Prote ção de dados clínicos e genéticos na era tecnológica: uma análise co m base nos avan ços da reprodu ção humana

AutorCíntia Rosa Pereira Lima e Ana Carolina Aboin
Páginas171-203
CAPÍTULO 5
PROTEÇÃO DE DADOS CLÍNICOS
E GENÉTICOS NA ERA TECNOLÓGICA:
UMA ANÁLISE COM BASE NOS AVANÇOS
DA REPRODUÇÃO HUMANA
Cíntia Rosa Pereira Lima
Livre-Docência em Direito Civil Existencial e Patrimonial pela Faculdade de Direito
de Ribeirão Preto (USP). Pós-Doutora em Direito Civil na Università degli Studi di
Camerino (Itália) com fomento CAPES (2014-2015). Doutora em Direito Civil pela
Faculdade de Direito da USP (2004-2009) com estágio na Universidade de Ottawa
(Canadá) com bolsa CAPES – PDEE – Doutorado Sanduíche. Graduada pela Faculdade
de Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP (2002).
Professora-Associada de Direito Civil da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo. Líder do Grupo de Pesquisa: Tutela jurídica dos dados
pessoais na internet (http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/4485179444454399) e
do Grupo de Pesquisa: Observatório do Marco Civil da Internet no Brasil (http://dgp.
cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2215582162179038).
Ana Carolina Aboin
Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo –
FDUSP. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da
Universidade de Coimbra – Portugal. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FDRP/USP. Professora de Direito Privado
da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, Campus Universitário de Alta
Floresta. Professora de Direito Civil da Faculdade de Direito de Alta Floresta – FADAF.
Advogada. E-mail: ana.aboin@gmail.com.
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Mas a poesia (inexplicável) da vida
Carlos Drummond de Andrade
Sumário: 5.1. Considerações iniciais – 5.2. Denições e proteção de dados clínicos e dados
genéticos no cenário global; 5.2.1. Conceitos; 5.2.2. Características; 5.2.3. Princípios aplicados
ao tratamento dos dados clínicos e dados genéticos – 5.3. Reprodução humana assistida e
tratamento de dados clínicos e dados genéticos: implicações ético-jurídicas – 5.4. Propostas
para o Direito brasileiro quanto à proteção de dados clínicos e dados genéticos; 5.4.1. A ne-
cessária intervenção de um órgão competente para scalização e controle da proteção dos
dados pessoais sensíveis – 5.5. Conclusões – 5.6. Referências Bibliográcas
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5.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As técnicas de reprodução humana assistidas trouxeram muitas possibilidades
para casais com diagnósticos de infertilidade e casais homoafetivos, porém trouxeram,
também, a realidade de bancos de dados genéticos e dados clínicos de casais nessas
situações, bem como de doadores de material genético e dos embriões.
Assim, o Direito deve estar atento a essas mudanças para que exista um controle
e f‌iscalização da coleta, da utilização, do armazenamento e do tratamento desses
dados clínicos e dados genéticos para evitar danos à humanidade.
Dentre as polêmicas, destacam-se: – a possibilidade de seleção embrionária
visando à escolha do sexo, cor dos olhos, dos cabelos, dentre outras características
estéticas, que dariam espaço aos denominados designed babies; – o uso de tais técni-
cas para a cura de doenças congênitas graves – seleção embrionária com f‌inalidade
terapêutica; – ou até mesmo para gerar bebês predestinados a salvar seus irmãos
portadores de doenças fatais (“irmão-salvador”). Por f‌im, as clínicas de reprodução
humana assistida têm um banco de dados com histórico dos dados clínicos dos casais
e dos doadores de material genético, sendo uma fonte de informação importante, mas
que pode ser utilizada com f‌inalidades espúrias como a odiosa “purif‌icação da raça
humana”, para f‌ins securitários entre outros que não estejam em desacordo com a
f‌inalidade para a qual tais informações foram coletadas e armazenadas.
Destaca-se que, no Brasil, não há lei específ‌ica sobre proteção de dados pessoais.
Há três projetos de lei em discussão na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4.060
de 2012, de autoria do E. Deputado Milton Monti, que sugere um sistema de proteção
de dados tímido e dissonante com o nível assegurado e exigido por outros países; o
Projeto de Lei 6.291 de 2016, de autoria do E. Deputado João Derly, que traz como
objeto apenas a vedação do compartilhamento de dados pessoais dos assinantes de
aplicações de internet, por meio da sugerida alteração do Marco Civil da Internet; e o
Projeto de Lei 5.276-A, de 2016, que é de autoria do Poder Executivo, sendo a nosso
ver o mais completo e capaz de oferecer um nível adequado de proteção dos dados
pessoais. Porém, nenhum desses projetos menciona a necessária proteção dos dados
clínicos e dados genéticos que, por sua especial natureza no que se refere à tutela da
pessoa humana para as presentes e futuras gerações, estão incompletos e merecem
reparos para acrescentar essa temática tão relevante.
Quanto à reprodução humana assistida, semelhantemente, não há uma lei que
regulamente essas atividades, apenas a Resolução 2.168/2017, publicada no D.O.U. de
10 de novembro de 2017, seção I, p. 73, que revogou a anterior, Resolução 2.121/2015
do Conselho Federal de Medicina (Publicada no D.O.U. de 24 de setembro de 2015,
Seção I, p. 117) que, diante a inércia do Legislativo, teve que se antecipar normati-
zando pontos polêmicos dessa atuação da medicina, que só aumenta, tendo em vista
o reconhecimento das famílias homoafetivas e o aumento da infertilidade em casais
(fatos mencionados com destaque nas Consideranda da atual Resolução).
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Capítulo 5 • proteção de dados ClíniCos e genétiCos na era teCnológiCa
Essa norma deontológica, porém, não disciplinou regras sobre proteção dos
dados clínicos dos casais que se submetem a essas técnicas e nem tão pouco dos
doadores ou das doadoras de material genético e dos embriões resultantes do pro-
cedimento de reprodução humana assistida. No capítulo III (“Referente às clínicas,
centros ou serviços que aplicam técnicas de RA”), há apenas referência (alínea 2) a
um “registro permanente (obtido por meio de informações observadas ou relatadas
por fonte competente) das gestações, dos nascimentos e das malformações de fetos
ou recém-nascidos provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade
em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e
embriões.” Bem como na alínea 3, menciona-se um registro permanente dos exames
laboratoriais a que são submetidos os pacientes, “com a f‌inalidade precípua de evitar
a transmissão de doenças”. Esses dados genéticos e clínicos deverão f‌icar à disposição
para f‌iscalização dos Conselhos Regionais de Medicina, porém sem especif‌icar as
regras para a proteção dessas informações pessoais.
Para suprir tal lacuna, nota-se o Projeto de Lei 115/2015, apresentado pelo
Deputado Juscelino Rezende Filho – PRP/MA, em três de fevereiro de 2015, que
“institui o Estatuto da Reprodução Assistida, para regular a aplicação e utilização
das técnicas de reprodução humana assistida e seus efeitos no âmbito das relações
civis sociais”, de autoria e fruto das pesquisas da Dra. Ana Cláudia Silva Scalquette,
após intensos debates na Comissão de Biodireito & Biotecnologia da OAB/SP, Seção
de São Paulo, que apoiou o encaminhamento do projeto de lei. Entretanto, não foi
inserido o tema sobre proteção de dados clínicos e dados genéticos nessa proposta.
Nesse sentido, o presente capítulo pretende trazer os conceitos basilares refe-
rentes à proteção de dados pessoais relacionados às técnicas de reprodução humana
assistida, bem como os princípios norteadores para as atividades de coleta, de ar-
mazenamento, de tratamento e de uso desses dados. Para, ao f‌inal, sugerir se esse
tema deveria ser inserido em uma “Lei Geral de Proteção de Dados” ou no “Estatuto
da Reprodução Assistida”. E, então, objetiva-se propor soluções para que o Direito
brasileiro possa garantir maior segurança a esses procedimentos sem desconsiderar
que essas técnicas se justif‌icam quando a pessoa é tratada como um f‌im em si mesma
e não como um meio.
5.2. DEFINIÇÕES E PROTEÇÃO DE DADOS CLÍNICOS E DADOS GENÉTICOS
NO CENÁRIO GLOBAL
Assim, o ponto de partida para a construção de um sistema de proteção de da-
dos pessoais é estabelecer conceitos que servirão de base ao intérprete e aplicador
do Direito. Dessa forma, inicialmente, deve-se considerar o conceito de reprodução
humana assistida def‌inido no art. 2o do Projeto de Lei 115/2015 supramencionado,
ou seja, “Art. 2º Reprodução Humana Assistida é aquela que decorre do emprego
de técnicas médicas cientif‌icamente aceitas de modo a interferir diretamente no ato
reprodutivo, viabilizando a fecundação e a gravidez.”
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