Da compensação

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas285-297

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22. 1 Conceito

"O contribuinte que paga indevidamente imposto tem direito a se creditar pelo montante atualizado, pois, caso contrário, haveria inadmissível favorecimento da Fazenda, em prejuízo do particular" (in RT 670/89).

A ementa do acórdão destacado retrata uma hipótese de uma pessoa ser credora da outra, ou seja, há dois créditos recíprocos entre as mesmas partes, aparecendo a compensação como meio extintivo de obrigações.

A compensação é, pois, um dos modos de extinção de obrigações. Por compensação deve-se entender "a extinção recíproca de obrigações até a concorrência de seus respectivos valores entre pessoas que são devedoras uma

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da outra".221Por exemplo, "A" deve R$ 20.000,00 a "B"; este deve a "A" a importância de R$ 10.000,00. Como eles são reciprocamente devedor e credor um do outro e as dívidas são fungíveis, líquidas e certas, opera-se, ipso jure, a extinção da obrigação até a concorrência dos valores dos objetos das obrigações, ficando, assim, um saldo favorável a "B" de R$ 10.000,00. Confira-se pelo seguinte aresto: "Para que se possibilite a compensação, é mister, dentre outros pressupostos, a reciprocidade das obrigações. O devedor poderá compensar com o credor apenas o que este lhe dever (art. 1.013, - novo, art. 371 - do CC)" - in RT 739/411.

O Instituto Jurídico da compensação representa uma variação de pagamento, uma forma especial de extinção das obrigações, quando os credores são, ao mesmo tempo, devedores um do outro. Nessa condição, não haverá necessidade que um pague ao outro. Os débitos recíprocos se extinguem. Se um débito for maior que o outro, a extinção recíproca se dará até o limite do menor; o excedente será a única dívida então existente.

Lacerda de Almeida assim explica a compensação: "Pode acontecer que o devedor seja credor de seu credor; para evitar o rodeio que necessariamente se daria de pagar ao devedor aquilo que logo iria cobrar como credor, institui-se a compensação, em virtude da qual as duas dívidas reciprocamente se extinguem até concorrente quantia. Compensação é, pois, o desconto de uma dívida a outra".222Em outras palavras: a compensação é uma operação de mútua quitação entre credores recíprocos, nos casos em que a lei a autoriza. Trata-se, portanto, de um instituto que desempenha importante função econômica em qualquer época, por estar baseada no princípio da eqüidade.

O Código Civil oferece o conceito legal da compensação: "Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem" (art. 368).

É, pois, um meio especial de extinguir as obrigações. "Substitui-se assim a um duplo pagamento, abreviando a operação no montante da obrigação menor, com a vantagem ainda de exonerar o mais diligente, ao pagar, do perigo de não receber da outra parte", observa Antônio Chaves.223Se são iguais os dois débitos, ficam extintos; se desiguais, até a concorrência do montante do menor.

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22. 2 Espécies de compensação

Duas são as espécies de compensação: a legal, e a convencional.

1) a legal é aquela que advém da lei; é a que se opera ipso jure, compulsoriamente, em virtude da lei, "que traça os requisitos em virtude dos quais extingue contemporânea de dois créditos opostos, independentemente da vontade das partes, e ainda que uma delas se oponha"224;

2) a convencional é aquela que resulta de convenção entre as partes e da qual o Código não cuidou. É regulada pelo que ficar estabelecido entre as partes. Ou seja, as partes podem perfeitamente convencionar a compensação, pois é criada pela vontade destas. Seria o caso, por exemplo, de "A" dever para "B" R$ 10.000,00, estando a dívida já vencida e "B" dever para "A" R$ 11.000,00, esta ainda não vencida. Perante a lei, a compensação é impossível, mas as partes podem ajustar a compensação até elas por elas.

O Código Civil só tratou da compensação legal, aquela que se processa automaticamente. É, então, do que trataremos.

22. 3 Condições para a compensação legal

A lei estabelece as condições necessárias para que se verifique, compulsoriamente, a compensação legal:

1) RECIPROCIDADE DAS OBRIGAÇÕES;

2) LIQUIDEZ DAS DÍVIDAS;

3) EXIGIBILIDADE ATUAL DAS PRESTAÇÕES;

4) FUNGIBILIDADE DAS COISAS DEVIDAS.

1) RECIPROCIDADE DAS OBRIGAÇÕES

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O artigo 368 do Código Civil, transcrito acima, revela-nos que a compensação só se opera entre duas pessoas, uma sendo credora e reciprocamente devedora da outra, ou seja, entre as mesmas partes e tocante aos respectivos débitos. Cada uma das partes somente pode compensar créditos próprios, nunca os alheios. Não pode ser compensado, por exemplo, o débito do sócio, de uma sociedade regular com o crédito da sociedade, pessoa jurídica, porque são duas pessoas distintas e uma não é devedora da outra, pois não há reciprocidade entre as mesmas partes. As partes, portanto, devem ser, ao mesmo tempo, credoras e devedoras uma da outra. Contudo, há exceções:

  1. O CASO DO FIADOR:

    O fiador responde solidariamente pelo cumprimento integral da dívida do seu afiançado. Se este não pagar, o seu credor executará os bens do fiador. O fiador é aquele que se obriga pelo pagamento da obrigação de outrem, prometendo pagá-la caso o devedor não a cumpra. Se o credor deve ao seu afiançado, e este deve àquele, ipso facto, opera-se a compensação até onde se compensarem (CC, art. 368).

    Concluindo, se o fiador for, então, pressionado pelo credor do seu afiançado a pagar dívida deste, a lei possibilita a compensação do débito do fiador junto ao afiançado. A permissão está no art. 371 do CC, in verbis:

    "O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever; mas o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado".

  2. O CASO DO DEVEDOR SOLIDÁRIO:

    Quando há vários devedores e todos sujeitos ao cumprimento da mesma obrigação, por inteiro, os devedores são solidários.

    Um devedor solidário só pode compensar com o credor o que este deve ao seu coobrigado. O Código anterior, art. 1.020, já fazia referência a essa situação: "O devedor solidário só pode compensar com o credor o que este deve ao seu coobrigado, até ao equivalente da parte deste na dívida comum".

    Exemplificando: "A" e "B" devem a "C" a quantia de R$ 10.000,00 e este deve a "B" R$ 5.000,00. Se "C" cobrar a dívida toda de "A", este poderá

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    opor compensação do crédito de "B", descontando o crédito que tem "B", pagando, portanto, a "C" apenas R$ 5.000,00. Analise, ainda, o exemplo fornecido pelo Prof. Sílvio Venosa: "Suponha-se que Pedro, Paulo e Antônio sejam devedores solidários de João pela importância de R$ 30.000. Paulo, por sua vez, é credor de João pela importância de R$ 40.000. Nos termos da dicção legal, Pedro ou Antônio podem compensar contra João apenas até o limite de R$ 10.000 cada um, por ser essa a parte de responsabilidade de Paulo na dívida solidária". E conclui: "Trata-se de aplicação antecipada do direito de regresso".225

  3. O CASO DA CESSÃO DE CRÉDITO:

    Diz o art. 377: "O devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a terceiros dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente. Se, porém, a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente".

    Um exemplo esclarece melhor e, para tanto, utilizamos da hipótese fornecida pelo saudoso Levenhagen: "Osório deve a Euclides a importância de R$ 50.000,00, que, por sua vez deve, também, a Osório a mesma importância. Euclides, sem qualquer notificação a Osório, faz cessão de seu crédito a José. Nesse caso, Osório poderá opor a José (cessionário de Euclides) a compensação que poderia opor ao mesmo Euclides, pois não foi cientificado da transação feita entre ambos. Se, entretanto, Euclides, ao fazer a cessão a José, - continua o autor - notifica Osório, este não poderá valer-se da compensação contra José, pois presume-se, no caso, que Osório, ciente da cessão feita por Euclides e não se opondo a essa transação, tenha renunciado ao seu direito de compensação.

    No caso de Euclides não ter feito a notificação a Osório - no exemplo formulado - finaliza o saudoso professor - a cessão a José não tem valor com respeito a Osório, mesmo por força do que dispõe o...

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