A perda gradativa de conteúdo dos contratos de seguro a partir da análise de caso concreto: a vigência do seguro de riscos de engenharia

AutorWolf Ejzenberg
Páginas329-347
329
15 .
A PE RD A G RA DA TI VA DE CO NT DO DOS
CO NT RA TO S D E S EG UR O A P AR TI R D A A LI SE
DE CA SO CO NC RE TO : A VI NC IA DO SE GU RO
DE RI SC OS DE EN GE NH AR IA
Wolf Ejzenberg
INTRODUÇÃO
Repetição de padrões de comportamento não é suficiente para a extração de
conceitos definidos ou verdades absolutas
É clássica a referência aos estudos desenvolvidos pelo fisiologista russo Ivan
Petrovich Pavlov (1849 – 1936) no campo da psicologia denominado behavio-
rismo, o qual se notabilizou pelo experimento envolvendo os horários de alimen-
tação de seu cachorro. Sempre que iria alimentá-lo, Pavlov soava um pequeno sino,
até que, com o tempo, identificou que independente do momento, o simples ruído
daquele instrumento sonoro levava seu cachorro a salivar, pelo condicionamento
de seu comportamento de se alimentar sempre que aquele som era ouvido.
Existem também referências genéricas a outro experimento behaviorista que
envolvia a observação de padrões de comportamento utilizando-se um grupo de
macacos que eram presos dentro de determinada jaula, em cujo centro havia uma
escada. No topo da escada eram colocados alimentos e, sempre que algum macaco
iniciava a subida para alcançá-los, jatos de água eram acionados sobre os demais
componentes do grupo. Com o tempo, passou-se a observar que sempre que algum
macaco ameaçasse o movimento de subida, era agredido pelos demais.
A partir desse ponto, substituía-se gradativamente os componentes do grupo
original por novos macacos, um a cada vez, até que todo o grupo original fosse
substituído. Mesmo assim, ainda que nenhum dos novos integrantes da jaula hou-
vesse sido atingido pelo jato de água, era mantido o padrão de comportamento
Direito_do_Seguro_Contemporaneo_TOMO-I_(MIOLO)_PROVA-5.indd 329Direito_do_Seguro_Contemporaneo_TOMO-I_(MIOLO)_PROVA-5.indd 329 14/05/2021 16:27:4014/05/2021 16:27:40
WO L F E J Z E N B E R G
330
envolvendo a agressão do macaco que iniciasse a subida da escada pelos demais
integrantes do grupo, que repetiam a resposta condicionada mesmo sem qualquer
informação a respeito da origem daquele ato de agressão.
Não raro, na lida com disputas relacionadas aos contratos de seguro, surgem
situações em que a explicação fornecida para a pretendida solução de um impasse
recorre à identificação do que seria a prática reiterada pelos atores que conformam
o “mercado segurador”. A partir da repetição de determinado comportamento, ou
ainda, da repetição da justificativa para solucionar impasses com base nesse deter-
minado comportamento, começa a se sedimentar uma aparente realidade que se
justifica por si só, sem uma preocupação efetiva com os efeitos dessa repetição, ou
mesmo com a coerência dela com princípios e origens históricas de conceitos e
aspectos essenciais dos contratos de seguro.
Nessa lógica, a mera repetição de comportamentos como justificativa para sua
reiteração futura tende a criar caminhos perigosos para, com o tempo, simplesmente
se perder de vista qual seria o critério correto de interpretação que deveria prevalecer
para se buscar a superação de alguma disputa entre segurado e seguradora.
O presente artigo busca trazer à tona uma avaliação crítica desse aspecto na
prática cotidiana relacionada aos contratos de seguro, essencialmente para apontar
a necessidade de, para enfrentar determinados impasses, superar-se a mera refe-
rência cotidiana a uma repetição de comportamentos ou de padrões de cláusulas
de apólices, buscando-se a efetiva natureza dos conceitos envolvidos na discussão
para a compreensão da melhor resposta possível.
Essa preocupação é relevante ainda mais quando se observa o comportamento
reiterado de se criar uma espécie de “jurisprudência negativa” a partir da expe-
riência concreta envolvendo disputas específicas. Quando aqui se faz menção à
expressão “jurisprudência negativa”, não há qualquer ilação com respeito a decisões
do Poder Judiciário, mas sim a um “amadurecimento” na redação de clausulados
padronizados por entidades responsáveis pela regulamentação do seguro (CNSP,
Susep e, até pouco tempo atrás, o IRB), ou mesmo por grandes grupos seguradores
internacionais, que tende a tratar de modo excludente questões que foram objeto
de disputas importantes em exercícios anteriores. Assim, a partir do teste empírico
dos efeitos que a redação de determinada cláusula acarretou, altera-se convenien-
temente sua redação, ou mesmo se suprime determinada previsão contratual, para
evitar o mesmo dissabor futuramente.
O problema é que, na maioria das vezes, essa tendência reducionista acaba por
agredir conceitos basilares dos contratos de seguro, que, pela repetição reiterada
Direito_do_Seguro_Contemporaneo_TOMO-I_(MIOLO)_PROVA-5.indd 330Direito_do_Seguro_Contemporaneo_TOMO-I_(MIOLO)_PROVA-5.indd 330 14/05/2021 16:27:4014/05/2021 16:27:40

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT