Precedentes

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PRECEDENTES
A ideia de imposição de sanções penais aos responsáveis por crimes de
guerra, consagrada pela teoria e prática do Tribunal de Nuremberg, é um edi-
fício cujas fundações foram construídas ao longo da história da humanidade.
Como bem observa o Prof. Donnedieu de Vabres, tal imposição de Nuremberg,
onde atuou como juiz, nest pas l’eet d’une improvisation. Elle est le résultat d’un
mouvement d’idées qui s’est prolongé pendant des siècles.1
Esse movimento de ideias foi muitas vezes acompanhado ou mesmo an-
tecedido por registros providos pela História. Um dos primeiros seria a co-
munidade de direitos que unia os diversos Estados da Grécia Antiga, a qual
teria dado origem a manifestações de Direito Penal internacional. A Liga
Anctiônica testemunha a existência dessa comunidade jurídica. Entre os
relatos antigos, está o registro de uma expedição de povos gregos na Sicília,
dirigida pelos atenienses, a qual provocou o julgamento dos generais venci-
dos. Sua pena teria sido a condenação à morte, a despeito de uma intervenção
eloquente em defesa destes.
Há ainda o caso dos lacedemônios e seus aliados que, em sequência à des-
truição da esquadra ateniense em Aegospótamos, julgaram e condenaram à
morte os vencidos atenienses, por crimes de guerra.
1 “[...] não é efeito de uma improvisação. Ela é result ado de um movimento de ideias que
se prolongou durante os sécu los.” DONNEDIEU DE VABRES, Henry Fel ix Auguste. Le
procès de Nuremberg. Cours d e doctorat professé à la Faculté de D roit de Paris. Pari s:
Domat Montchrestien, 1947. p. 1. (Tradução nossa).
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ANA LUIZA ALMEIDA FERRO
Na Antiguidade Romana, à exceção de um período inicial que contempla-
va um certo regime de igualdade entre Roma e as cidades vizinhas, ndo com
a queda de Cartago, as relações de Roma com os países submetidos ao Império
constituíam empecilho ao surgimento de um autêntico Direito Internacional
Público. Isto porque a regra consagrada pela Lei das Doze Tábuas era a do es-
trangeiro como inimigo: adversus hostem aeterna auctoritas esto .
A noção de bellum justum tampouco favorecia a instituição de um ver-
dadeiro judicium, porquanto ela implicava o empreendimento de uma guer-
ra seguindo os ritos secretos ditados pela religião. Quando César vence
Vercingétorix, lança-o na prisão e, depois de alguns meses, arrasta-o em seu
cortejo triunfal para levá-lo ao suplício, não há aí uma instância judiciária ou
judicium, mas simplesmente uma atitude política.
A verdade é que a Antiguidade, como livro primeiro da Enciclopédia da
História, não poderia ter-se furtado a apresentar páginas e páginas de vencidos
à mercê dos vencedores, uma realidade cujo símbolo é o vae victis de Breno,
expondo a prática da arbitrariedade dos vitoriosos, uma prática que teve sua
continuidade na Idade Média e mesmo posteriormente.
Apesar da prática do vae victis, a Idade Média possui uma contribuição
mais signicativa com relação ao movimento de ideias precursor da repressão
dos crimes de guerra.
A Igreja desenvolveu as concepções de amor cristão e de fraternidade
humana expressas nas instituições conhecidas como “paz de Deus” e “trégua
de Deus.” A “paz de Deus” proibia os combatentes de fazer qualquer mal aos
clérigos, às mulheres e crianças, aos lavradores e à população civil em geral,
enquanto a “trégua de Deus” proibia as hostilidades durante certos períodos
como o Advento, a Quaresma e o meio da semana, do sábado à quarta-feira.
Tais restrições tinham sua sanção, a qual consistia na excomunhão pronuncia-
da pelas jurisdições eclesiásticas, apoiadas pela jurisdição espiritual exercida
pela Igreja em relação aos éis.
Já na Idade Moderna, tem-se um novo precedente de julgamento do venci-
do pelo vencedor. Em 1474, Sir Peter of Hagembach, governador da cidade de
Breisach, aí implantou um período de terror. Tendo posteriormente caído em
poder da Áustria, o governador foi julgado por juízes deste país e cidades alia-
das, bem como por dezesseis cavaleiros representando a Ordem da Cavalaria.
Sob a inspiração do m do feudalismo, da decadência da jurisdição ecle-
siástica e do crescente fortalecimento do poder real, emergiu um movimento
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