Questões Epistemológicas: o Sentido de Estudar a Empresa para o Direito do Trabalho Brasileiro

AutorEduardo Pragmácio Filho
Páginas27-36

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Esta pretende ser o esboço de uma “teoria da empresa para o direito do trabalho brasileiro”. O corte epistemológico é importante: não é uma teoria (geral) da empresa, tampouco é uma teoria da empresa para o direito, muito menos para todo e qualquer direito do trabalho. Trata-se, aqui, de uma teoria da empresa para o direito do trabalho brasileiro, até porque não existe um direito do trabalho universal.

A empresa é estudada pela economia, pela sociologia, pelo direito e por várias outras ciências. Ao que parece, não existe uma definição unitária e uníssona desse fenômeno tão complexo, marcante e mutante que é a empresa. Um diálogo, no entanto, se faz necessário entre a economia e o direito, para haver uma troca de experiências ou troca de visões, para melhor entender o fenômeno — ou, com perdão do trocadilho simplório, em relação à teoria de Coase, deve haver uma transação.1

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Não pode haver um isolamento científico do juslaboralista, ele não pode se limitar à sua disciplina, pois a autonomia e a independência do direito do trabalho não implicam sua incomunicabilidade com outros saberes.

Para essa jornada, para essa empresa, necessário denominar o objeto, descrevê-lo e, por fim, apontar novos rumos (de estudo, de interpretação, de aplicação e de responsabilização), ou seja, sistematizar um discurso que pretende ser, a um só tempo, coerente e completo, revelando também uma função social.

A função social do diálogo entre o direito do trabalho e a economia

Esse diálogo, esse discurso, é exatamente a função2 de um jurista. Aliás, a ciência do direito tem uma função social. Portanto, o juslaboralista, o cientista do direito do trabalho, também tem essa mesma função social.

A ciência jurídica tem um objeto, que é o direito (norma jurídica), muito embora esse objeto seja multidimensional. O jurista (como cientista) não prescreve o direito, pois quem o prescreve é o poder. O jurista descreve o direito, sistematizando-o.

A norma jurídica (objeto) nasce de um ato decisório (do poder) e se utiliza de uma linguagem legal de proposições prescritivas (uma conduta ou é proibida ou é obrigatória ou é permitida). A linguagem do jurista, por outro lado, como metalinguagem, não é obrigatória (como a norma jurídica), mas mera opinião sobre a norma jurídica, sem caráter prescritivo, tão somente descritivo.

Ao descrever o direito, o jurista escolhe um método, isto é, escolhe uma técnica que aponta critérios, diretrizes, para aplicar o direito, com a finalidade de se chegar a um fim, e esse fim é causar a menor perturbação social. Nesse sentido, o jurista é um técnico; seu pensamento, tecnológico.

A linguagem do jurista, como linguagem da ciência do direito, influi na aplicação do direito, no uso do direito pelos mais variados profissionais

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(advogados, juízes, promotores etc.), possibilitando decisões legislativas, judiciais, administrativas e contratuais, pois a finalidade da linguagem do jurista é convencer o outro, convencer e orientar ações decisórias.

Assim, uma abordagem científica e mais apropriada da norma jurídica — aqui especificamente do artigo 2º da CLT, o qual prescreve ser a empresa o empregador em uma relação de emprego —, sem olvidar um diálogo com outras ciências, sobretudo a economia, é importante para a interpretação de fenômenos tão complexos e próximos, o direito e a empresa, tão presentes no dia a dia de todas as pessoas.

Como diz Tercio Sampaio Ferraz Júnior (2015, p. 58), o jurista, atualmente, além de sistematizador e intérprete, também é um teórico do aconselhamento, das opções e das oportunidades, conforme um cálculo de custo-benefício. Seus enunciados são um corpo de fórmulas persuasivas que influem no comportamento dos destinatários, sem vinculá-los, podendo tomar a forma de orientações, exortações ou recomendações.

Por isso, na lição de Tercio Sampaio Ferraz Júnior (2015, p. 59), a ciência jurídica (dogmática jurídica) funciona, a um só tempo, como um: (i) agente pedagógico, institucionalizando a tradição jurídica, formando e conformando o modo pelo qual os juristas encaram os conflitos sociais; e como um (ii) agente social, criando uma realidade consensual a respeito do direito. Reside aí a função social da ciência do direito.

Assim, o pensamento tecnológico, como a ciência do direito, cria condições para a ação, para a decidibilidade3 de conflitos juridicamente definidos (FERRAZ JÚNIOR, 2015, p. 59).

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Com isso, a ciência jurídica é relevante não somente para o estudo em si do direito (caráter meramente descritivo-informativo), mas também para a aplicação do direito, empregando seu estudo também como elemento de controle do comportamento humano e social (DINIZ, 2014, p. 217).

Aos problemas apresentados pelo jurista, propõe-se uma solução possível e viável (decidibilidade)4, com vistas à pacificação social. Isto denota sua função social e natureza tecnológica, já que a ciência do direito tende a ensinar e não meramente explicar, como o fazem a história, a sociologia, a antropologia etc. (DINIZ, 2014, p. 216).

Maria Helena Diniz (2014, p. 217) arremata:

A função social da dogmática jurídica está no dever de limitar as possibilidades de variação na aplicação do direito e de controlar a consistência das decisões, tendo por base outras decisões. Só a partir de um estudo científico-jurídico é que se pode dizer o que é juridicamente possível. O ideal dos juristas é descobrir o que está implícito no ordenamento jurídico, reformulando-o, apresentando-o como um todo coerente e adequando-o às valorações sociais vigentes.

Em conclusão preliminar, portanto, ao descrever a norma jurídica (aqui especificamente o artigo 2º da CLT) e, também, indo um pouco mais além e descrevendo o fenômeno econômico (a empresa), o jurista dialoga com outros saberes e acaba influenciando a interpretação da norma jurídica e sua aplicação pelos mais variados profissionais e intérpretes (juízes, advogados, fiscais do trabalho etc.).

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Essa colaboração entre o direito e a economia, na visão de Rachel Sztajn (2004, p. 194), poderia trazer ótimos resultados para a compreensão do fenômeno, quando se aborda, sobretudo, o feixe de contratos e a estabilidade da produção (sic):

A colaboração entre economistas e operadores do direito poderia dar ótimos resultados na busca de normas para atividade, sobretudo, das firmas, sobretudo, da atividade. A linguagem científica das duas áreas do conhecimento é diferente: o economista emprega matemática, ciência exata, para demonstrar suas alegações, enquanto o jurista baseia-se em conceitos e institutos. Quando, porém, o fenômeno é econômico, e não só social, é de todo conveniente estabelecer o diálogo. Relativamente à empresa, é preciso analisar a correlação de muitas e diversas relações jurídicas que se enfeixam, de modo continuado, e estável ao longo do tempo, estabelecidas para a consecução de escopo e benefício comum. (SZTAJN, 2004, p. 194.)

Por meio desse diálogo, pretende-se construir o esboço de uma teoria da empresa para o direito do trabalho brasileiro, sistematizando, mediante um discurso que pretende ser, a um só tempo, coerente e completo. Em suma, pretende-se dizer: (i) o que é uma empresa; e, a partir daí, (ii) imputarlhe uma responsabilidade trabalhista.

Antes, porém, é necessário abordar o porquê da escolha do vocábulo empresa e quais significados ele pode gerar.

A terminologia adotada: “empresa”

Ao se estudar um objeto, muito importante nominá-lo. O vocábulo empresa é polissêmico, em vernáculo ele pode ter variados significados5, confundindo-se com a noção de sociedade (pessoa jurídica), firma, atividade econômica.

Empresa é atividade. Empresa não é pessoa...

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