A Proteção Assistencial aos Idosos e Deficientes na Constituição Federal de 1988: Uma Análise da Função Social do Benefício Previsto na Lei n. 8.742/1993

AutorTiago Adami Siqueira
Páginas59-66

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Tiago Adami Siqueira 1

1. A influência das políticas econômicas neoliberais nos sistemas de proteção social

Neste artigo, far-se-á a contextualização da proteção dada pela assistência social, um dos pilares do conceito de seguridade social trazido na Constituição Federal de 1988, com enfoque nos benefícios assistências previstos na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742/93).

A Carta Magna de 1988 definiu uma série de princípios e objetivos comuns e específicos a todos os ramos da seguridade social. Caracterizando assim: um sistema de saúde universal e igualitário; um sistema de assistência social destinado as pessoas hipossuficientes economicamente, independente de contribuição; e um sistema previdenciário de caráter solidário e contributivo.

A Constituição de 1988 também marcou o recomeço da positivação dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro. O povo voltou a participar da trajetória política do país, desta vez como protagonista, ao lado da aristocracia e da burguesia emergente. Algumas garantias fundamentais pretendem manter a legitimidade da Carta Magna em vigência, tais como: a organização da sociedade, a liberdade de imprensa, a formação de uma opinião pública mais consciente, o movimento social e a alternância do poder. As normas constitucionais conquistaram o status pleno de normas jurídicas, aptas a tutelar imediata e diretamente todas as situações que contemplam

(BARROSO, 2010, p. 300).

Com o advento do capitalismo, em substituição ao sistema feudal, a apropriação de meios de vida (alimentação, água, habitação) dentro da ideia do direito de propriedade, produziu a redução da autodependência do ser humano. Assim, na sociedade de mercado, o homem para atender suas necessidades básicas necessita vender sua força de trabalho, seu tempo, aos proprietários dos meios de produção em troca de uma remuneração (SERAU JR., 2009, p. 131).

Segundo Gnata a paz social garante a estabilidade para a perpetuação das estruturas, logo a previdência social, os direitos trabalhistas e sociais foram e continuam sendo mecanismos utilizados para perpetuação da própria estrutura capitalista (2014, p. 84-85).

Algumas ações esparsas no início da revolução industrial tentaram proteger e melhorar um pouco a qualidade de vida dos trabalhadores, tal proteção consistia em um paternalismo industrial, muito mais com o objetivo de impedir eventuais agremiações sindicais, do que com o intuito de proteção ao trabalhador (ALEMANY, 2006, p. 33).

No processo de globalização, sob a influência económica neoliberal, o Estado acaba perdendo seu poder de intervenção na sociedade, com o pretexto que reformas para contensão de gastos públicos devem ser realizadas, objetivando uma maior efetividade e equilíbrio (fiscal) da economia. Neste cenário, invariavelmente, os primeiros direitos afetados são os direitos sociais:

Assim, esse processo apregoa que: (1) a afirmação de que o mercado é o supremo — e único — regulador da atividade económica, (2) o Estado deve ser mínimo e neutro e (3) a sociedade deve acabar com as leis de proteção social para deixar que a oferta, a procura e o lucro organizem o mundo, mesmo que faculte a destruição dos direitos sociais, tão duramente conquistados no decorrer da humanidade. (SANTIN, 2017, p. 120)

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Neste contexto de globalização o próprio Estado-Nação, fruto das conquistas históricas da modernidade, perde sua importância, pois as empresas e o mercado passam a ser transnacionais, não querendo mais ficar sob o controle estatal de uma nação apenas.

Segundo Marx (2010, p. 44-52) esta disputa histórica entre políticas liberais e a afirmação de direitos sociais iniciou no conceito formal das liberdades individuais reconhecidas na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789), na qual, nada adiantava proclamar o direito à liberdade, se não eram concedidas condições sociais e económicas de igualdade entre os cidadãos, justamente para que a liberdade conquistada pudesse ser gozada por todos os membros da sociedade de forma plena.

A Declaração de Direitos do Homem e do cidadão (1789), fruto da Revolução Francesa, sofreu críticas tanto dos conservadores como da esquerda. Para os conservadores a declaração foi excessivamente abstrata e desvinculada da História. Já para os esquerdistas, sob influência de Marx, a declaração protegeu apenas os interesses particulares da burguesia, portanto destituída de atributos de uma declaração universal (BOBBIO, 2004, p. 99-110).

Logo, a concepção do Welfare State surge como um intervencionismo capitalista com objetivo de pacificação social. Nesta ótica, sempre que o mercado económico entra em crise financeira tende a ocorrer a supressão dos direitos sociais. O oposto ocorre quando toda a organização baseada no capitalismo liberal começa ser contestada quanto sua legitimidade e efetividade, nestes casos ocorre uma expansão dos direitos sociais, justamente como forma de manutenção do próprio sistema:

A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais; mas ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre direito reivindicatório e o direito reconhecido e protegido. (BOBBIO, 2004, p. 29)

Roosevelt2 na concepção do Welfare State propós uma segunda Carta de Direitos que incorporou garantias sociais e estabeleceu uma nova base de segurança, pois para ele a verdadeira liberdade individual não existia sem segurança económica e independência financeira mínima: "homens com necessidades não são livres". Ele acreditava que pessoas com fome, pessoas desempregadas eram a matéria-prima para as ditaduras (CARBOBELL, 2010, p. 52).

Este movimento além de histórico é cíclico. Em substituição ao Estado absolutista, na modernidade surge o Estado de Direito, sob a inspiração liberal clássica que prioriza a livre concorrência e coloca as leis do mercado como únicas reguladoras da atividade económica e das políticas sociais. Após, quando esta concepção de Estado começa a ser contestada, muito em decorrência das ideias comunistas e de um processo de lutas populares, muda-se a forma de governar para um Estado Social, na qual o Estado assume uma posição intervencionista, sendo o responsável direto por ditar as regras económicas, sociais e políticas.

No contexto atual do século XXI, percebe-se que o Estado volta a sua configuração inicial, ou seja, de um Estado mínimo. Esta nova tendência, agora denominada de neoliberal, não preocupa-se em combater as desigualdades e promover a justiça social. Na concepção neoliberal o Estado deve garantir apenas a estabilidade política, segurança jurídica e a estabilidade da moeda, deixando para livre-iniciativa (mercado) todas outras regulações (SANTIN, 2017, p. 2-4).

Neste sentido, para Marx a concepção do Estado liberal, oriundo da Revolução Francesa, deve ser entendida à luz dos interesses económicos da sociedade burguesa da época, na qual a garantia de direitos individuais era necessária, como forma de garantia da propriedade privada:

Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem como as formas de estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de existência, em suas totalidades, condições estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses do século XVIII, compreendia sob o nome de "sociedade civil". Cheguei também à conclusão de que a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na economia política. (MARX, 2008, p. 47)

Para Marx, a sociedade burguesa em busca de "escapar das garras do estado absolutista" utilizou o conceito de segurança para legitimar condutas em prol de benefícios para as elites, assegurando assim seu próprio egoísmo:

Portanto, nenhum dos assim chamados direitos humanos transcende o homem egoísta, o homem como membro da sociedade civil burguesa, a saber, como indivíduo recolhido ao seu interesse privado e ao seu capricho próprio e separado da comunidade. Muito longe de conceberem o homem como um ente genérico, esses direitos deixam transparecer a vida do gênero, a sociedade, antes como uma moldura exterior ao indivíduo, como limitação de sua autonomia original. O único laço que os une é a necessidade natural, a carência e o interesse privado, a conservação de sua propriedade e de sua pessoa egoísta. (MARX, 2010, p. 50)

O Estado liberal burguês, embora importante na garantia dos direitos humanos de 1â geração, trouxe uma igualdade jurídica apenas formal. O direito aplicado por meio de uma regra única a diferentes pessoas, que não são idênticas e nem iguais, equivale a uma violação da igualdade e da justiça

(LENIN, 2007, p. 130).

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A passagem do modelo feudal de superioridade de alguns homens sobre os demais, para o modelo liberal iluminista, de igualdade natural, é, na verdade, um pressuposto para a propagação das ideias de liberdade comercial e manutenção do status quo daqueles que detinham os meios de produção (MARX; ENGELS, 2006, p. 28).

O modelo jurídico liberal individualista tem sido pouco eficaz para recepcionar e instrumentalizar as novas demandas sociais que contemplam os direitos humanos. Tal situação estimula e determina o esforço de propor novos instrumentos jurídicos mais flexíveis e mais abrangentes capazes de regular situações complexas e fenómenos novos. "É...

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