A informação e o adimplemento dos contratos de consumo: em busca da técnica eficiente para a compreensão eficaz da informação pelo consumidor

AutorAmélia Soares da Rocha
Páginas125-157
4
A INFORMAÇÃO E O ADIMPLEMENTO
DOS CONTRATOS DE CONSUMO:
EM BUSCA DA TÉCNICA EFICIENTE
PARA A COMPREENSÃO EFICAZ DA
INFORMAÇÃO PELO CONSUMIDOR
Ante os peculiares contornos do contrato de consumo, exaustivamente estudados
nos capítulos 2 e 3, importante é sublinhar, no arcabouço constitucional brasileiro, o
papel fundamental da informação em todo processo de formação válida e exigível da
vontade do consumidor. Ficou claro que a obrigação do consumidor é tanto mais forte
quanto mais ef‌icaz e ef‌iciente for a informação que lhe inf‌luenciou a decisão.
Esse processo é ainda mais desaf‌iador quando se enxergam as mudanças do campo
social que foram apresentadas no capítulo1. Assim, urge a tarefa de identif‌icar, a partir
da prática real e concreta, atual e contemporânea, caminhos para a efetivação da ef‌i-
caz compreensão da informação pelo consumidor. De quem é a responsabilidade? Do
fornecedor ao prestá-la? Do consumidor ao exigi-la? Do mercado ao compreender sua
importância? Do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – e de todos os órgãos e
instituições que o integram em pautar esta necessidade?
Acredita-se que a informação ef‌iciente incentiva o maior cumprimento voluntá-
rio dos contratos de consumo, a diminuir a sua judicialização e a reduzir os custos de
transação (que são arcados, ao f‌im, pelo próprio consumidor). Essa é a razão condutora
deste estudo: delinear o papel concreto da informação no contrato de consumo, em um
Estado fundado na ideia- força da dignidade humana, com o objetivo expresso de com-
bate às desigualdades e que coloca a defesa do consumidor como direito fundamental
e como princípio da ordem econômica.
Como demonstrado nos capítulos anteriores, contrato de consumo se def‌ine
por seus sujeitos – e não por seu objeto ou instrumento contratual – e é regulado
pelo microssistema consumerista, que tem na proteção da pessoa consumidora – e
não no ato de consumo – a sua meta; para tanto, confere status especial para a infor-
mação ao consumidor. Tanto que o contrato de consumo não se resume ao instru-
mento contratual, mas se materializa em todo o processo de formação da vontade
1. Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código
de defesa do consumidor.”.
CONTRATOS DE CONSUMO.indb 125CONTRATOS DE CONSUMO.indb 125 31/03/2021 16:03:4831/03/2021 16:03:48
CONTRATOS DE CONSUMO • AMÉLIA SOARES DA ROCHA
126
do consumidor. Mas ainda que a CF88 tenha sido cuidadosa com a efetivação da
defesa do consumidor (a ponto de deixar expresso nos ADCT a determinação de
prazo para a elaboração do CDC), persiste dif‌iculdade de distinção entre contrato
de consumo e contrato civil.
Por outro lado, não se pode esquecer que os direitos têm um custo. Os direitos não
compreendidos custam ainda mais. Há um custo para gerar uma informação que não
chega efetivamente ao consumidor e um outro custo quando da procedência de uma
ação judicial movida em face da def‌iciência da informação, sendo, portanto, de imensa
importância a investigação de ferramentas hábeis a identif‌icar meios de construção da
informação ef‌iciente em um contrato de consumo. E na busca desse caminho, é preciso
examinar o campo concreto e real de aplicação do direito do consumidor no Brasil hoje,
para se tentar responder, no mínimo, às seguintes questões:
a) A (def) ef‌iciência da informação, de fato tem impacto nas reclamações dos consu-
midores, bem como nas demandas judicializadas sobre direito do consumidor?
b) Há relação entre a (def) ef‌iciência da informação e o grau de vulnerabilidade
do consumidor?
c) Tem sentido acreditar que a devida prestação da informação reduziria o número
de conf‌litos de consumo, reduzindo os custos de transação?
d) Qual seria um parâmetro ef‌iciente para a maior compreensão da informação
pelo consumidor a se ref‌letir na redução da assimetria informacional e dos
custos de transação?
Para responder estas e outras questões, a partir das diretrizes da jurimetria, foram
identif‌icadas 3 (três)2 bases para análise de dados, do extrajudicial para o judicial, do
Brasil para o Ceará, durante o ano de 20193, com os seguintes passos:
Primeiro, examinar-se-ão os dados disponíveis no “Consumidor.gov.br”,
plataforma of‌icial do SNDC que busca receber e resolver demandas extra-
judiciais de consumidores. Neste campo se examina qual a maior razão das
reclamações dos consumidores. No âmbito do Ceará, o Consumidor.gov.br é
gerido pelo PROCON–CE (órgão do Ministério Público do Estado do Ceará),
que disponibilizou seus dados a presente pesquisa.
Segundo, verif‌icar-se-á, as demandas sobre direito do consumidor no âmbito
do Superior Tribunal de Justiça – STJ, com foco naquelas em que a questão
da informação foi levada em conta na decisão.
Terceiro, análise das ações ajuizadas pelo Núcleo de Defesa do Consumidor
da Defensoria Pública do Estado do Ceará – NUDECON-CE. A análise não
2. A princípio, seriam 5 bases – CONSUMIDOR.GOV.BR, CNJ, STJ, TJCE e NUDECON/DPGE–CE. Todavia, os
dados abertos já disponibilizados pelo CNJ abrangem apenas até o ano de 2018, porquanto o marco temporal
deste estudo seja 2019.
3. A metodologia utilizada para analisar os dados de 2019 poderá ser posteriormente replicada nos próximos anos
e se poderá analisar se existiu ou não impacto do “novo normal” pós-pandemia nas contratações de consumo.
CONTRATOS DE CONSUMO.indb 126CONTRATOS DE CONSUMO.indb 126 31/03/2021 16:03:4831/03/2021 16:03:48
127
4 • A INFORMAÇÃO E O ADIMPLEMENTO DOS CONTRATOS DE CONSuMO
é dos atendimentos e mediações, mas das questões não resolvidas que foram
judicializadas.
4.1 JURIMETRIA E PESQUISA JURÍDICA
Cada vez mais percebe-se que as pesquisas acadêmicas carecem de sentido se não
servirem para melhorar, de qualquer forma – direta ou indireta, imediata ou mediata,
subjetiva ou objetiva – a vida em sociedade. Não é diferente no Direito4. Mas nele é mais
desaf‌iador, pois, historicamente, a ciência jurídica tem um distanciamento entre o real
concreto e o ideal desejado. Como lembra Carlos Ayres Britto (2007, p.43), “mesmo um
excelente referencial normativo para o concreto agir humano ainda não é o concreto
agir humano.”.
O próprio processo de construção das normas jurídicas – como já analisado nos
capítulos anteriores – parte, quase sempre, do olhar de setores não vulneráveis (ou pou-
co vulneráveis), para ser aplicado a um universo de muitos vulneráveis. O exemplo do
direito de laje (tratado no capítulo 2) exemplif‌ica bem essa questão. É a distância entre
“o país legal” e o “país real” há muito denunciada por Oliveira Viana5.
Nesse contexto, é bem-vindo o fortalecimento da Jurimetria como disciplina
jurídica6 no Brasil. Ao aliar Direito com estatística, abre caminhos, se bem embasados
por uma doutrina sólida de valores constitucionais e republicanos, para uma melhor e
mais ef‌icaz prática do Direito. Como lembra Christoph Engel (2019, s.p.), “o Direito
não é (apenas) outra Ciência Social. Para o Direito, sof‌isticação não é um valor per se,
nem elegância, ou a surpreendente capacidade de resolver um problema estatístico
aparentemente intratável. O Direito governa a vida das pessoas”. E o direito do consu-
midor, por sua vez, é presença concreta no cotidiano de praticamente todas as pessoas,
que todos os dias – consciente ou inconscientemente – f‌irmam inúmeros contratos de
consumo. Direito do consumidor é, pois, um direito do cotidiano, com impacto direto
na vida das pessoas.
4.1.1 Noções gerais
A disseminação da Jurimetria no Brasil muito se deve a Marcelo Guedes Nunes,
que, sob a orientação do Professor Fábio Ulhoa Coelho, valeu-se dela para a construção
de sua tese de doutorado (que versava sobre direito comercial). Daí nasceu a Associação
Brasileira de Jurimetria – ABJ a propagar que não basta se saber o que os juristas pensam
4. Carlos Ayres de Britto (2007, p.39) lembram que o “Direito é o mais engenhoso esquema que a humanidade
até hoje concebeu para viabilizar o absolutamente necessário ‘estado de sociedade’”. “Uma cultura política que
exprime a trama verdadeira de uma sociedade ainda tradicional, tecida ao longo de sua história” (ALMEIDA,
2001, p. 295).
5. Como explica Maria Hermínia Tavares de Almeida (2001, p. 295), a principal obra de Oliveira Viana, Instituições
políticas brasileiras, tem por tema “o desencontro das regras que tratam de organizar a vida política, cristalizadas
nos princípios liberais das constituições brasileiras – desde 1824, e os comportamentos efetivos, moldados por uma
cultura política que exprime a trama verdadeira de uma sociedade ainda tradicional, tecida ao longo de sua história”.
6. O PPGD/UNIFOR é um dos primeiros cursos no Brasil a oferecer jurimetria como disciplina.
CONTRATOS DE CONSUMO.indb 127CONTRATOS DE CONSUMO.indb 127 31/03/2021 16:03:4831/03/2021 16:03:48

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT