Direito das coisas

AutorWander Garcia/Gabriela Rodrigues
Páginas243-296
Capítulo 6
DIREITO DAS COISAS
6.1. INTRODUÇÃO
Para formar uma relação jurídica são necessários três elementos: a) sujeitos de direito,
b) bens e um c) fato que faça nascer a relação. Para visualizarmos esses três elementos, va-
mos imaginar um contrato de compra e venda, que é uma das principais relações jurídicas
de que trata o Direito. Esse contrato requer a existência de um vendedor e de um com-
prador (sujeito de direito), de uma coisa de expressão econômica (bem) e de um acordo de
vontade sobre o preço da coisa (fato que faz nascer a relação jurídica).
A Parte Geral do Direito Civil trata da capacidade dos sujeitos de direito. Cuida ainda
das classificações e do regime jurídico básico dos bens. E também cuida de trazer regula-
mentação básica acerca dos fatos e negócios jurídicos.
O Direito das Obrigações e o Direito Contratual focam na relação jurídica obriga-
cional formada. Tratam principalmente dos direitos e deveres das pessoas que entabulam
negócios jurídicos. Repare que o objetivo maior aqui é regulamentar direitos pessoais, ou
seja, direitos e deveres entre pessoas determinadas, em que uma pode exigir uma prestação
da outra.
Já o Direito das Coisas tem como objetivo maior regulamentar relações jurídicas em
que o elemento marcante é uma coisa corpórea (a posse, por exemplo), bem como relações
que estabeleçam direito reais, que são direitos que estabelecem um poder jurídico, direto e
imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos.
Em suma, no Direito das Coisas estuda-se a posse (de bens móveis ou imóveis) e os
direitos reais, ou seja, aqueles direitos que se têm sobre uma coisa, com exclusividade e
contra todos (propriedade, superfície, servidão, usufruto, uso, habitação, penhor, hipoteca
e anticrese).
Nossa primeira tarefa será tratar da posse para em seguida tratar dos direitos reais
sobre coisas móveis e imóveis.
6.2. POSSE
6.2.1. Conceito de posse
É o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.196 do
CC). É a exteriorização da propriedade, ou seja, a visibilidade da propriedade. Os poderes
inerentes à propriedade são usar, gozar e dispor da coisa, bem como reavê-la (art. 1.228).
Assim, se alguém estiver, por exemplo, usando uma coisa, como o locatário e o comodatá-
rio, pode-se dizer que está exercendo posse sobre o bem.
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6.2.2. Teoria adotada
Há duas teorias sobre a posse. A primeira é a Teoria Objetiva (de Ihering), para a
qual a posse se configura como a mera conduta de dono, pouco importando a apreensão
física da coisa e a vontade de ser dono dela. Já a segunda, a Teoria Subjetiva (de Savigny),
entende que a posse só se configura se houver a apreensão física da coisa (corpus), mais
a vontade de tê-la como própria (animus domini). Nosso CC adotou a Teoria Objetiva de
Ihering, pois não trouxe como requisito para a configuração da posse a apreensão física da
coisa ou a vontade de ser dono dela, mas apenas que se tenha uma conduta de proprietário.
Assim, uma pessoa que paga os impostos de um sítio e coloca um caseiro para cuidar da
área, mesmo não tendo apreensão física sobre a coisa por inteiro e que não tenha em sua
cabeça um ânimo de dono, exerce posse, pois sua conduta revela uma conduta de proprie-
tário, ou seja, uma exteriorização da propriedade.
6.2.3. Detenção
É aquela situação em que alguém conserva a posse em nome de outro e em cumprimen-
to às suas ordens e instruções. É muito importante entender o instituto da detenção, pois
ele traz exceções ao conceito de posse. Um exemplo típico é o do caseiro. Quem olhasse
de longe poderia chegar à conclusão de que um caseiro exerce posse sobre um imóvel de
que cuida. Em geral, caseiros usam e cuidam da coisa, exteriorizando um dos poderes da
propriedade. Todavia, o próprio art. 1.198 do CC exclui do conceito de posse a situação
em que se encontra um detentor. Assim, o caseiro em relação a imóvel de que cuida e o
funcionário público em relação aos móveis da repartição têm mera detenção sobre a coisa,
não recebendo os direitos típicos daquele que exerce posse.
6.2.4. Classificação da posse
6.2.4.1. Posse direta e indireta
Quanto ao campo de seu exercício (art. 1.197 do CC).
a) posse indireta: é aquela exercida por quem cedeu, temporariamente, o uso ou o gozo
da coisa a outra pessoa. São exemplos as exercidas pelo locador, nu-proprietário, comodan-
te e depositante. O possuidor indireto ou mediato pode se valer da proteção possessória.
b) posse direta: é aquela exercida por quem recebeu o bem, temporariamente, para
usá-lo ou gozá-lo, em virtude de direito pessoal ou real. Vale lembrar que o possuidor direto
ou imediato também pode se valer de proteção possessória, inclusive contra o proprietário
da coisa que exerça a posse indireta e que perturbe a sua posse.
6.2.4.2. Posse individual e composse
Quanto à simultaneidade de seu exercício (art. 1.199 do CC).
a) posse individual: é aquela exercida por apenas uma pessoa.
b) composse: é a posse exercida por duas ou mais pessoas sobre coisa indivisa. São
exemplos a posse dos cônjuges sobre o patrimônio comum e dos herdeiros antes da parti-
lha. Na composse pro diviso há uma divisão de fato da coisa.
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Capítulo 6 • Direito das Coisas 245
6.2.4.3. Posse justa e injusta
Quanto à existência de vícios objetivos (art. 1.200 do CC).
a) posse justa: é aquela que não for violenta, clandestina ou precária. Assim, é justa a
posse não adquirida pela força física ou moral (não violenta), não estabelecida às ocultas
(não clandestina) e não originada do abuso de confiança por parte de quem recebe a coisa
com o dever de restituí-la (não precária). Perceba que os vícios equivalem, no Direito Pe-
nal, aos crimes de roubo, furto e apropriação indébita.
b) posse injusta: é aquela originada do esbulho. Em caso de violência ou clandesti-
nidade, a posse só passa a existir após a cessação da violência ou da clandestinidade (art.
1.208 do CC). Já em caso de precariedade (ex.: um comodatário passa a se comportar
como dono da coisa), a posse deixa de ser justa e passa a ser injusta diretamente. É impor-
tante ressaltar que, cessada a violência ou a clandestinidade, a posse passa a existir, mas o
vício que a inquina faz com que o Direito a considere injusta. E, mesmo depois de um ano
e dia, a posse continua injusta, só deixando de ter essa característica se houver aquisição da
coisa, o que pode acontecer pela usucapião, por exemplo. A qualificação de posse injusta é
relativa, valendo apenas em relação ao anterior possuidor da coisa. Em relação a todas as
outras pessoas, o possuidor injusto pode defender a sua posse.
6.2.4.4. Posse de boa-fé e de má-fé
Quanto à existência de vício subjetivo (art. 1.201 do CC).
a) posse de boa-fé: é aquela em que o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que im-
pede a aquisição da coisa. É de boa-fé a posse daquele que crê que a adquiriu de quem le-
gitimamente a possuía. Presume-se de boa-fé o possuidor com justo título, ou seja, aquele
título que seria hábil para transferir o direito à posse, caso proviesse do verdadeiro possuidor
ou proprietário da coisa.
b) posse de má-fé: é aquela em que o possuidor tem ciência do vício ou do obstáculo
que impede a aquisição da coisa. A posse de boa-fé pode se transmudar em posse de má-fé
em caso de ciência posterior do vício. A citação para a demanda que visa à retomada da
coisa tem o condão de alterar o caráter da posse.
Obs.: saber se a posse de alguém é de boa-fé ou de má-fé interfere no direito à inde-
nização pelas benfeitorias feitas, no direito de retenção, no direito aos frutos, no prazo de
prescrição aquisitiva (usucapião), na responsabilidade por deterioração da coisa etc.
6.2.4.5. Posse nova e velha
Quanto ao tempo da posse.
a) posse nova: é aquela de menos de ano e dia.
b) posse velha: é aquela de mais de ano e dia. Essa classificação, prevista no CC ante-
rior, não tem correspondente no atual CC.
Não se deve confundir esse conceito com os de ação de força nova (que é a ação posses-
sória promovida dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho) e ação de força velha (que é a
ação possessória promovida após ano e dia do esbulho). Esses conceitos decorrem do art. 558
do NCPC, que estabelece que na ação de força velha o autor da demanda não poderá se valer
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