Limitações da arguição de ilegalidade na arbitragem investidor-estado

AutorAna Rachel Freitas da Silva
Páginas31-107
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Capítulo 1
LIMITAÇÕES DA ARGUIÇÃO DE ILEGALIDADE NA
ARBITRAGEM INVESTIDOR-ESTADO
O presente capítulo discute os fundamentos jurídicos da arbitragem
investidor-Estado, que possibilitam o exame da conduta do investidor,
autorizando a exclusão de um investimento alcançado pela ilegalidade do
âmbito de proteção de um instrumento legal internacional. O capítulo está
dividido em duas seções. A primeira introduz a arbitragem investidor-Estado,
calcada no consentimento estatal genérico e prospectivo. Considerando os
limites do consentimento, a discussão avança na relação jurídica entre Estado-
anfitrião e investidor estrangeiro, com foco nas obrigações deste último, em
especial, a de respeitar as leis do país no qual realiza o investimento.
A segunda parte examina como essa obrigação de legalidade pode ser
exigida pelo Estado em detrimento de um particular, considerando os casos em
que a arbitragem é autorizada por tratado. Duas técnicas8 podem ser utilizadas
pelas defesas estatais para questionar o comportamento do investidor. Na
primeira abordagem o argumento jurídico pode ser baseado em cláusula do
próprio tratado que exclui investimentos ilegais do âmbito de proteção. A
segunda forma de apresentar a arguição de ilegalidade aponta o
descumprimento de princípios gerais de Direito, dentre os quais destacamos as
mãos limpas. As limitações da primeira abordagem, que configuram a
problemática tratada na presente tese, são discutidas no presente capítulo. A
segunda abordagem, hipótese defendida, sobre a qual pretende-se desenvolver
um modelo compreensivo, será aprofundada no capítulo subsequente.
8 Identifica-se, ainda, uma terceira abordagem a previsão de obrigações expressas para os
investidores nos tratados. Acordos in ternacionais mais recentes têm adotado essa perspectiva.
Incluiremos alguns comentários pontuais sobre esses novos acordos. Por serem mais recentes e
em número reduzido, ainda n ão foi possível conhecer como serão interpretados nos casos
concretos. Consideramos que podem abrir novas possibilidades para a responsabilização
internacional do investidor.
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1.1. A (falta de) competência para examinar a conduta do investidor na
arbitragem investidor-Estado
O objetivo principal do regime geral de proteção aos investimentos
estrangeiros é proporcionar segurança ao investidor, incentivar os
investimentos e reduzir a pobreza, em especial, nos países em
desenvolvimento9. A possibilidade de utilizar um sistema internacional para
solução de controvérsias se direciona à redução dos riscos. O Relatório dos
Diretores Executivos do Banco Mundial sobre a Convenção do ICSID
demonstra a expectativa de que aquela instituição seria um grande passo em
direção a uma atmosfera de confiança mútua que estimularia os fluxos de
capitais estrangeiros10.
Investidores estrangeiros, ao decidir por um investimento, devem
considerar as questões legais envolvidas, em especial, a proteção contra
eventuais riscos, as facilidades para realizar determinado investimento e os
meios de evitar e resolver os conflitos11. Nessa decisão, o investidor vai avaliar
os ganhos que espera obter com o investimento, considerando também os riscos
de sofrer prejuízos, depois de feito o investimento12.
Os países receptores de investimento, em geral, possuem leis que
asseguram a proteção dos investimentos estrangeiros. Contudo, o Estado
receptor, nesse caso, desempenha duplo papel: é terceiro garantidor do
cumprimento dos contratos e parte interessada. Assim, ainda que o Estado
esteja comprometido, inicialmente, em proteger os investimentos, ele pode
9 DUGAN, C et al. Investor-State Arbitration. New York: Oxford University Press, 2008, p. 6.
10 IBRD. Report of the Executive Directors on the Convention on the Settlement of Investment
Disputes between States and Nationals of Other States. Adopted by the Board of Governors of
the International Bank for Reconstruction and Development on 10 September 1964. In: ICSID
Convention, Regulation and Rules. Washington: ICSID, 2006, p. 37-49.
11 ESCHER, Alfred. Foreign Direct Investment (FDI). In: BRADLOW, Daniel D. e ESCHER,
Alfred (org). Legal Aspects of Foreign Direct Investment. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law
International, 1999, p. 3-81, p. 35.
12 Certas atividades implicam num custo inicial muito elevado para o investidor como aquelas
ligadas à exploração de petróleo e minérios em geral. Nesses casos, o investidor estará muito
mais susceptível à ação estatal, que, apenas num momento posterior, após realizados os
investimentos, será possível começar a obter lucros com a atividade. Essas atividades envolvem
um custo inicial alto e irrecuperável (high sunk costs investment) (MONALDI, F. Government
Commitment using External Hostages: Attracting Foreign Investment to the Venezuelan Oil
Industry. Paper apresentado na Annual Meeting of the Political Science Association.
Massachusetts, agosto de 2002. Disponível em:
http://convention2.allacademic.com/one/apsa/apsa02/index.php?click_key=1#search_top
Acesso em: 15 de janeiro de 2015.)
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mudar as regras se entender que as novas disposições lhe serão mais favoráveis.
Uma vez que o investimento é feito, o Estado tem incentivos para expropriar,
seja para si mesmo, seja para redistribuir. Esse problema é conhecido como
inconsistência dinâmica13 ou inconsistência temporal14.
A arbitragem internacional tem o condão de transferir a função
adjudicatória do Estado interessado para uma instância independente. Ao firmar
um acordo de proteção de investimentos (APPI), um Estado sinaliza aos
investidores (e também ao mercado em geral) sua intenção de garantir os
direitos elencados naquele instrumento, entre eles, aceitar o julgamento de suas
ações em relação àqueles investidores, por uma instância arbitral fora de seus
quadros institucionais.
Entretanto, as vantagens apreendidas na utilização de arbitragem
internacional de investimentos podem ser minadas quando as partes têm que
conviver com a insegurança jurídica gerada pela falta de uniformidade e
previsibilidade das decisões15. O exame da conduta ilegal do investidor tem
admitido distintas abordagens como veremos no presente trabalho. As
características da arbitragem de investimentos reforçam o discurso de que as
particularidades fáticas e legais justificariam decisões distintas. De fato, o
instituto da arbitragem oferece soluções particularizadas, dependentes dos
termos em que o consentimento foi outorgado. Contudo, as decisões arbitrais
parecem caminhar no sentido de construir um saber jurídico próprio da área de
investimentos, desenvolvido como especialidade do Direito Internacional16. O
13 GUZMAN, A. Why LDCs Sign Treaties that Hurt Them: Explaining the Popularity of Bilateral
Investment Treaties. Berkeley Law Scholarship Repository, 1998. Disponível em:
http://scholarship.law.berkeley.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1903&context=facpubs Acesso
em 05 de setembro de 2014, p. 658.
14SASSE, J. P. An Economic Analysis of Bilateral Investment Treaties [Kindle Edition].
Okonomische Analyse des Rechts. Hamburg: Gabler Verlag, 2011.
15 Sobre inconsistência e imprevisibilidade das decisões na arbitragem do ICSID ver: GOMEZ,
K. F. Latin America and ICSID: David versus Goliath? Research Paper, University of Zaragoza,
Zaragoza, 2010. Disponível em Acesso em 29 de junho de
2015; BALCHIN, C et al. The backlash against investment arbitration. Alphen aan den Rijn:
Kluwer Law International, 2010.
16 VAN HARTEN, G; LOUGHLIN, M. Investment Treaty Arbitration as a Species of Global
Administrative Law. The European Journal of International Law, vol. 17, n. 1, 2006, p. 121-150;
LOWENFELD, A. International Economic Law. 2a. ed. Oxford: Oxford University Press, 2008;
KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle e POTESTÁ, Michele. Can the Mauritius Convention Serve
as a Model for the Reform of Investor-State Arbitration in Connection with the Introduction of a
Permanent Investment Triibunal or an Appeal Mechanism: analysis and roadmap. CIDS Geneva
Center for International Dispute Settlement. 3 de junho de 2016; SALACUSE, Jeswald W. The
Emerging Global Regime for Investment. Harvard International Law, vol. 51, n. 2, Summer 2010.
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