enfoque neste País se justifica
por ser nele evidente a existência de democracia delegativa, haja vista a
redemocratização recente apenas trinta anos atrás e o modelo de hipertrofia
do Poder Executivo acima referido. Já a opção por cotejar os dois temas
resultou da reflexão a respeito do próprio conceito de Estado de Direito.
Se o Estado de Direito pressupõe a limitação do Estado, impedindo
arbitrariedades, supressão de direitos e discricionariedade exacerbada, como
será demonstrado, como é possível conciliá-lo com a democracia delegativa,
onde justamente há a proeminência da figura do Presidente com poderes
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ilimitados, sobrepondo-se aos demais atores e instituições políticas? Esse é o
questionamento que direciona o presente artigo e que se pretende responder.
O ponto principal a ser estudado é, então, se ou não Estado de
Direito no Brasil, a partir da análise dos conceitos de Estado de Direito e de
democracia delegativa, tendo como pano de fundo o histórico brasileiro de
hipertrofia do Poder Executivo e de hiperpresidencialismo. A hipótese prévia
que se pretende falsear é justamente de que a consolidação de uma democracia
delegativa impede que haja Estado de Direito em sua plenitude.
Para tanto, será adotada vertente de pesquisa jurídico-normativa, por
meio de fonte de pesquisa documental e bibliográfica. O referencial teórico
adotado é formado pelos autores Guillermo O’Donell e Brian Tamanaha, em
conjunto com outros autores de relevância para o tema. O método de pesquisa
empregado é o raciocínio lógico-dedutivo, pautado no racionalismo kantiano.
1. Estado de Direito
Muito se discute na doutrina sobre a conceituação do que seria o
chamado Estado de Direito. Há autores que entendem que Estado de Direito e
Rule of Law são conceitos cujo significado é o mesmo. Todavia, o uso
indiscriminado das duas concepções como sinônimas é perigoso, dada suas
origens distintas.
Danilo Zolo1 alerta que as duas fórmulas remetem a tradições políticas
e jurídicas distintas. Apenas para fins elucidativos, vale destacar que as quatro
principais experiências em relação ao Estado de Direito ou Rule of Law são:
(i) o Rechsstaat alemão, pautado na soberania do Poder Legislativo, ao qual é
delegada a função de tutelar direitos subjetivos, e na Constituição escrita,
flexível e sem jurisdição constitucional; (ii) o Rule of Law inglês, em que a
soberania também é do Parlamento, mas este a exerce quase que
exclusivamente em relação ao Poder Executivo, sem Constituição escrita, e
com o Poder Judiciário como instância responsável pela tutela de direitos
subjetivos; (iii) o Rule of Law norte-americano, em que a soberania estatal é
praticamente substituída pela soberania da Constituição escrita, rígida, que
limita todos os poderes, inclusive o Legislativo, e onde o Poder Judiciário
assume papel de protagonista na interpretação constitucional; (iv) o état de
1 ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo. O Estado
de Direito: história, teoria e crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 26.

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