Princípios Jurídicos

AutorEvandro Paes Barbosa
Ocupação do AutorMestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas17-37

Page 17

Os princípios são normas informadoras de normas inferiores no sistema jurídico e servem como limites objetivos ou valores, tanto para o legislador como para o intérprete do direito.

O estudo dos princípios tem sido direcionado para duas questões: 1) se são eles normas jurídicas; e 2) qual a sua posição no quadro do ordenamento jurídico.

Os autores mais conceituados estabeleceram entendimento segundo o qual o princípio é norma jurídica.

Norberto Bobbio2foi o pioneiro ao atribuir ao princípio a natureza de norma jurídica, ao dizer que:

"os princípios são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas gerais. A palavra ‘princípio’ leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios são normas. Para mim, não há dúvidas: os princípios são normas como todas as outras."

A doutrina nacional aponta como principal característica do princípio a sua função de dar ao sistema jurí-

Page 18

dico estrutura e coesão. A esse respeito, Roque Antonio Carrazza3assinala que os princípios:

"... se mostram hierarquizados no mundo do Direito. De fato, alguns deles, mais abrangentes, fulcram todo o sistema jurídico - são os princípios jurídicos constitucionais - irradiando efeitos sobre outros, de conotação mais restrita. Estes, de sua parte, acabam condicionando novos princípios mais particularizados, e, deste modo, escalonada e sucessivamente, até as normas mais específicas, numa vasta cadeia, cujo enredo só o jurista tem condições de entender."

Desse modo, pode-se verificar que o princípio ocupa posição superior às outras normas. Desde os princípios constitucionais, o intérprete irá cotejar se a norma inferior foi produzida com autorização e em harmonia com o princípio superior que lhe dá fundamento.

Celso Antonio Bandeira de Melo4, em lição sempre lembrada pelos autores, assinala:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente para definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

O estudo dos princípios é indispensável neste trabalho, pois o intérprete deverá examinar se a elaboração

Page 19

da regra-matriz do IPTU obedece aos princípios constitucionais.

Estudaremos a regra-matriz do IPTU e a progressividade. Faz-se necessária a exposição de alguns princípios a ele aplicáveis. Destacamos, de início, o princípio da legalidade tributária. Outros princípios, aplicáveis ao IPTU, serão estudados no decorrer do trabalho, como o da capacidade contributiva, da igualdade, da anteriori-dade nonagesimal e o da segurança jurídica.

2. 1 Legalidade Tributária

O nosso sistema jurídico tem como uma de suas vigas mestras o princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal). A Carta constitucional de 1988 especificou este princípio como de estrita legalidade, no sistema tributário: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

(art. 150, inciso I).

O princípio da legalidade representa a evolução histórica dos direitos do homem. O seu marco inicial pode ser estabelecido pela Magna Carta Inglesa, de 1215, onde o Povo, através de seus representantes, limitou o poder estatal, ao exigir tributos dos Contribuintes (Amé-rico Lourenço Masset Lacombe, Princípios Constitucionais Tributários, 2ª ed. Malheiros, 2000, pág. 45).

Page 20

Na Declaração de Direitos de 1789, tornaram-se expressos os direitos e garantias fundamentais do Cidadão:

"A liberdade consiste no poder de fazer tudo o que não ofende a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites além daqueles que asseguram a outros membros da sociedade o gozo destes mesmos direitos. Estes limites não podem ser estabelecidos senão pela lei."

(art. 6º)

O indivíduo passou a poder praticar todos os atos que a Lei não o proibisse. O Poder Legislativo somente elabora a Lei, nos limites autorizados pela Constituição. A Administração somente pode agir em conformidade com a lei.

O art. 5º, inciso II, da Carta Magna é garantia fundamental do Estado de Direito. A Lei Maior limita o direito do cidadão, que deve respeitar os direitos de todos os demais indivíduos. A atividade do Legislativo é exercida nos limites autorizados pela Carta Magna. O governo deve respeitar a propriedade, a liberdade e os demais direitos individuais, quando age buscando realizar as finalidades estatais.

Marcando o início de uma nova época, a Declaração dos Direitos, de 1789, regulou as relações dos indivíduos entre si e dos indivíduos perante o Estado, limitando os respectivos direitos. Os representantes do Povo votam a Lei, que limitará as condutas do governo, do povo e do Poder Legislativo.

Page 21

É o que assinala Roque Antonio Carrazza5:

"Sendo a lei ‘a expressão da vontade geral’, é inimaginável que o povo possa oprimir a si próprio. Eis porque as matérias mais importantes são inteiramente reservadas à lei; é o caso das que dizem respeito à liberdade e à propriedade, v.g., penas, multas e tributos, etc."

Pelo princípio da legalidade tributária, nenhum tributo pode ser instituído por qualquer ente tributante, sem prévia lei. O Brasil se declara "Estado de Direito" (art. 1º do Texto Supremo). O Estado de Direito somente existe se a lei for expressão da vontade popular. O cidadão não pode ser compelido "a fazer ou não fazer, senão em virtude de lei" (art. 5º, inciso II da Carta Magna).

No nosso sistema, a lei deve ser votada pelos representantes do povo. O Estado, isto é, o Poder Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o cidadão se submetem a ela. Como no Direito Penal, o Direito Tributário é regido pelo princípio da estrita legalidade.

Esta comparação é feita por Sacha Calmon Navarro Coelho6:

Tanto quanto o Direito Penal, o Direito Tributário registra, ao longo de sua evolução histórica, a luta indormida dos povos para submeter o poder dos governantes ao primado da legalidade. O jus puniendi e jus tributandi foram, antanhos, absolutos. Hoje, todavia, se repete por toda parte: nullum tributum, nulla poena sine lege. Assim o quer a consciência jurídica hodierna. Estado de Direito e legalidade na tributação são termos equivalentes. Onde

Page 22

houver Estado de Direito haverá respeito ao princípio da reserva de lei em matéria tributária. Onde prevalecer o arbítrio tributário certamente inexistirá Estado de Direito. E, pois, liberdade e segurança tampouco existirão.

Em atendimento ao princípio da estrita legalidade tributária, é indispensável que a regra matriz de incidência, com todos os seus critérios, esteja prevista na lei com que a pessoa jurídica de Direito público se apresentará perante o contribuinte, exigindo o tributo.

Qualquer criação ou majoração do tributo somente ingressará no sistema jurídico tributário se a obrigação tributária, além de atender a outros princípios, for veiculada por prévia lei ordinária do ente competente.

2. 2 A Capacidade Contributiva

Estabelece a Constituição Federal:

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (§ 1º do art. 145).

O princípio da capacidade contributiva serve como sinal de capacidade econômica, para medir-se o limite da tributação. Este sinal pode referir-se às condições pessoais do contribuinte, ou a manifestação objetiva de riqueza demonstrada pelo próprio objeto sobre o qual

Page 23

recai o tributo. Daí a distinção entre capacidade contributiva subjetiva e objetiva.

Há uma corrente que inadmite a aplicação do princípio da capacidade contributiva ao IPTU, considerando-o como um imposto real, e, por isso, incompatível com a progressividade decorrente de tal princípio.

O Professor Rubens Gomes de Sousa7conceituava capacidade contributiva como:

"soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades elementares de existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econômicas."

Vincenzo Carullo8...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT