A quantificação do dano moral coletivo

AutorPedro Rubim Borges Fortes e Pedro Farias Oliveira
Páginas335-360
A QUANTIFICAÇÃO
DO DANO MORAL COLETIVO
Pedro Rubim Borges Fortes
Professor da FGV Direito Rio, Pesquisador Associado do Centre for Socio-Legal Studies
da Universidade de Oxford e Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro. D.Phil. (Oxford), J.S.M. (Stanford), LL.M. (Harvard), M.B.E. (Coppe/
UFRJ), Bacharel em Administração de Empresas (PUC-Rio) e Bacharel em Direito (UFRJ).
Pedro Farias Oliveira
Assessor Jurídico no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Mestre e Bacharel
em Direito (UERJ).
Sumário: 1. Introdução – 2. O dano moral coletivo: 2.1 A função punitiva da condenação; 2.2
A função dissuasória da condenação – 3. Os critérios quanticadores na doutrina brasileira – 4.
Estudos de casos: novas tendências na prática judiciária: 4.1 Arbitramento de valor mínimo;
4.2 Aplicação da técnica da desnatação pela exclusão do lucro ilegítimo (skimming off); 4.3
Análise com base no montante de investimento ilícito no prejuízo coletivo; 4.4 Estimativa
feita a partir do montante global da indenização por dano material – 5. Método Bifásico – 6.
O combate à ilicitude lucrativa – 7. Conclusão – 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O dano moral coletivo é tema largamente explorado pela doutrina brasileira. A
produção relativa a esse tema, contudo, concentra-se majoritariamente em esmiuçar
alguns pontos, como a sua natureza, sua aceitação pelo ordenamento brasileiro e sua
aplicação jurisprudencial. Nesse contexto, um aspecto é muitas vezes deixado de
lado: a quantif‌icação dos danos, para f‌ins de cálculo da condenação. Tal aspecto é de
suma importância, pois além de def‌inir o impacto do instituto no momento de sua
aplicação, também acaba por determinar sua relevância para os f‌ins a que se propõe,
seja de efetivamente reparar algum dano extrapatrimonial, seja de punir ou dissuadir
os infratores dos direitos transindividuais correspondentes.
Diante desse quadro, o presente trabalho se propõe a analisar como é feito
o cálculo das condenações por danos morais coletivos pela jurisprudência e pela
doutrina brasileiras, o que remete a duas questões: quais são os critérios utilizados e
como a quantif‌icação se dá na prática judicial. Desses questionamentos depreende-se
a estrutura deste artigo. No primeiro tópico, conceituar-se-á o dano moral coletivo
e estabelecer-se-ão as bases da discussão central do problema. Em um segundo mo-
mento, serão analisados os critérios identif‌icados na doutrina e, no terceiro item,
serão apresentados métodos diferentes de cálculo identif‌icados na experiência con-
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temporânea através de estudos de caso mapeados no universo de ações civis públi-
cas recentes. No quarto item, será discutido o método bifásico para a quantif‌icação
do dano moral coletivo, conforme seu desenvolvimento na experiência do direito
brasileiro e comparado. O quinto item discutirá a importância do cálculo do dano
moral coletivo como forma de combate ao fenômeno da ilicitude lucrativa. O sexto
item apresentará as considerações f‌inais.
2. O DANO MORAL COLETIVO
O dano moral coletivo consiste no valor indenizatório atribuído a uma trans-
gressão coletiva com a f‌inalidade de atendimento integral da função reparatória,
punitiva e preventiva da responsabilidade civil coletiva. Trata-se, logo, de um instituto
desenvolvido de maneira a que a reparação pelo ilícito coletivo transcenda o valor da
indenização paga a título de dano material. Leonardo Roscoe Bessa (2007, p. 267-268)
critica a nomenclatura “dano moral coletivo”, sustentando, com amparo na doutrina
especializada, que melhor seria falar em dano extrapatrimonial coletivo, visto que não
há semelhanças com o dano moral individual. O artigo 1º, caput, da Lei 7.347/1985,
teria sido atécnico ao caracterizar o dano extrapatrimonial coletivo como um dano
moral, pois a conf‌iguração do dano moral coletivo independe do sofrimento da co-
letividade ou ofensa a qualquer “sentimento coletivo”, possuindo precipuamente
uma função punitiva e dissuasória em face de ofensa a direitos difusos e coletivos.
A experiência contemporânea da tutela coletiva de direitos revela que a ausência
de condenação por dano moral coletivo esvazia o seu efeito dissuasório, de maneira
a conf‌igurar o fenômeno da ilicitude lucrativa, ou seja, os transgressores coletivos
possuem incentivos monetários e são encorajados economicamente a violar o direito
(FORTES, 2016, p. 173). Parcela da doutrina tem adotado uma postura dogmática
tradicional com apego à ideia de que o direito civil não poderia ser uma disciplina
jurídica com caráter sancionatório (ZAVASCKI, 2009, p. 40-43), mas tal perspectiva
parece não apenas conceitualmente equivocada, mas também socialmente inade-
quada. A tese de que a sociedade não sofre (ZAVASCKI, 2009, p. 40-43) contraria
a experiência cotidiana da tutela coletiva dos direitos, eis que a análise empírica de
centenas de ações civis públicas evidencia que a ausência de sanções monetárias
adequadas induz reiterações de transgressões coletivas e, consequentemente, novos
episódios de sofrimento coletivo de consumidores, cidadãos e contribuintes (FOR-
TES, 2016, p. 173-176).
A condenação ao dano moral coletivo pretende, assim, não apenas reparar in-
divíduos lesados, mas tutelar os interesses coletivos da sociedade em sentido mais
amplo. Não é possível preservar efetivamente direitos transindividuais (difusos,
coletivos, individuais homogêneos ou adesivos) sem que seja imposta a condenação
ao pagamento do dano moral coletivo. É importante deixar claro, desde logo, que
não existe uma fórmula matemática exata e precisa, nem um esquema tarifado para
se chegar ao valor. Por outro lado, a experiência do direito comparado desenvolveu
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