O direito do consumidor à segurança alimentar e a responsabilidade civil pelo 'dano moral coletivo'

AutorCaroline Vaz
Páginas221-248
O DIREITO DO CONSUMIDOR À SEGURANÇA
ALIMENTAR E A RESPONSABILIDADE CIVIL
PELO “DANO MORAL COLETIVO”
Caroline Vaz
Doutora em Direito pela Universidade de Zaragoza, Espanha. Mestre e Especialista em
Direito pela PUC-RS. Professora de Direito Civil na PUC/RS, dos Cursos Preparatórios da
FMP (Fundação Escola Superior do Ministério Público) e Professora Convidada do Curso
de pós-graduação em Direito do Consumidor da UFRGS. Coordenadora do Centro de
Apoio do Consumidor e da Ordem Econômica- CAOCON. Promotora de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul. Autora de livros e artigos publicados em revistas jurídicas.
Sumário: 1. Aspectos introdutórios ao tema – 2. A responsabilidade civil nas relações de
consumo: 2.1 O risco como fator de incidência da responsabilidade civil nas relações de
consumo; 2.2 A inuência do risco para a responsabilidade civil nas relações de consumo –
3. A tutela dos interesses transindividuais dos consumidores e o “dano moral coletivo”: 3.1
Da caracterização dos interesses ou direitos coletivos lato sensu; 3.2 Os danos aos interesses
transindividuais e a sua indenização/compensação; 3.3 Características básicas e casos de
admissibilidade dos danos morais coletivos – 4. Critérios existentes para xação de um valor
a título de indenização por dano moral coletivo: 4.1 Reexões doutrinárias e jurisprudenciais
acerca da xação do quantum a título de dano moral coletivo; 4.2 Dano moral coletivo e a
função punitiva da responsabilidade civil em relação à segurança alimentar do consumidor
– 5. Considerações nais – 6. Referências.
1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO TEMA
As novas perspectivas da responsabilidade civil quanto às funções que vêm
sendo reconhecidas pela jurisprudência brasileira alargam o espectro de reparação
de danos ou de compensação destes não somente no âmbito de interesse individual
dos consumidores, mas também de forma coletiva. Tal mudança de paradigma e
o reconhecimento de que existem danos presumidos e danos iminentes, levam à
necessidade da adoção de medidas antecipatórias e, portanto, preventivas. Ainda,
danos que afrontem valores relevantes de uma determinada comunidade, gerando
indignação, repulsa etc., caracterizam-se como danos extrapatrimoniais e como tais
devem ser considerados juridicamente.
Assim, à responsabilidade civil de um modo geral, e mais especif‌icamente dos
fornecedores, para além das especif‌icidades do Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078/1990) e da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), incumbe a pacif‌icação
social por meio da tutela coletiva dos chamados interesses transindividuais, os quais
se estabelecem entre os interesses públicos e privados, e são compartilhados por
grupos, classes ou categorias de pessoas, os quais excedem ao âmbito estritamente
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individual, mas não chegam propriamente a constituir interesse público, como
adverte Mazzilli.1
O enfrentamento do tema não tem sido fácil pela doutrina e menos ainda pela
jurisprudência, pois a caracterização desses danos transindividuais e principalmente
de um “dano moral coletivo” dos consumidores, conforme vem sendo denominado,
é algo complexo e sem paradigmas no sistema jurídico brasileiro. Contudo, não se
pode olvidar que à luz do Direito Civil-Constitucional, sendo a defesa dos consumi-
dores um direito fundamental positivado tanto no catálogo dos direitos e garantias
fundamentais, art. 5º, XXXII, como no título referente à ordem econômica, art.
170, V, da Constituição Federal vigente, ao Estado incumbe dar a máxima ef‌icácia
possível a estes, na forma que a lei federal dispõe, qual seja, o Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078/1990), no art. 81.
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Dentre os pressupostos da responsabilidade civil de um modo geral, a conduta,
o dano, o nexo de causalidade e o fator de incidência (culpa ou risco), o dano merece
especial atenção. Isso porque não se pode falar em responsabilizar alguém civilmente
se não existiu um dano a ser reparado ou, caso ele seja potencial, um dano a ser evitado.
Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor, em diversas passagens, traz
de forma clara a adoção do princípio da prevenção,2 quando também deveria fazê-lo
quanto ao da precaução.3
2.1. O risco como fator de incidência da responsabilidade civil nas relações de
consumo
Utilizando-se a diferenciação entre risco e perigo, parte dos estudiosos sobre o
tema entende que há distinção entre os princípios da precaução e prevenção, a qual
passa pela distinção entre risco (que corresponde à precaução) e perigo (que corres-
ponde à prevenção). O risco pode ser entendido como possibilidade de ocorrer uma
situação de perigo. Este, por sua vez, consiste na possibilidade de ocorrer um dano.
O Professor José Rubens Morato Leite assevera que
1. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 50.
2. Cap. III e IV da Lei 8.078/1990.
3. Segundo Ayala e Leite, “o princípio da prevenção é invocado para proibir a repetição da atividade que já se
sabe perigosa, uma vez que há informações certas e precisas sobre a periculosidade e o risco fornecido pela
atividade ou comportamento, que, assim, revela situação de maior verossimilhança do potencial lesivo que
aquela controlada pelo princípio da precaução. Este, por sua vez, aplica-se nas situações onde haja risco
de perigo potencial, isto é, há evidências verossímeis que levam a considerar que determinada atividade
seja perigosa, não sendo possível qualif‌icar nem quantif‌icar integralmente o risco e seus efeitos devido à
insuf‌iciência ou caráter inconclusivo dos dados científ‌icos disponíveis na avaliação dos riscos” (LEITE, José
Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002. p. 57).
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