Fixação de dano moral coletivo na sentença condenatória penal em casos de corrupção

AutorLeonardo Augusto de Andrade Cezar dos Santos
Ocupação do AutorPromotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Espírito Santo
Páginas219-252
Combate à Corrupção na Visão do Ministério Público 219
X. Fixação de dano moral coletivo
na sentença condenatória penal em
casos de corrupção
Leonardo Augusto de Andrade Cezar dos Santos166
SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Corrupção: de nições e sua delimitação nas
normas brasileiras. 3. Efeitos da corrupção. 4. A violência da corrupção.
5. Corrupção e dano moral coletivo. 6. Fixação de dano moral coletivo na
sentença penal. 7. Conclusão. 8. Referências
1 Introdução:
Desde a antiguidade, atos de reciprocidade existiam. Esses atos
de reciprocidade eram como cimento nas relações sociais, fazendo
com que os laços políticos fossem atados, fortalecidos ou enfraquecidos,
de acordo com os ritos sociais da época.
Pode-se ter, como exemplo, uma história da Mesopotâmia, escrita
aproximadamente no ano 1.500 a.C. com o título “O pobre homem de
Nippur”. Nela, um homem chamado Gimil Ninurta, muito ambicioso,
queria ter ascensão social. Tudo que ele tinha era uma cabra. Com isso,
ele foi até o prefeito de sua cidade e lhe ofereceu o animal. O prefeito
não era muito afeto à reciprocidade. Então, em um banquete dado por
ele, o prefeito convida Gimil Ninurta e lhe oferece apenas cerveja velha
e os ossos do animal que lhe foi oferecido pelo próprio Gimil Ninurta.
A medida que a narrativa se desenvolve, Gimil Ninurta enriquece e retorna
disfarçado como um emissário real, engana o prefeito e o pune.167
166 Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Espírito Santo. Mestre em Corrup-
ção e Estado de Direito e Doutorando em Estado de Direito e Governança Global pela Uni-
versidade de Salamanca/Espanha. Membro da Associação Internacional de Promotores de
Justiça (International Association of Prosecutors) e do Grupo Nacional do Ministério Público.
167 JASON, Heda. The Poor Man of Nippur: an ethnopoetic analysis. Journal of Cuneiform
Studies, v. 31, n. 4, p. 189-215, 1979.
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Fica claro que o ato de tentar inuenciar as decisões da auto-
ridade com ofertas não continha nenhum mal. O mal era a falta de
reciprocidade do agente público, por isso ela foi punida. O mal foi a
autoridade ter um comportamento grosseiro e não corresponder ao
presente dado por Gimil Ninurta.
Como bem observa NOONAN a estrutura moral da época tem
sua origem nas normas de reciprocidade e estas normas são utilizadas
como motivo da punição. Gimil Ninurta agiu de acordo com os princípios
da reciprocidade e da justiça distributiva. A reciprocidade era a norma.168
No entanto, com a evolução das estruturas de estado e a mudança
nas normas que regem o tema, alguns atos de reciprocidade passaram a
ser severamente censurados pela sociedade. Com a criação e o amadu-
recimento do Estado Democrático de Direito esta censura endureceu
ainda mais. Assim, alguns atos, que antes não tinha importância passa-
ram a ter controle social, como ocorre com o conito de interesse.
Ademais, passou-se de um tempo em que os atos de reciproci-
dades entre autoridade e administrado eram encarados como cimento
das relações sociais para um tempo em que tal reciprocidade, a depen-
der do seu teor, se torna crime. Igualmente, chegou-se ao consenso
que a corrupção não mais é um problema restrito a uma determinada
localidade.
A interligação entre os países, por força do fenômeno da globali-
zação, e a preocupação maior com a qualidade da democracia fez com
que essa preocupação com atos de corrupção chegasse a alcançar níveis
internacionais. Com a diminuição das distâncias, fruto do avanço da
tecnologia, o efeito das condutas corruptas ganhou dimensão mundial
e isso não passou despercebido para a comunidade internacional.
Esse fato forçou estabelecimento de normas internacionais sobre
o tema, culminando com a Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção, conhecida como Convenção de Mérida (2003), raticada
pelo Brasil por intermédio do Decreto de nº 5.687, de 31 de janeiro
de 2006.169
168 NOONAN, John Thomas. Bribes. Univ of California Press, 1987.
169 BRASIL. Decreto no 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Diário Ocial da União. Brasília,
2006. Disponívelem:.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/De-
creto/D5687.htm>. Acesso em: 02 jun. de 2017.
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Como já dito, houve uma mudança das estruturas do Estado. Este
saiu de um modelo de Estado absolutista, passando pelo Estado Liberal
e nalizando com o atual Estado Democrático e Social de Direito, tam-
bém modicou algumas bases conceituais do Direito, bem como das
relações econômicas e a corrupção teve inuência e inuenciou todas
essas áreas.
No mundo atual, a lesividade dos atos de corrupção se espalha
por vários campos. Na esfera política, ela corrói as instituições demo-
cráticas, com a perda de conança do cidadão no Estado; na esfera dos
direitos fundamentais, ela lesiona um dos principais deles e, talvez, base
de todos os outros, o direito à igualdade, pois exclui o acesso igualitário
aos serviços públicos; e, por m, na esfera econômica, a corrupção
impede a concorrência e impede a eciência no uso dos recursos
públicos.170
Todas essas lesões são sofridas por toda sociedade. Lesionando
toda a sociedade, é imperioso pensar no ressarcimento por essa lesão.
O art. 5º, inciso V da Constituição Federal prescreve que: “(...) é asse-
gurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem;”.171
Esta indenização não ca apenas adstrita ao direito individual, visto
que o texto constitucional não fez a limitação. Então, onde a lei não
distinguiu, não cabe ao intérprete o fazer.
O dano moral coletivo já está consolidado em nossa doutrina e
jurisprudência. No entanto, essa reparação está circunscrita apenas na
seara cível.
Com a advento da Lei de nº 11.719/2008, houve a possibilidade
da xação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, conforme
170 CEPEDA, Ana Isabel Pérez; SÁNCHEZ, C. Demelsa Benito. La política criminal interna-
cional contra la corrupción. Estudios sobre la corrupción: una reexión hispano brasileña.
Universidad de Salamanca, 2013. p. 13-55.
171 BRASIL. Constituição Federal. Diário Ocial da União. Brasília, 1988. Disponível em:
.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Aces-
so em: 02 jun. de 2017.
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