O Trabalhador em Tempos de Modernidade Líquida e Destruição Criadora

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro
Ocupação do AutorPós-Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Castilla-La Mancha com bolsa de pesquisa da CAPES
Páginas63-86

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5.1. A globalização

A globalização é o processo pelo qual os povos do mundo são incorporados em uma sociedade mundial, global. Refere-se à multiplicidade de relações e inter-conexões entre estados e sociedades, conformando o moderno sistema mundial. Faz parte de um processo pelo qual acontecimentos, decisões e atividades em uma parte do mundo podem vir a ter consequências significativas para indivíduos e coletividades em lugares distantes do globo.

De forma sintética, ela representa a integração mundial sob todos os aspectos. É instrumentalizada pela informatização e pelo encurtamento das distâncias propiciado pela internet. Caracteriza-se pela difusão em escala global de ideias relacionadas à economia, à filosofia e à política. Enfim, qualquer tema está apto a ser compartilhado por todas as nações e povos em questão de segundos.

Também se apresenta como um dos fatores que leva ao surgimento de conflitos de massa, de cunho coletivo e classista.

Luigi Ferrajoli explica que todo este processo de integração econômica mun-dial que chamamos globalização pode ser bem entendido como um vazio de direito público, produto da ausência de limites, regras e controles frente a forca, tanto dos Estados com maior potencial militar, como dos grandes poderes econômicos privados. Com a falta de instituições a altura das novas relações, o direito da globalização vem se modelando cada dia mais, menos pelas formas públicas, gerais e abstratas da lei, mas pelas privadas do contrato, signo de uma primazia incontro-versa da economia sobre a política e do mercado sobre a esfera pública.99

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Esta também é a opinião de Armando Castelar Pinheiro:

Dentro de cada país, também, a busca de um modelo econômico capaz de produzir uma integração competitiva na economia mundial tem levado à crescente interação entre o direito e a economia, como refletido no aumento da regulação e no uso mais intenso dos contratos como forma de organizar a produção, viabilizar o financiamento e distribuir os riscos. Em particular, as reformas dos anos 90 – privatização, abertura comercial, desregulamentação e reforma regulatória, na infra-estrutura e no sistema financeiro – deram grande impulso tanto à integração do Brasil na economia mundial como ao volume de regulação e à utilização de contratos.100A dicotomia entre público e privado que havia chegado ao fim com o Estado Social se restabelece com a crise de 1970 e com isso:

O posterior processo de globalização econômica fragilizou o Estado que passou a contar com cada vez menores poderes de condicionar, pela soberania, a atuação de forças presentes em seu território, retomando-se, pela via reversa, parte do poderio dos interesses e das liberdades privadas. A globalização econômica diminuiu a soberania política das nações, uma vez que os Estados perderam parte de seu poder de regulamentação independente. Pode-se ver a queda do Poder Público de intervir nas esferas particulares na constante privatização de bens estatais ou até mesmo no campo jurisdicional, como se percebe pelo crescimento da arbitragem e de outros meios alternativos à solução de litígios.101Nessa perspectiva, o fenômeno da globalização abriga diversos significados. É “desterritorialização, pois o centro do poder pode estar no país ou ser do país, mas pode estar em outro local do globo”102. Mas também possui um caráter de dominação, na medida em que constituiu vasto campo de conflitos entre grupos sociais, Estados e interesses hegemônicos, por um lado, e grupos sociais, Estados e interesses subalternos.103

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Ela é assim, um fenômeno marcado pela universalização e “eliminação das fronteiras nacionais, por um lado, o particularismo, a diversidade local, a identi-dade étnica e o regresso ao comunitarismo, por outro”.104Além disso, reflete no aumento da desigualdade entre países ricos e países pobres, na sobrepopulação, nos conflitos étnicos, nos desastres ambientais, “na migração internacional massiva, na emergência de novos Estados e na falência ou implosão de outros, na proliferação de guerras civis, no crime globalmente organizado e na democracia formal como uma condição política para a assistência internacional”.105Ou seja, ao mesmo tempo em que a globalização acelerou conquistas tecnológicas, também estagnou povos. “Ela é mecanismo utilizado pelo capital para, por exemplo, produzir onde os salários são mais baixos, pesquisar onde as leis são mais generosas e auferir lucros onde os impostos são menores”106.

Enquanto as transnacionais e as grandes corporações acumulam riquezas, populações pobres acumulam misérias, os trabalhadores sofrem pela precarização do trabalho.

Assim, a globalização praticada em sua versão neoliberal não realça a humanidade dos trabalhadores e a dignidade das pessoas de modo geral, beneficiando apenas uma minoria hegemônica, que arrasta e domina a maioria dos países subalternos. O paradigma da atual globalização fortalece corporações e debilita nações, concentra riquezas de um lado e pobreza de outro.

Nesse sentido, o problema que passa a assolar o mundo do trabalho não parece ser a globalização em si, mas os mecanismos que se utiliza em vista da exacerbação totalitária do lucro e do capital, instrumentalizando e coisificando os trabalhadores como “peças produtivas” que podem ser descartados. O grande desafio passa a ser a descoberta de formas de lidar com a globalização como totalitarismo econômico ou de mercado. A globalização neoliberal concretiza-se a partir do totalitarismo capitalista no contexto atual.

No contexto da globalização a esfera financeira se tornou autônoma, se apartou do processo de produção. Dinheiro vira dinheiro acumulando-se sem passar pela produção. Um dinheiro fetichizado, móvel, virtual, especulativo, em pleno deslocamento pelo mundo. É um dinheiro que não se imobiliza, não constrói empresas, não gera emprego, não cria sede, não gera vínculos, não gera impostos e, consequentemente, não há contrapartida social em forma de benefícios estatais à

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população. É o capital financeiro pelo capital financeiro que lucra sem produzir bens ou serviços. Nessa perspectiva, afirma Élio Gasda:

O mundo do trabalho está subordinado à hegemonia do capitalismo financeiro. As nações capitalistas se organizam através da relação capital e trabalho via mecanismos de mercado. Porém, nunca na história da humanidade dinheiro gerou tanto dinheiro de forma independente da produção. Formou-se um sólido mercado global de ações e mercados de futuros de mobilidade geográfica instantânea e permanente.107A globalização econômica do capital domina o mercado, o que acarreta a eliminação de milhares de trabalhadores do mercado de trabalho formal, sendo reduzidos à precarização, sendo pejotizados, vendo suas classes pulverizadas e seu poder de agir coletivamente minado. Haverá espaço para poucos. Qual o papel dos sindicatos? A globalização nos impõe novos desafios nos aspectos do Direito Coletivo do Trabalho.

Contemporaneamente se desenvolve a visão neoclássica do liberalismo, segundo a qual o desemprego deriva do fato de os salários estarem muito elevados, acima do seu nível de equilíbrio. Afirmam que a remuneração do trabalhador teria crescido muito em comparação aos ganhos de produtividade, e destacam os “efeitos negativos do bem-estar social”, como “os serviços sociais, a legislação de segurança no emprego, os salários mínimos e as negociações salariais centralmente negociadas”.108Mas o contraponto está na compreensão da importância do respeito dos direitos trabalhistas para a garantia dos direitos humanos, para o desenvolvimento da empresa e para uma contrapartida estatal para a sociedade. O pensamento tradicional de esquerda, humanista, afirma que a relação de emprego é chave de conectividade aos direitos sociais. Além disso, pode-se afirmar que a relação de emprego garantiu ambiente fecundo para a propagação e universalização de uma rede de proteção social assegurada pelo Estado por meio do Direito Previdenciário.

Nesse sentido, o emprego serve ao próprio sistema capitalista, enquanto seu pressuposto, na medida em que o surgimento, a permanência e o futuro do capitalismo dependem diretamente da existência da relação de emprego, ou seja, do trabalho livre mas juridicamente subordinado. Serve também ao Estado, como principal forma de arrecadação previdenciária e convém à própria sociedade, como meio de emancipação e desenvolvimento social.109

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A maioria dos trabalhadores continua sendo explorada pelo modo produtivo capitalista na esfera da globalização econômica. A ânsia exacerbada pela lucrativi-dade coloca em segundo plano a condição dos trabalhadores. Busca-se a redução de custos, o aumento na jornada de trabalho e a eliminação de direitos trabalhistas. Diversas empresas se aproveitam da crise econômica para aplicar suas políticas no processo de produção, admissão e demissão dos trabalhadores. Nesse contexto, é urgente uma rebelião voluntária em prol do reconhecimento, para que não se manipule os direitos conquistados. Ressaltamos os desafios da renovação tecnológica e da globalização econômica aos trabalhadores.

[...] a renovação tecnológica e a globalização apresentam uma faceta extremamente negativa. A inovação tecnológica, levada a cabo pela globalização, retira postos de trabalho formal, causando o desemprego tecnológico. E são justamente aqueles trabalhadores que outrora se sindicalizavam, que pressionavam coletivamente e tinham segurança no trabalho que perdem seus postos de trabalho. Isso enfraquece ainda mais o sindicalismo.110A globalização desfigura em parte as conquistas trabalhistas dos trabalhadores. O sindicalismo no cenário da globalização é enfraquecido e...

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