Tributação, democracia e liberdade: o tema do orçamento impositivo no ordenamento jurídico brasileiro

AutorArnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Ocupação do AutorLivre-Docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo-USP
Páginas603-636
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ΤΡΙΒΥΤΑ∩℘Ο, ∆ΕΜΟΧΡΑΧΙΑ Ε
ΛΙΒΕΡ∆Α∆Ε: Ο ΤΕΜΑ ∆Ο ΟΡ∩ΑΜΕΝΤΟ
ΙΜΠΟΣΙΤΙςΟ ΝΟ ΟΡ∆ΕΝΑΜΕΝΤΟ
ϑΥΡ⊆∆ΙΧΟ ΒΡΑΣΙΛΕΙΡΟ1
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy2
Índice: Introdução. 1. Tributação, democracia e liberdade e a natu-
reza jurídica do modelo orçamentário brasileiro. 2. A técnica do
contingenciamento. 3. Os modelos de orçamento. 4. As propostas de
introdução de orçamento impositivo. 5. A questão da intangibilidade
das cláusulas pétreas. 6. Conclusões. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
O presente artigo se desdobra no contexto da discussão
de emendas constitucionais que têm por objeto a implantação,
1. A linha argumentativa aqui defendida é pessoal do autor e não reflete,
necessariamente, a opinião do órgão para o qual presta serviços.
2. Livre-Docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo-USP. Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do
Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP. Professor
Visitante da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia-Berkeley.
Consultor-Geral da União.
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no modelo brasileiro, do chamado orçamento impositivo ou
mandatório. Tem como pano de fundo as relações entre tribu-
tação, democracia e liberdade, com estações em modelos or-
çamentários, vinculando-se fórmulas de direito financeiro e
direito tributário à luz da promoção de um ambiente livre e
democrático. Nesse assunto, há também recente alteração le-
gislativa, em nível infraconstitucional, veiculada por intermé-
dio de lei de diretrizes orçamentárias, nomeadamente, a Lei
Dispôs-se que o Poder Executivo deve honrar emendas
parlamentares até o limite de 1,2%. Isto é, tornou-se obrigató-
ria a execução orçamentária e financeira, de forma equitativa,
da programação incluída por emendas individuais em lei or-
çamentária.3 Essas emendas individuais serão aprovadas no
limite de 1.2% da receita líquida prevista no projeto encami-
nhado pelo Poder Executivo, sendo que metade desse percen-
tual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.4
Problematiza-se no presente artigo a constitucionalidade
das emendas que transitam, apontando-se alguma inconstitu-
cionalidade na pretensão (inciso III do § 4º do art. 60 da Cons-
tituição). Argumenta-se que o modelo de orçamento impositi-
vo fere a fórmula da independência e da harmonia entres os
poderes (art. 2º da Constituição), hostilizando-se, na essência,
o art. 165 do texto constitucional vigente.
1. A NATUREZA AUTORIZATIVA DO MODELO ORÇAMEN-
TÁRIO BRASILEIRO
O modelo orçamentário com o qual contamos notabiliza-se
por sua natureza autorizativa; isto é, percebe-se alguma dis-
cricionariedade do Poder Executivo na liquidação de despesas,
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o que se dá mediante o uso da técnica do contingenciamento.
Essa discricionariedade não se aplica às chamadas despesas
obrigatórias, bem como não revela casuísmo, idiossincrasia
ou preferência governamental.5 Entende-se o orçamento
como autorizativo, porquanto, uma vez “(...) discutido, apro-
vado, sancionado e publicado – autoriza o Estado a arrecadar
o necessário e suficiente para realizar, em nome do povo, as
suas aspirações”.6
Decorre, tão somente, da responsabilidade que se espera
do ordenador de despesas, o que se revela pela permanente
busca das metas fiscais. Não pode o gestor gastar mais do que
arrecada. Nesse sentido, há certa ficção na previsão de receitas,
em contrapartida a impressionante realismo na fixação de
despesas. Estas últimas, certas, dependem daquelas primeiras,
contingenciais. É essa tensão, entre a certeza da despesa e a
expectativa da receita, que se resolve por nosso modelo orça-
mentário, autorizativo, que se pretende transformar, matizan-
do-o como impositivo, ou mandatório.
Funções alocativas, distributivas e estabilizadoras do
Estado demandam atenção para com aspectos pragmáticos do
orçamento; isto é, “o orçamento continua sendo, marcadamente,
um instrumento básico de administração e, como tal, deve cum-
prir múltiplas funções”.7 Unidade, universalidade, periodicida-
de, não-afetação de receitas, exclusividade, equilíbrio, clareza,
publicidade e exatidão são os princípios que informam as
modernas técnicas orçamentárias.8
5. Em tema de orçamento público, conferir, por todos, CONTI, José Maurício
e SCAFF, Fernando Facury (coord.), Orçamentos Públicos e Direito Finan-
ceiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
6. PISCITELLI, Roberto Boccaccio, Orçamento Autorizativo X Orçamento
Impositivo, Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, Estudo,
setembro de 2006, p. 4.
7. GIACOMONI, James, Orçamento Público, São Paulo: Atlas, 2009, p. 60.
8. GIACOMONI, James, cit., pp. 63 e ss.

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