Regime societário das empresas públicas e sociedades de economia mista

AutorAna Frazão
Páginas113-165
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REGIME SOCIETÁRIO DAS EMPRESAS
PÚBLICAS E SOCIEDADES DE
ECONOMIA MISTA
ANA FRAZÃO
Sumário: Introdução. 1. Coesão e extensão do regime
societário das estatais. 1.1 Grau de uniformidade do regime
societário das estatais. 1.2 Alcance do regime societário das
estatais. 2. Visão sistemática do regime societário das estatais:
objeto social e interesse social das estatais a partir da Constituição
Federal e da Lei das S/A. 3. Lei n. 13.303/2016: objeto social
e interesse social das estatais a partir da delimitação explícita da
sua função social. 3.1 Reforço da importância da lei autorizadora
e dos estatutos na delimitação do objeto social e previsão da
carta anual para a sua execução. 3.2 Delimitação clara e precisa
da função social das estatais. 4. Regime societário específico das
estatais. 4.1 Regime de governança corporativa. 4.2 Regime de
transparência. 4.3 Regime de gestão de riscos e controle interno.
4.4 Regime organizativo. 4.4.1 Órgãos obrigatórios. 4.4.2
Requisitos para a assunção de cargos nos órgãos das estatais. 5.
Deveres gerais e responsabilidade de controladores,
administradores e membros de órgãos das estatais. 5.1 Deveres
e responsabilidades do controlador. 5.2 Deveres e
responsabilidades dos administradores. 5.3 Deveres e
responsabilidades dos membros do Conselho Fiscal e do
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ANA FRAZÃO
Conselho de Auditoria Estatutário. Considerações finais.
Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A Lei n. 13.303/2016 ingressou no mundo jurídico com a missão
espinhosa de disciplinar o estatuto das empresas públicas e das sociedades
de economia mista, o que se estende às suas controladas e, em certo grau,
também às sociedades em que mantêm investimentos.
Verdade seja dita que a Lei das S/A já instituía regime de
governança para as sociedades de economia mista, até porque estas, ao
adotarem obrigatoriamente a forma de sociedade anônima, se equiparavam
às companhias privadas em vários aspectos.1 Ocorre que tal regime
jurídico nunca foi implementado amplamente na prática, seja por falta
de vontade política e por ausência de fiscalização e controle efetivos,
seja em razão das dificuldades naturais de compatibilizar organizações de
finalidades lucrativas com os propósitos de interesse público que justificam
a sua criação.
Entretanto, mais recentemente, resultados econômicos controversos
e escândalos de corrupção deixaram clara a fragilidade da organização e
gestão das estatais, o que fez surgir interesse renovado na reconfiguração
do seu modelo de governança a partir de uma lei específica.2
1 Daí Trajano de Miranda Valverde (“Sociedades anônimas ou companhias de economia
mista”. Revista de Direito Administrativo. vol. 1, n. 2, pp. 429-441, 1945. p. 437) considerar
que seria até mesmo dispensável a criação de lei específica para disciplinar as sociedades
de economia mista, bastando a aplicação das diretrizes gerais referentes às sociedades
anônimas.
2 Conforme apontado por Arnoldo Wald (“As sociedades de economia mista e a nova
lei das sociedades anônimas”. Revista de Informação Legislativa. vol. 14, n. 54, pp. 99-114,
abr./jun. 1977, p. 100), já é antiga a discussão sobre a necessidade de um diploma
destinado a disciplinar as estatais: de um lado, posicionam-se aqueles que defendiam a
edição de uma lei orgânica capaz de conferir maior segurança nas relações jurídicas
desses entes; de outro lado, encontram-se os que defendem a implantação de um sistema
casuístico de regulamentação de cada entidade, conferindo maior flexibilidade a essas
empresas. Ensina o autor: “Na realidade, tanto o legislador quanto a autoridade
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REGIME SOCIETÁRIO DAS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES...
É nesse contexto que deve ser entendido o novo regime societário
das sociedades de economias mista e empresas públicas implementado
pela Lei n. 13.303/2016, cujas principais questões serão objeto do
presente artigo, para se delinear, ao final, qual será o real impacto das
alterações legislativas sobre a gestão de tais entes.
1. COESÃO E EXTENSÃO DO REGIME SOCIETÁRIO DAS
ESTATAIS
1.1 Grau de uniformidade do regime societário das estatais
Por mais que a Lei das Estatais tenha pretendido criar regime
uniforme entre as sociedades de economia mista e as empresas públicas,
certamente que não haverá identidade perfeita entre os dois modelos,
em razão das diferenças naturais que os separam.
Com efeito, enquanto as empresas públicas apenas podem ser
constituídas por capitais públicos, incluindo aí entes da administração
indireta (Lei n. 13.303/2016, art. 3º, parágrafo único), as sociedades de
economia mista são constituídas por uma combinação entre capitais
públicos e privados. Tais características obviamente se projetam tanto
no controle como no modelo societário e, consequentemente, terão
impacto no regime societário.
Como as sociedades de economia mista, nos termos do artigo 4º
da Lei n. 13.303/2016, só podem ser constituídas como sociedades
anônimas, estando submetidas amplamente às disposições da Lei das S/A3,
têm regime jurídico mais uniforme e de fácil identificação. O fato de
poderem ter como controlador tanto um ente federativo como um ente
administrativa oscilam entre a necessidade de dar a tais empresas a necessária flexibilidade
e liberdade de ação e, por outro lado, o imperativo do controle e da moralidade pública”.
3 O Decreto n. 8.945/2016 é claro ao afirmar, no seu art. 10, a ampla sujeição das
sociedades de economia mista à Lei das S/A salvo nas hipóteses por ele especificadas,
a saber: (i) no que toca à quantidade mínima de membros do Conselho de Administração;
(ii) ao prazo de atuação dos membros do Conselho Fiscal; e (iii) às pessoas aptas a propor
ação de reparação por abuso de poder de controle e ao prazo prescricional para sua
propositura.

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