Do pagamento

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas172-191

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13. 1 Considerações introdutórias

Todas as relações jurídicas de natureza obrigacional, em sua trajetória pelo mundo jurídico, nascem, desenvolvem-se e se extinguem. E nessa evolução, duas fases se destacam: 1) a fase do dever, da obrigação propriamente

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dita. É o momento em que o devedor assume o dever de realizar a prestação; 2) a fase da liberação da obrigação assumida. É o momento do adimplemento, do cumprimento da obrigação.

A obrigação se extingue quando há o cumprimento da prestação, que libera o devedor. E se extingue por diversos modos, consoante explica Clóvis Beviláqua: "a) pagamento direto ou execução voluntária da obrigação; b) pagamento indireto pela dação em pagamento, novação, compensação, transação, confusão, remissão; c) extinção sem pagamento: pela prescrição; pela impossibilidade de execução sem culpa do devedor; pelo advento da condição ou do termo extintivo; d) execução forçada, em virtude de sentença".127

O pagamento não é o cumprimento coativo da obrigação, mas sim, um meio normal de extinção das obrigações. Seu objetivo é a execução voluntária e direta da prestação com o fim de liberar o devedor da obrigação assumida. Paga-se, por exemplo, quando se entrega a coisa prometida, quando há o término de uma obra, ou ainda, quando há a entrega de uma importância em dinheiro. Enfim, o pagamento é um modo normal e direto de extinguir a obrigação.

13. 2 Quadro sinótico dos modos de extinção das obrigações, segundo clóvis beviláqua

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13. 3 Conceito de pagamento

O Tribunal decidiu certa vez o seguinte:

"O cheque pós-datado bem caracteriza o pagamento "pro-solvendo". Antes do seu pagamento, não se considera a dívida solvida.

Não quita a dívida representada por duplicata o pagamento efetuado por meio de cheque sem fundo" (in RT 486/104).

Entende-se que o cheque é entregue pro-solvendo (para resolver) e não pro-soluto (para quitar, isto é, extinguir a dívida na hora), porque pressupõe a existência de fundos. De maneira que, embora seja meio de pagamento, implica num pagamento condicional: a condição da existência de fundos. Com base neste princípio, o TJSP decidiu que "pode ser rescindido pelo vendedor o contrato de compra e venda, quando o comprador der em pagamento cheque sem fundos, embora tendo sido este emitido por terceiro" (in RT 433/91); ou "não quita o aluguel, o seu pagamento por meio de cheque sem provisão de fundos.

A ordem de pagamento que envolve o cheque é apenas ordem, de promessa de pagamento, e por isso a sua emissão é pro solvendo e não pro soluto" (in RT 436/154).

Com esta doutrina também concorda Paulo Restiffe Neto que escreve: "É inerente ao cheque o caráter "pro solvendo". Só o efetivo recolhimento de correspondente importância em dinheiro extingue a dívida. Ao contrário, se por qualquer razão o beneficiário não consegue receber o valor correspondente ao cheque, subsiste a dívida que com ele se pretendeu pagar".128

O cheque é uma ordem de pagamento à vista, expedida contra um estabelecimento bancário no qual o emitente tem, em depósito, fundos em dinheiro. É, pois, um título representativo de dinheiro, que proporciona maior segurança e conforto ao seu portador. Somente após a verificação da existência de fundos é que a obrigação fica extinta. A condição da existência de fundos, por conseguinte, está inserida na figura do cheque.

O pagamento realizado pela entrega de certa quantia em dinheiro ou em cheque é, porém, a forma mais comum de cumprimento de uma obrigação. No entanto, essa natureza pecuniária específica, que corresponde ao objeto da obrigação, é apenas uma espécie de cumprimento de obrigação de dar, relembrando que a expressão pagamento não significa somente a entrega de

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certa soma de dinheiro (linguagem comum), mas é também utilizada pelo legislador com o sentido de "execução voluntária da obrigação". Representam formas de pagamento, a entrega ou a restituição de certo bem imóvel ou móvel (obrigação de dar); a realização de certa tarefa (obrigação de fazer); ou ainda, a abstenção de um fato (obrigação de não fazer). Um empresário que, alienando um estabelecimento, se compromete a não abrir outro congênere na mesma cidade, estará cumprido voluntariamente sua obrigação (pagamento) enquanto não negociar com o ramo de negócio em questão. Também estará efetuando pagamento, o vendedor que entregar um trator a uma fazenda, de acordo com o prometido.

Pagamento consiste, pois, na dação da coisa, na prestação ou na abstenção de um ato. Clóvis Beviláqua define-o como "execução voluntária da obrigação".129

A expressão "pagamento" é empregada como sinônimo de cumprimento, de adimplemento, de execução ou de solução da obrigação. Empregá-la-emos com o sentido de "execução voluntária da obrigação" ou "meio direto e voluntário de extinguir obrigação", acompanhando a orientação dada por Clóvis Beviláqua, Caio Mário da Silva Pereira, Sílvio Rodrigues e muitos outros ilustres civilistas. Veja a lição deste último: "Por vezes dá-se à palavra pagamento igual conotação. Todavia, parece mais exato considerar pagamento espécie do gênero adimplemento. Este último vocábulo abrange todos os modos, diretos ou indiretos, de extinção da obrigação, pela satisfação do credor. Inclui, portanto, a novação, a compensação, a confusão, a remissão de dívidas, a transação etc. O termo pagamento fica reservado para significar o desempenho voluntário de prestação, por parte do devedor".130

Trataremos, em seguida, das normas que regulam o pagamento.

13. 4 Requisitos constitutivos do pagamento

A obrigação é uma relação jurídica onde aparece alguém com o dever de dar, fazer ou não fazer alguma coisa em favor de outrem. Imprescindível, portanto, a presença de, pelo menos, duas pessoas: uma que assume o dever de dar, fazer ou não fazer alguma coisa; a outra em favor de quem será realizada a prestação.

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Necessário, portanto, que haja uma prestação, aquilo que a pessoa se obrigou a realizar em favor da outra. Dessa relação entre o sujeito ativo e o passivo, o credor e o devedor, é que nasce o vínculo obrigacional. Sem o vínculo não nasce a obrigação de pagar. Paga o devedor por ter se vinculado ao credor: aquele com o dever de realizar a prestação e este como beneficiário a quem a prestação deve ser feita.

Por conseguinte, para o pagamento constituir-se em meio eficaz de extinção de obrigação é indispensável:

1) a pessoa que efetua o pagamento;

2) a pessoa que recebe o pagamento;

3) o vínculo obrigacional.

13. 5 Pessoa que efetua o pagamento

A obrigação só se extingue quando há o cumprimento da prestação pelo devedor. É ele quem deve pagar, é ele o sujeito ativo da obrigação.

13.5. 1 Pagamento efetuado pelo próprio devedor por ser a obrigação personalíssima

Não se pode perder de vista que o cumprimento da obrigação chamase pagamento. Quando a obrigação é contraída em razão da pessoa do devedor, somente a este cumpre solver a prestação e o credor não pode ser constrangido a aceitar substituição. Se contrato com uma determinada pessoa a feitura de um muro, ficando estabelecido que deve ser feito exclusivamente por ele, não posso ser compelido a aceitar que outrem a faça. A regra está no art. 247 do CC, in verbis:

"Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível".

Tratando-se, portanto, de obrigação personalíssima, dependente das aptidões particulares do próprio devedor, não se transmite aos seus sucessores e o credor poderá se opor à realização da prestação por outrem. Vale dizer, o

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pagamento só pode ser feito pelo próprio devedor, por se tratar de uma obrigação contraída intuitu personae debitoris.131

13.5. 2 Pagamento quando a obrigação não for personalíssima

Se a obrigação não for personalíssima, por não depender das qualidades particulares do devedor, ao credor é indiferente quem irá solver a prestação. O que importa é o pagamento. É o que dita textualmente o art. 249 do CC, assim redigido: "Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível". Transmite-se, pois, o cumprimento da prestação a um terceiro, ou seja, de qualquer maneira, as convenções devem ser cumpridas (pacta sunt servanda = os pactos devem ser cumpridos). Morrendo o devedor, seus herdeiros ficarão obrigados ao pagamento do débito, mas até as forças da herança, ou seja, nunca além do que a massa hereditária lhe deixou. "O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança;..." - dispõe o art. 1.792 do CC. Vale dizer, o herdeiro do falecido somente desembolsará nas forças da herança, o que a massa hereditária lhe fornecer.

13.5. 3 Pagamento efetuado por qualquer interessado na extinção da dívida

Em primeiro plano, o sujeito passivo da relação obrigacional é o devedor;...

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