Responsabilidade do Empregador por Dano Extrapatrimonial Reflexo

AutorFlaviana Rampazzo Soares
Ocupação do AutorCoordenadora
Páginas199-207

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1. Introdução

Este artigo pretende destacar a proteção à integridade física e psíquica do empregado, alargando a visão e ampliando o foco, para fazer-se enxergar, com máxima clareza, a responsabilidade do empregador, a fim de evidenciar a existência do dano ou do prejuízo causado a pessoa(s) ligada(s) ao empregado, por vínculos ou por laços de parentesco ou de afetividade, as quais também podem ser reconhecida(s) como vítima(s) e que, portanto, também passam a ser detentora(s) de pretensões indenizatórias.

2. Proteção à integridade física e psíquica do empregado

Além da obrigação fundamental de pagar o salário, o empregador tem outras obrigações oriundas do contrato de trabalho, como a de respeitar a integridade física e psíquica do empregado.

É, ainda, obrigação empresarial o cumprimento da gama de regras trabalhistas e previdenciárias inerentes à relação de emprego, que são responsáveis pela circunstância de o contrato de trabalho elevar as condições de pactuação da força de trabalho no sistema socioeconômico capitalista. Cumprir o Direito do Trabalho é, sob tal preceito, importante obrigação do empregador, cujo inadimplemento grave pode constituir, inclusive, infração apta a propiciar a ruptura contratual por sua culpa (art. 483, d, da CLT: “não cumprir o empregador as obrigações do contrato”).

Desse modo, a proteção à saúde e, por consequência, a proteção às condições de trabalho, à higiene, à segurança, à medicina e ao bem-estar físico e mental do empregado constituem deveres do empregador prescritos no contrato de trabalho.

Segundo Marcelo Roberto Bruno Válio: “A integridade físico-corporal é bem vital do indivíduo. Proteger o corpo e a mente consiste em opor-se a qualquer atentado que venha atingi-los. Ou seja, é direito fundamental do homem.”1Os trabalhadores, em geral, por necessidade econômica e por medo do desemprego, acabam se sujeitando a condições degradantes de trabalho, abdicando de seus direitos da personalidade.

Como lembra Laert Mantovani Júnior, percebe-se, continuamente, que o detentor do capital, não raras vezes:

[...] impõe sua vontade em razão de seu poderio econômico, sujeitando a parte mais fraca da relação de trabalho a aceitar suas imposições por uma questão de sobrevivência. Em razão disso, assolados pelo medo do desemprego, os empregados com muita frequência se submetem a qualquer condição imposta pelo empregador, mesmo que o (sic) exponha a situações extremamente vexatórias. Entre a luta pela sobrevivência e a sua dignidade, muitas vezes o trabalhador opta pela primeira.2O art. 5º, III, da CF/1988, protege o direito à integridade psicofísica da pessoa humana, ao estabelecer que “ninguém

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será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

Portanto, é dever do empregador respeitar a dignidade humana do trabalhador, por via da preservação de um meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado. O trabalho a ser executado pelo empregado deve ser digno em todos os sentidos, aliás, não só no plano material, mas, também, no aspecto imaterial.

O princípio da prevenção – aplicável aos ambientes em geral – representa regra inafastável na proteção ambiental e surge para evitar, prevenir e coibir possíveis danos ao meio ambiente, estabelecendo obrigação de indenizar e de restaurar o próprio, inibindo danos ao mesmo. Sua atenção está voltada para momento anterior ao da consumação do dano.

Conforme assinala Celso Antônio Pacheco Fiorillo, prevenção é a palavra de ordem com relação à proteção do meio ambiente. De acordo com o autor:

Adota-se, com inteligência e absoluta necessidade, o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente como verdadeira chave-mestra, pilar e sustentáculo da disciplina ambiental, dado o objetivo fundamentalmente preventivo do Direito Ambiental.3Neste sentido, Edis Milaré afirma:

O princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental, concernindo à prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de molde a reduzir ou a eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade.4Para tanto, no que se refere à prevenção no meio ambiente do trabalho, impõe-se como meta fundamental a consciência em se preservar a todo custo o material humano, proporcionando aos trabalhadores os meios e os equipamentos; além, é claro, da preparação suficiente para libertá-los das contingências desfavoráveis no ato de execução do labor. A prevenção dos acidentes profissionais, nesse sistema, aprioristicamente, integra o conjunto de métodos e de conjuntos destinados a evitá-los – princípio e fim da segurança do trabalho. De sorte que devem ser tomadas determinadas medidas, como a adaptação dos equipamentos e do maquinário em geral à capaci-dade física das pessoas, a diminuição da exposição aos ruídos, da poluição, dos agentes insalubres e perigosos em geral etc.

A esse respeito, Laert Mantovani Júnior argumenta:

O contrato de trabalho não deve visar apenas à realização de seus fins econômicos, vai além: funda-se na nobre missão também de propiciar o desenvolvimento da digni-dade de seus colaboradores e realizar a sua função social.5Conforme leciona Maurício Godinho Delgado, a expressão “existência digna de seres humanos” é ampla, abrangendo não somente a dimensão física, mas, também, a psicológica e ética dos indivíduos. Esta ampla abrangência não pode, ainda, obscurecer a proteção normativa à saúde e ao bem-estar do corpo humano, estuário da realização da vida da pessoa em todas as suas dimensões.6Segundo Elimar Szaniawski, uma doença ou qualquer ato que cause uma diminuição da integridade física do indivíduo são capazes de acarretar uma diminuição da capacidade de trabalho, das atividades normais e do relacionamento social, impedindo o desenvolvimento de sua personalidade. Assim, é necessária uma visão ampla e uma tutela ao direito à integridade física de modo genérico, a fim de assegurar o livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade humana.7A Constituição Federal de 1988 protege a saúde do trabalhador ao estatuir em seus arts. 7º, XXII, e 225, o seguinte:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]

XXII – a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para as presentes e para as futuras gerações.

Referindo-se, ainda, às atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelece a Constituição que ao mesmo cabe colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (art. 200, VIII, da CF/1988, grifo nosso).

Note-se que a decisão constitucional de inserir o meio ambiente do trabalho no conceito amplo de meio ambiente vivido reforça a tutela jurídica da saúde e do bem-estar do empregado, elevando o nível patamar das atribuições e das responsabilidades do empregador na área de saúde e de segurança obreiras.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dedica o seu Capítulo V à segurança e à medicina do trabalho; e, no âmbito administrativo do Ministério do Trabalho, há de se destacar a Portaria n. 3.214/1978, que também trata das questões relativas à segurança e à medicina do trabalho.

Logo, entre as obrigações assumidas pelo empregador por força do contrato de trabalho, figura a de respeitar a integridade física e psíquica do empregado na sua dignidade de pessoa humana. Seus objetivos são: evitar a ocorrência de acidentes de trabalho, de doenças profissionais ou mesmo a ocorrência do assédio sexual, de assédio moral individual, coletivo (individual homogêneo, difuso e coletivo) e organizacional, bem

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como de todas as situações capazes de gerar danos à saúde
física e mental do empregado.

Conforme Carlos Alberto Bittar, a integridade compreende o “direito de manter a higidez física e a lucidez mental do ser, opondo-se a qualquer atentado que venha a atingi-las, como direito oponível a todos”.8Assim sendo, é também “indissociável da integridade psíquica ou moral que é o direito à incolumidade da mente, que se destina a preservar o conjunto pensante da estrutura humana”.9Então, o empregador tem o dever de proteger a saúde física e psíquica do trabalhador. A partir das determinações constitucionais já mencionadas (arts. 7º, XXII; 196; 225; 200, VIII, da CF/1988), a CLT estabelece caber ao empregador “cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho” (art. 157, I, da CLT), agindo de modo a “instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais” (art. 157, II, da CLT).

Cabe ao empregador, ainda, exigir o uso dos equipamentos de proteção individual, consistindo justa causa para o rompimento do contrato a negativa do uso por parte do empregado, conforme preceitua o art. 158 da CLT.

O empregado, contudo, pode negar-se a trabalhar, se houver risco fundado de dano à sua saúde ou à sua integridade física. Como estabelece o art. 483, c, da CLT:

Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: [...]

  1. correr perigo manifesto de mal considerável; [...]

Imperioso observar, na seiva de Elimar Szaniawski, um aspecto de suma importância: “O direito à integridade da pessoa humana é um direito absoluto. Todos têm o dever de respeitar a incolumidade anatômica do indivíduo e sua saúde, não podendo atentar contra estes bens jurídicos de modo algum.”10Em face disso, incube ao empregador preservar a saúde e a dignidade do trabalhador, de modo a afastar, reduzir ou...

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