Questões problemáticas ligadas aos contratos de seguros e planos de saúde na realidade brasileira

AutorOscar Ivan Prux
Páginas203-256
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Capítulo 7
QUESTÕES PROBLEMÁTICAS LIGADAS AOS
CONTRATOS DE SEGUROS E PLANOS DE SAÚDE
NA REALIDADE BRASILEIRA
O setor de saúde é um segmento em que sobressaem as
necessidades imensas e a escassez de recursos, dilema clássico da
economia, até por conta de que é uma utopia assegurar a ideal e perfeita
satisfação dessas necessidades assim que surgem. O tratamento médico
ou hospitalar que hoje é o mais avançado, amanhã poderá estar
descartado e substituído por um mais evoluído e eficaz, bem como,
normalmente de custo mais alto. Outro detalhe: na maioria dos países, o
notório envelhecimento da população cuja expectativa de vida não cessa
de aumentar, sobreleva o fato de que já não basta manter o ser humano
vivo, mas é preciso lhe conferir qualidade de vida. E essa condição não
ocorre apenas na saúde pública, mas igualmente no mercado da saúde
suplementar, integrada por uma variedade de contratações coligadas,
envolvendo a empresa fornecedora, os consumidores (que adquirem e/ou
que utilizam os serviços), os terceiros efetivos prestadores dos serviços,
tais como, médicos, hospitais, clínicas, outros tipos de casas de saúde,
profissionais das mais diversas áreas (por exemplo: psicólogos, dentistas
etc.), fornecedores de exames (de laboratório e de outros tipos),
medicamentos, próteses e outros elementos que participam dos
procedimentos (exemplo: serviços de locomoção de pacientes quando
inclusos nesses contratos), dentre outros.
Então, nessa gama de interesses, por vezes até díspares, ainda
mais por se tratar de um setor caracterizado pela complexidade, é comum
emergirem conflitos entre os agentes envolvidos. A gênese desses
desacertos reside substancialmente na problemática do ideal jurídico da
melhor saúde para todos e do previsto nos contratos considerando a
viabilidade econômica e seu equacionamento.
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7.1 As Posições Dissonantes quanto aos interesses dos Partícipes
deste Mercado e a Economia do Contrato
Da contratação do seguro ou plano de saúde até seu efetivo
cumprimento em prol do consumidor ocorrem múltiplos contratos
coligados. São contratos:
- da operadora com os consumidores (adquirentes ou utentes),
seja em contratos individuais ou familiares, seja em contratos coletivos
em que pessoas jurídicas contratam para os serviços serem utilizados por
pessoas físicas a elas ligadas;
- entre a fornecedora do seguro ou plano de saúde e os reais
prestadores do atendimento aos pacientes, no caso, médicos,
fisicoterapeutas, psicólogos, psiquiatras e outros profissionais que
trabalham na condição de pessoas físicas ou integrados em uma pessoa
jurídica;
- entre a fornecedora do seguro ou plano de saúde e casas de
saúde, bem como, indiretamente, as relações com os terceirizados destas;
- entre a fornecedora do seguro ou plano de saúde e a indústria
(indiretamente, na internação hospitalar ou, diretamente, quando a casa
de saúde pertence à seguradora ou operadora, ou existe previsão de
cobertura fora do ambiente hospitalar dos medicamentos, em especial em
casos de tratamentos de doenças crônicas), incluindo fármacos e,
principalmente, quando da aquisição de próteses, órteses e instrumentos e
acessórios para os atos médicos etc.
Note-se que os contratos de seguros e planos de saúde existem
para assegurar o risco, portanto, ao menos teoricamente, a incerteza
(imponderável) quanto ao evento doença faz parte dele e exige cálculos
complexos para o custeio ser devidamente previsto. Há nesse contexto
um jogo de forças notoriamente singular, dificilmente encontrável em
outros segmentos de mercado. Trata-se de um setor diferenciado com
especificidades muito típicas, a principiar pela posição e interesses dos
atores partícipes dessas contratações, como se pode arrolar na sequência.
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a) A posição, os interesses e a visão dos consumidores: o
consumidor busca no contrato principalmente à segurança financeira da
cobertura do risco representado por possível doença que lhe venha a
afetar, esta objetivamente é a sua razão primordial para contratar.
Também, a cobertura para verificações/exames preventivos de interesse
dele (e que merecem ser também da empresa fornecedora para prevenir e
evitar os danos no retardo da detecção de doença, ocasionando maiores
custos futuros). Entretanto, o consumidor não espera ser tratado/atendido
simplesmente com procedimentos de menor custo, mas sim em receber
tratamento que, segundo a expectativa que incorpora, tenha a melhor
qualidade em termos de técnica mais avançada indicada para o caso, tudo
independente do custo. Esses fatores são comuns mundialmente. Todavia,
em razão do previsto na Lei 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor) e também da Lei nº 9.656/98 (lei dos seguros e planos de
saúde), as expectativas dos consumidores são maiores no mercado
brasileiro, em que a cobertura ampla de quase todas as patologias tem
sido a regra. E essa expectativa é gerada principalmente a partir do direito
de acesso irrestrito à contratação de seguro ou plano por quem pode
pagar (independente de idade ou condição de saúde) e pela já mencionada
amplitude de cobertura prevista na legislação, tudo amparado na
concepção ideológica de que saúde se vincula ao direito à vida, um
direito humano fundamental que não poderia ser negado e cujos preceitos
se aplicam de imediato às relações privadas.
b) A posição, os interesses e a visão dos prestadores de serviços
(médicos, hospitais e outros tipos de casas de saúde, laboratórios de
exames, clínicas com aparelhos para exames, clínicas das mais diversas
especialidades, como fisioterapia, psicologia, psiquiatria etc.): os efetivos
prestadores do serviço têm na atividade um negócio que visa lucro ou
ganho. A eles interessa basicamente serem credenciados pela empresa
que comercializa o seguro ou plano de saúde, obter dela a melhor
remuneração e, paralelamente, conseguir a preferência de um maior
número de pacientes para atendimento. É comum que estes prestadores
mantenham a preocupação de estarem sempre com instrumentos
atualizados tecnologicamente e contarem com os melhores profissionais
para prestar um bom serviço, mas têm um negócio, de modo que o foco

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