Desafios e possibilidades para a inclusão da pessoa com deficiência na empresa: o compliance como instrumento de inclusão

AutorRaquel Bellini de Oliveira Salles e Arthur Rodrigues da Silva
Páginas205-224
DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A INCLUSÃO
DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA EMPRESA:
O COMPLIANCE COMO INSTRUMENTO
DE INCLUSÃO
Raquel Bellini de Oliveira Salles
Doutora e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Especialista em Direito Civil pela Università di Camerino – Itália. Coordenadora do
projeto de extensão “Núcleo de Direitos das Pessoas com Deciência” desenvolvido
no âmbito da UFJF. Professora-Associada da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Arthur Rodrigues da Silva
Graduado em Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Atuou como aluno
extensionista no “Núcleo de Direitos das Pessoas com Deciência”, da Faculdade de
Direito da UFJF, de 2017 a 2019.
Sumário: 1. Introdução – 2. A pessoa com deciência como empregada e a lei de cotas – 3. A pessoa
com deciência como empresária – 4. Inclusão, inovação e desenvolvimento econômico-social –
5. Instrumentos para a efetivação da inclusão da pessoa com deciência na empresa e o papel do
compliance – 6. Considerações nais – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A inclusão da pessoa com deficiência, especificamente no ambiente da empresa,
é um assunto que já vem recebendo enfoque jurídico há um bom tempo no Brasil,
sendo que a principal legislação reconhecida neste assunto é da década de 90. Tra-
ta-se da Lei 8.213 de julho de 1991 (também conhecida como “Lei de Cotas”), uma
das principais formas de ingresso das pessoas com deficiência nas empresas1, que
estabelece regras claras sobre o dever legal do empresário de contratar uma porcenta-
gem mínima de pessoas com deficiência a depender da quantidade de empregados.2
1. LIMA, A. S. de et al. Lei de Cotas e a (in)acessibilidade de pessoas com deficiência severa ao mercado de
trabalho formal. In: FIUZA, César (Org.). Temas relevantes sobre o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Sal-
vador: Editora JusPodivm, 2018, p. 276-277.
2. Conforme se observa na referida norma, cresce o percentual à medida que aumenta o número de empre-
gados: Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por
cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de
deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I) até 200 empregados...2%; II) de 201 a 500...3%; III) de
501 a 1.000...4%; IV) de 1.001 em diante...5%.
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RAQUEL BELLINI DE OLIVEIRA SALLES E ARTHUR RODRIGUES DA SILVA
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A progressiva atenção e tutela jurídica dada à inclusão deste grupo se intensifi-
cou no século XXI, tendo como seu ápice a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146 de
julho de 2015), que trouxe uma série de garantias e proteções jurídicas às pessoas
com deficiência em todas as esferas da vida, inclusive no que concerne ao direito ao
trabalho, o que, por sua vez, relaciona-se diretamente à temática que se pretende
abordar neste artigo. Referida lei teve sua promulgação motivada pela Convenção
das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi um marco
jurídico para a garantia dos direitos humanos de tais pessoas no mundo todo.3 Tal
documento inovou ao instituir o modelo social da deficiência, segundo o qual é
necessário, na observação da deficiência, que se associem impedimentos pessoais,
de natureza mental, intelectual, física ou sensorial, aos obstáculos impostos ou pro-
vocados pela sociedade, sendo o rompimento destas barreiras imprescindível para
o fim da exclusão e discriminação social das pessoas com deficiência.4
O novo paradigma busca entender a deficiência como resultado de uma interação
entre os impedimentos pessoais, afetos a estruturas ou funções do corpo, e as barreiras
presentes na sociedade, as quais impedem o exercício dos direitos pela pessoa com
deficiência em condições de igualdade com as demais. É possível, assim, notar uma
transposição de uma análise, antes restrita ao indivíduo, para uma nova concepção
que considera a responsabilidade e o papel ímpar da sociedade no enfrentamento
das deficiências.5
A perspectiva em voga é resultado da superação dos modelos da prescindência e
médico ou de reabilitação. O primeiro vigorou majoritariamente durante a antiguida-
de e foi marcado pela exclusão da pessoa com deficiência. Tal modelo era carregado
de um viés religioso, segundo o qual, à época, as pessoas com deficiência, além de
serem consideradas inúteis para fins produtivos, comumente eram associadas a in-
tervenções “diabólicas” e malignas das quais era necessário se livrar.6 Por outro lado,
o modelo médico, fruto da modernidade e dos avanços das pesquisas científicas, foi
marcado pela compreensão da deficiência como produto de causas físicas e biológi-
cas, sendo, desta forma, passível de reversão e reabilitação. Este modelo repousou
em uma perspectiva estritamente individual e, segundo tal paradigma, a deficiência
era vista como um “problema” do indivíduo que a possui7, passível de tratamento e
de cura. Entende-se atualmente superadas ambas as perspectivas justamente porque
a deficiência deve ser compreendida e acolhida como manifestação da diversidade
humana, sendo que seu enfrentamento deve ocorrer por meio da promoção da in-
clusão, proativamente pela sociedade.
3. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi assinada em 2007, na cidade
de Nova Iorque, com protocolo facultativo, e promulgada, no Brasil, em agosto de 2009, através do Decreto
6.949/09, sendo recepcionada no ordenamento jurídico interno com status de emenda constitucional, nos
termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal.
4. MADRUGA, S. Pessoas com Deficiência e Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 196-197.
5. MADRUGA, S., op. cit., p. 196-197.
6. MADRUGA, S., op. cit., p. 34-35.
7. MADRUGA, S., op. cit., p. 35.
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