Infrações e sanções administrativas na Lei n. 13.303/16

AutorFrancisco Zardo
Páginas271-312
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INFRAÇÕES E SANÇÕES
ADMINISTRATIVAS NA
FRANCISCO ZARDO
Sumário: 1. Contextualização. 2. A incidência do regime
jurídico de direito administrativo sancionador. 2.1 A unidade
do ius puniendi estatal. 2.2 Decorrências práticas da incidência
do regime de direito administrativo sancionador. 2.2.1
Rejeição à teoria das relações de especial sujeição. 2.2.2 A
exigência de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade (ou
reprovabilidade). 3. Os tipos infracionais na Lei n. 13.303/2016.
3.1 Atraso injustificado na execução do contrato. 3.2
Inexecução total ou parcial. 3.3 Fraude fiscal. 3.4 Prática de
atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação. 3.5
Demonstrar não possuir idoneidade para contratar com a
estatal. 4. As sanções administrativas previstas na Lei n.
13.303/2016. 4.1 Advertência. 4.2 As multas. 4.3 Suspensão
temporária do direito de licitar e contratar com a entidade
sancionadora. 4.4 A retroatividade da lei penal mais benéfica
e a extinção da declaração de inidoneidade. 5. O rito
processual. 6. O prazo prescricional. 7. O acordo de leniência.
8. A detração penal em caso de suspensão cautelar. Conclusão.
Referências bibliográficas.
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1. CONTEXTUALIZAÇÃO
Embora objeto de críticas procedentes1, o regime jurídico dos
contratos administrativos confere à Administração Pública prerrogativas
em relação aos licitantes e contratados, entre elas a de aplicar sanções
pela inexecução contratual e pela prática de ilícitos. Nos contratos regidos
pela Lei n. 8.666/93, as sanções consistem em advertência, multa,
suspensão temporária e declaração de inidoneidade para licitar ou
contratar com a Administração Pública (art. 87).
As consequências da aplicação destas penalidades, sobretudo das
duas últimas, são extremamente graves. Podem inviabilizar a continuidade
de empresas especializadas em fornecer bens e serviços ao Estado, o que,
em certas situações, resultará em redução da competitividade e elevação
dos preços, em prejuízo da própria Administração. Não obstante, na Lei
n. 8.666/93 apenas três artigos são dedicados à disciplina das sanções,
revelando um laconismo incompatível com a importância do tema.
Nas leis do pregão (Lei n. 10.520/2002) e do regime diferenciado
de contratações (RDC – Lei n. 12.462/2011), embora mais recentes, o
vício se repetiu, o que, talvez, possa ser atribuído à ineficácia dos seus
comandos, quer porque grandes empresas não eram atingidas, quer
porque impedimentos de licitar e contratar eram contornados mediante
a constituição de novas empresas.2
Assim como o legislador, a doutrina também não dedicou a devida
atenção ao assunto3, o que se refletiu também na jurisprudência.
1 Sobre as críticas às prerrogativas da Administração Pública nos contratos administrativos,
veja, por todos: ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Contrato administrativo. São
Paulo: Quartier Latin, 2012.
2 No mesmo sentido, confira-se: SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda.
A proibição de contratar com o poder público e seus efeitos sobre os grupos empresariais.
In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme Jardim. Contratos públicos e
Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 189.
3 Como asseverou Marçal Justen Filho em artigo publicado no ano 2002, “o tema das
sanções no âmbito da Lei n. 8.666/93 não propiciou debates mais aprofundados na
doutrina. (...). Os autores mais abalizados costumam passar sobre a matéria num voo
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Evidencia disso é o dissenso ainda hoje existente, passadas mais de duas
décadas, quanto à extensão da pena de suspensão do direito de licitar e
contratar prevista no art. 87, II, da Lei n. 8.666/93.
Somente nos últimos anos, com a aplicação destas sanções em
maior escala4, o legislador parece ter atentado para o assunto. Em 2013,
a Lei n. 12.846, a chamada Lei Anticorrupção, previu no art. 17 que os
acordos de leniência por ela instituídos poderiam ser celebrados pela
Administração Pública com vista à isenção ou atenuação das sanções
administrativas estabelecidas na Lei n. 8.666/93.
Em 2015, o Decreto n. 8.420 regulamentou a Lei n. 12.846/2013,
disciplinando minuciosamente o rito do Processo Administrativo de
Responsabilização (PAR) das pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos
à Administração Pública. E o art. 12 deste decreto dispôs que as infrações
administrativas previstas na Lei n. 8.666/93 que também sejam tipificadas
como atos lesivos na Lei n. 12.846/2013 serão apuradas pelo rito nele
previsto. Até então, a legislação só previa o prazo de defesa (Lei n. 8.666/93,
art. 87, §2º) e apenas uma das sanções tinha delimitada a autoridade
competente para sua aplicação (Lei n. 8.666/93, art. 87, §3º). Isso se a
licitação e o contrato estivessem relacionados ao Poder Executivo.
Como se não bastasse, também em 2015, a Controladoria-Geral
da União editou a Portaria n. 910, detalhando o Processo Administrativo
de pássaro” (“Concessões de serviços públicos e as multas por inadimplemento do
concessionário”. Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba, Zênite, n. 100, jun.
2002, pp. 492-509). No seu Curso de Direito Administrativo, o autor reiterou semelhante
consideração: “No entanto, o tema até o presente não mereceu maior atenção da
doutrina e da jurisprudência” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo.
ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 452). A exceção é a precursora obra de: DIAS,
Eduardo Rocha. Sanções Administrativas aplicáveis a licitantes e contratados. São Paulo:
Dialética, 1997.
4 Segundo informações publicadas pela Controladoria-Geral da União em dezembro
de 2016, apenas naquele ano foram incluídas 7 mil penalidades no Cadastro Nacional
de Empresas Suspensas e Inidôneas (CEIS), um acréscimo de 27,3% em relação à mé-
dia anual. Atualmente, o cadastro consolida 13 mil penalidades vigentes, aplicadas a
mais de 4 mil pessoas físicas e 5 mil pessoas jurídicas distintas. Disponível em http://
www.cgu.gov.br/noticias/2016/12/cadastro-de-empresas-inidoneas-e-suspensas-registra-
-sete-mil-novas-penalidades-em-2016. Acesso em 28.01.2017.

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