A Influência do Argumento Econômico sobre o Jurídico na Aplicação do Direito à Assistência Social

AutorJair Soares Júnior
Páginas35-43

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Jair Soares Júnior 1

1. Notas introdutórias

Nesta obra buscaremos discutir a influência exercida no Direito pelas teorias económicas que servem de embasamento para as ideologias tendentes a reduzir as conquistas do Estado social, com enfoque no direito à Assistência Social.

O discurso hegemónico do "mercado" defende a busca pela austeridade económica, mesmo que isso traga como consequência a diminuição dos direitos sociais já conquistados ou, até mesmo, o retrocesso das políticas públicas destinadas ao cumprimento dos deveres de proteção social

Sob esse Norte será promovida uma reflexão acerca do discurso economicista — que defende a redução dos direitos sociais — e sobre sua influência na aplicação do Direito à Assistência Social.

Para tal desiderato, serão feitos, no primeiro tópico, apontamentos acerca da teoria consequencialista-utilitarista e a sua influência na aplicação do Direito. A diretriz de buscar a maior felicidade para o maior número — sustentada pela moral utilitarista — é correlacionada com a Análise Económica do Direito (AED) em sua vertente de maximização da riqueza como finalidade útil que, sob essa perspectiva, deveria guiar o intérprete e o aplicador do Direito.

Serão discutidas, ainda, as repercussões, na aplicação dos Direitos de proteção social, das crises económicas, somado ao suposto estado de exceção permanente vivido pelo Estado social nas crises globais.

Partindo da concepção de Seguridade Social como direito fundamental social, enfocando, portanto, seus caracteres de fun-damentalidade formal e material determinada pela Constituição Federal (CF/88), discutiremos a justificação moral desse direito como razão primeira para classificá-lo como fundamental.

A concepção que prega a observância dos direitos fundamentais como elemento de fundamentação moral da legitimação do Estado exerce forte ligação com a "chamada concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos", razão pela qual trataremos de forma detalhada do tema indivisibilidade dos direitos fundamentais em um tópico específico da obra.

A noção de Constituição dirigente e as críticas a esse modelo de Constituição serão abordadas em tópico próprio.

Por fim, procuraremos, nas considerações finais, responder à seguinte indagação: qual o espaço para o consequencialismo-e-conomicista na aplicação dos Direitos de Proteção Social e qual é a influência disso na aplicação do direito à Assistência Social?

2. A teoria consequencialista-utilitarista e o paradigma econômico de aplicação do direito

A teoria utilitarista influenciou a jurisprudência e as teorias de aplicação do Direito buscando romper com a concepção puramente formal do Direito, segundo a qual o valor e a moral deveriam ser vistos como aspectos alheiros à compreensão da ciência pura do Direito.

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Em síntese, pode-se dizer que

[...] o consequencialismo é uma doutrina moral, segundo a qual o ato correto em uma dada situação é aquela que produz o melhor resultado geral, julgado como tal por um ponto de vista impessoal que concede igual peso aos interesses de cada um. A reflexão moral consequencialista tem como versão mais familiar o utilitarismo, o qual, em sua forma clássica, diz que o melhor estado dentre as combinações possíveis é o que contém o melhor balanço líquido agregado de prazer humano, felicidade ou satisfação, isto é, aquele que maximiza utilidades totais ou médias. (SAVARIS, 2012. p. 97-98)

Busca-se, assim, pela concepção utilitarista de aplicação do Direito, percebê-lo como um instrumento do que seja socialmente útil. Nessa perspectiva, pode-se dizer que "o direito se torna, na escola utilitarista, o instrumento da política e da economia; técnica de controle social instaurada a fim de obter a maximização dos prazeres ou o incremento da potência co-letiva do grupo".

Segundo adverte Savaris "a ideia atrativa do utilitarismo é, sem dúvida, a importância da promoção do bem-estar por várias formas. Contudo, diante dessa conjuntura, não é difícil perceber a grande influência que as crises económicas (nacionais ou internacionais) exercem sobre os critérios decisórios dos juízes em questões que envolvam a efetivação dos direitos económicos, sociais e culturais.

A busca da Administração Pública por uma eficiência voltada quase que exclusivamente para a maximização da saúde financeira do Estado, numa perspectiva conceitual con-sequencialista de cunho utilitarista, ganha força em um cenário de — supostas — crises económicas e orçamentárias a que estão submetidos, quase que de forma permanente, os países de capitalismo periférico.

Como bem ilustrado por Bercovicci:

A periferia vive em um estado de exceção económico permanente, contrapondo-se à normalidade do centro. Nos Estados periféricos há o convívio do decisionismo de emergência para salvar os mercados com o funcionamento dos poderes constitucionais, bem como a subordinação do Estado ao mercado, com a adaptação do direito interno às necessidades do capital financeiro, exigindo cada vez mais flexibilidade para reduzir as possibilidades de interferência da soberania popular. A razão de mercado passa a ser a nova razão de Estado. (BERCOVICCI, 2007. p. 63-64)

Nessa esteira, o pensamento político-ideológico centrado na lógica liberal capitalista defende o desmantelamento da rede de proteção social como a única alternativa viável para combater o estado permanente de crises económicas, mesmo que tal alternativa acabe ocasionando a violação dos mais básicos direitos fundamentais de índole social, como o direito fundamental à Assistência Social.

Conforme adverte Morais da Rosa:

A magnitude das questões económicas no mundo atual implica o estabelecimento de novas relações entre campos até então complementares. Direito e Economia, como campos autónomos, sempre dialogaram desde seus pressupostos e características, especificamente nos pontos em que havia demanda recíproca. Entretanto, atualmente, a situação se modificou. Não só por demandas mais regulares, mas fundamentalmente porque há uma inescondível proeminência economicista em face do discurso jurídico.

(ROSA, 2012, p. 135)

Nesse cenário "o Direito foi transformado em instrumento económico diante da mundialização do neoliberalismo", concebendo-se, pois, o aplicador do Direito como mero ser autómato que possui o único desiderato de reafirmar, por meio do Direito, as escolhas económicas do governo, mesmo que essas escolhas signifiquem desprezar os interesses mais fundamentais da pessoa humana.

Nessa esteira:

[... ] o pensamento jurídico é chamado — na perspectiva da racionalidade instrumental — a preparar ou definir, por meio do Direito, "as soluções socialmente mais convenientes" ou "finalístico-programaticamente mais oportunas ou úteis e instrumentalmente adequadas ou eficazes" e não "as soluções axiológico-normativamente válidas e normativamente fundadas". (SAVARIS, 2012, p. 106)

Sob essa perspectiva, os direitos fundamentais sociais deixam de ser efetivados sob a justificativa de argumentos de ordem utilitarista e económica, pois, a negativa de um direito que, em tese, demandaria a disponibilização de maiores recursos económicos por parte do Estado — como no caso da Assistência Social — significaria, em última análise, economia aos cofres públicos, servindo, portanto, aos interesses da maior parte da população.

Em outras palavras, de acordo com a ética consequen-cialista-utilitarista, o aplicador do Direito somente poderia se desvencilhar da concepção mecânica de aplicação do Direito, voltada à mera subsunção silogística do fato à norma, quando essa flexibilização pudesse favorecer a satisfação das expectativas do maior número, mesmo que isso acarretasse a negativa da efetivação de pretensões sociais fundamentais dos indivíduos.

Contudo, sob esse prisma, há evidente negação da fundamentação moral que justifica a própria existência dos direitos económicos, sociais e culturais (DESC), haja vista que o reconhecimento desses direitos pressupõe a afirmação do ser humano como valor em si.

Tendo em vista a importância desse fundamento moral para a justificação dos direitos sociais, passaremos a discutir, no próximo tópico, as razões pelas quais pode ser defendida uma motivação de índole moral para a existência de direitos sociais como a Assistência Social.

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3. A fundamentação moral dos direitos sociais

A fundamentação moral dos direitos fundamentais advém do reconhecimento histórico do ser humano como fim em si, portanto, partindo-se da noção de igualdade humana fundamental, não se pode conceber o ser humano como um meio para a realização de projetos económicos ou políticos.

Não é por outra razão que a filosofia kantiana assevera que "seres racionais estão todos submetidos a esta lei que manda que cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si".

A legitimação dos governos e a legitimação do próprio Estado pressupõe e condiciona uma vinculação do governo e do Estado com a concretização dos direitos que permitam ao ser humano, independentemente da sorte que lhe foi reservada ao nascer, construir o seu projeto de vida.

Compreender qual a fundamentação moral dos direitos fundamentais em geral — e mais especificamente dos direitos fundamentais sociais — representa a adequada concepção da responsabilidade coletiva e o abandono da visão estreita imposta pela ética deontológica de moralidade.

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