Paradigmas e paradoxos dos movimentos de mulheres (feministas?) no Brasil

AutorLutiana Nacur Lorentz
Ocupação do AutorProcuradora Regional do Trabalho em Minas Gerais
Páginas171-188
PARADIGMAS E PARADOXOS DOS
MOVIMENTOS DE MULHERES (FEMINISTAS?)
NO BRASIL
Lutiana Nacur Lorentz
Procuradora Regional do Trabalho em Minas Gerais. Assessora do Conselho Nacional
do Ministério Público na Comissão de Defesa de Direitos Fundamentais. Professora
Adjunta I da Universidade FUMEC. Professora da Escola Superior do Ministério Público
da União. Visitante na Universidade La Sapienza, de Roma. Doutora e Mestra em Direito
Processual pela PUC Minas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Análise dos dez tipos de feminismo: do carreirismo branco ao des-
colonial. 3. Breve inventário jurídico da normatividade concernente à mulher no mundo e no
Brasil. 4. A infomisoginia: Men’s Rights Activists (MRAs), Masculinistas (mascus) e involuntary
celibates (incels). 5. As fases do movimento feminista no mundo e no Brasil e pesquisa estatís-
tica no Direito do Trabalho, no Direito Penal e no Poder Legislativo brasileiro. 6. Proposições.
7. Conclusões. 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como propósito fazer uma análise crítica dos dez principais tipos
de feminismo: o carreirismo branco; o neoliberal; o negro; o verde ou ecofeminismo;
o interseccional; o social democrático; o comunista e o socialista; o comunitário; o
LGBTQI+; e o descolonial. As chaves de leitura deste estudo são, em primeiro lugar, o
feminismo descolonial (Lugones) e, depois, o interseccional (Fraser).
Foi analisada a questão da mulher, em geral, nas angulações normativas e his-
tóricas. Inventariou-se a normatividade feminina no mundo (método dedutivo) e no
Brasil (método indutivo), incluindo a questão da infomisoginia (chans, MRAs, incels).
Na sequência, analisaram-se as quatro grandes fases do movimento feminista. Foi feita
pesquisa estatística que comprova as discriminações sofridas pela mulher no Brasil em
quatro recortes: remuneração (redistribuição), feminicídios, mídia (reconhecimento)
e representatividade (Poder Legislativo). Realizaram-se pesquisas bibliográf‌icas e esta-
tísticas sobre a situação do gênero feminino feitas pela Organização das Nações Unidas
(ONU), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), pelo Instituto Brasileiro de Geograf‌ia e Estatística (IBGE) e
pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Na conclusão, foram apresen-
tadas proposições de ressignif‌icações evolutivas de gênero no Brasil.
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LUTIANA NACUR LORENTZ
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2. ANÁLISE DOS DEZ TIPOS DE FEMINISMO: DO CARREIRISMO BRANCO AO
DESCOLONIAL
A presente pesquisa apresentará de maneira perfunctória (apesar de se reconhecer
a prejudicialidade das categorizações analíticas do capitalismo separatista e desagrega-
dor), apenas para f‌ins de reconhecimento crítico, os dez principais tipos de feminismo: o
carreirismo branco; o neoliberal; o negro; o ecofeminismo, ou feminismo verde; o inter-
seccional; o social democrático; o comunista e o socialista; o comunitário; o LGBTQI+;
e o descolonial. Entretanto, vale fazer a ressalva de que vários tipos de feminismos se
sobrepõem e se ligam, enquanto outros se opõem.
O feminismo carreirismo branco, ou de conveniência, ou de perfumaria, na ver-
dade é uma fraude ao real movimento, porque tem como reais propósitos alavancar
a carreira de específ‌icas mulheres, em geral brancas, que reproduzem os motes da
sociedade patriarcal, machista e excludente tanto internamente, ou seja, nas próprias
casas oprimem empregadas domésticas, em regra, negras, quanto externamente, sendo
refratárias à libertação das mulheres (especialmente pobres), negando-lhes direitos
sociais fundamentais, notadamente os trabalhistas. A esses movimentos são apresen-
tados os questionamentos: o que signif‌ica seu “nós, mulheres brancas”? Em que tipo
de realidade vocês trabalham? Uma única? Lamentavelmente, é o mais recorrente hoje
em dia, sobretudo em algumas bancadas religiosas de extrema direita que entendem
que a forma de libertação das mulheres é justamente a de lhes tirar direitos e mantê-las
em situações subalternizadas.
Este “feminismo” (na verdade, movimento de mulheres) aderiu ao PL n. 867/2015,
“Escola Sem Partido”, que visa negar as discriminações em geral e ao gênero feminino.
Esse PL tem o objetivo de eliminar discussões religiosas, morais e sexuais do debate
acadêmico e escolar, em oposição à jusfundamentalidade da liberdade docente e dis-
cente da CF/1988, art. 206, II, e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), ratif‌icada pelo
Brasil, art. 8º, letra b:
[...] b) modicar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres, inclusive a formula-
ção de programas formais e não formais adequados a todos os níveis do processo educacional, a m
de combater preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade
ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher,
que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher; [...]. (Organização dos Estados Americanos,
1994, grifo nosso).
O feminismo neoliberal alinha-se de certa forma ao carreirismo branco, porque
propugna pela retirada de direitos trabalhistas às mulheres em geral, mas se diferencia
deste, porque, além disso, pretende a retirada do Estado da maior parte das relações,
deixando ao mercado, ou melhor, a transnacionais, grandes empresas nacionais e bolsa
de valores o comando da economia (e do mundo) em um verdadeiro capitalismo sem
peias, prevalecendo a lei do mais forte, a formação de cartéis, a ausência de direito de
concorrência, o aumento da miséria dos empregados (e da população em geral), a volta
do trabalho escravo (Miraglia, 2015) e infantil, a concentração brutal de renda, o aumento
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