A exigência de programas de compliance e integridade nas contratações públicas

AutorRafael Carvalho Rezende Oliveira e Jéssica Acocella
Páginas187-203
A EXIGÊNCIA DE PROGRAMAS DE COMPLIANCE E
INTEGRIDADE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
Rafael Carvalho Rezende Oliveira
Pós-doutor pela Fordham University School of Law (New York). Doutor em Direito pela
UVA/RJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ. Especialista
em Direito do Estado pela UERJ. Professor Titular de Direito Administrativo do IBMEC.
Professor do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito - Mestrado e Dou-
torado do PPGD/UVA. Professor de Direito Administrativo da EMERJ. Professor dos
cursos de Pós-Graduação da FGV e Cândido Mendes. Membro do Instituto de Direito
Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDAERJ). Presidente do Conselho editorial
interno da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR). Membro da
lista de árbitros do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Procurador do
Município do Rio de Janeiro. Advogado, árbitro e consultor jurídico. Sócio fundador
do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados. E-mail: contato@roaa.adv.br.
Jéssica Acocella
Mestre em Direito pela UERJ. Advogada do BNDES. E-mail: jessacocella@yahoo.com.br.
Sumário: 1. Introdução – 2. A utilização da licitação como instrumento de indução – 3. O pioneirismo
dos estados-membros na exigência de programas de integridade para as empresas contratadas pela
administração pública; 3.1 Compliance e integridade no ordenamento jurídico brasileiro; 3.2 A
Lei 7.753/2017, do Estado do Rio de Janeiro (“ERJ”), e a Lei 6.112/2018, do Distrito Federal (“DF”),
alterada pela Lei 6.308/2019; 3.3 As demais Leis estaduais; 3.4 Compliance na Lei 14.133/2021
(nova Lei de Licitações) – 4. O difícil balanceamento entre o papel regulatório e de incentivo das
licitações públicas e a desejável obtenção da proposta economicamente mais vantajosa pela ad-
ministração – 5. Conclusão – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A ingerência estatal sobre a atuação dos agentes econômicos privados é, tradi-
cionalmente, justificada pelas ideias de poder de polícia, de império e da primazia,
a priori, dos interesses da coletividade sobre os direitos meramente individuais,
em benefício “dos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral,
saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural, propriedade”1.
Entretanto, essas concepções clássicas que, durante muito tempo, justificaram
as mais variadas e drásticas ingerências estatais sobre o particular vêm sendo paula-
tinamente superadas e substituídas por outras modernas noções voltadas à solida-
riedade, à cooperação e a uma relação menos verticalizada entre Estado e sociedade.
Nesse sentido, apesar de a intervenção pública – notadamente por meio do
sistema normativo – invocar até hoje um papel crucial no desempenho de ativi-
1. DI PIETRO, 2008, p. 108.
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dades privadas e econômicas, em razão, por exemplo, da demanda por bem-es-
tar social e por políticas distributivas2, as transformações no modelo de Estado
passaram a demandar um novo fundamento de legitimidade que possa embasar
a previsão sobre onde, quando e em que intensidade a interferência estatal vai
(e poderá) ocorrer.
Assim, se, de um lado, mudanças estruturais significativas no modo de gover-
nança coincidiram com a limitação do papel do Estado intervencionista, de outro, as
mesmas transformações resultaram no aumento do poder normativo e, com isso, na
ascensão de um novo modelo de Estado regulador, que veio a demandar a adaptação
de estruturas tradicionais a novas estratégias regulatórias.
No entanto, tem-se observado, com certa frequência, uma distorção do
processo de implementação da regulação, que demonstra ser (total ou parcial-
mente) incompatível com os defeitos e falhas de mercado que se quer, por meio
das medidas implementadas, sanar. E isso acaba por resultar, sobretudo pela au-
sência de racionalidade da política regulatória, na impossibilidade de alcance dos
objetivos a princípio pretendidos e, consequentemente, na crise de legitimidade
dos programas regulatórios e da confiança sobre eles depositados pelos agentes
privados afetados.
Há, com isso, a necessidade de definir de que forma cada setor e atividade
econômica são mais eficientemente regulados – isto é, em qual extensão e com qual
intensidade.3 Observa-se que, em determinadas atividades, o modelo de regulação
que, em vez de impor determinados padrões, procura induzir o comportamento dos
agentes envolvidos em direção a práticas socialmente desejáveis, lançando mão de
mecanismos de coordenação estratégica de interesses, pode mostrar-se mais adequado
para o alcance dos objetivos formulados. Em resumo, um modelo de indução, em
substituição a um modelo rígido e coercitivo, ao incentivar o estabelecimento de um
sistema de cooperação voluntária, pode melhor atender aos objetivos de eficiência,
racionalidade e legitimidade da atividade estatal.
E, justamente nesse cenário de ascensão de um novo modelo regulatório e de
incentivo, insere-se a utilização da licitação como instrumento de indução a práti-
cas e resultados social e economicamente desejáveis. Isso porque, em vez do mero
arranjo convencional marcado pela imposição de deveres e obrigações aos agentes
que interagem com a Administração Pública, a licitação vem sendo progressivamente
incluída em um sistema mais complexo de coordenação entre interesses privados e
metas coletivas mais amplas.
2. SUNSTEIN, 1990, p. 408.
3. Nessa linha, vale destacar a relevante observação feita por Reich (1985, p. 21): “o que pode estar correto para
um tipo de regulação pode não estar correto para outro tipo”. Isso porque, segundo ele, a análise econômica
da regulação deve ser “cuidadosamente feita na avaliação de mercados específicos, das falhas de mercado
originais que levaram à ação regulatória e das disfunções adicionais que a própria regulação gerou”.
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