Do pagamento em consignação

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas222-241

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17. 1 Considerações introdutórias sobre as formas especiais de pagamento

O fim de uma obrigação é o seu pagamento que é um modo normal de provocar a extinção obrigacional.

Além do pagamento, existem outras formas que provocam a extinção da obrigação que a doutrina costuma denominar de pagamento especial ou indireto.

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Essas modalidades que também provocam a extinção obrigacional o Código as analisa separada-mente. São as seguintes:

  1. pagamento em consignação;

  2. pagamento com sub-rogação;

  3. imputação do pagamento;

  4. dação em pagamento;

  5. novação;

  6. compensação;

  7. confusão;

  8. remissão das dívidas.

Em cada capítulo faremos estudo de cada uma dessas modali-dades de pagamento indireto, começando com a primeira, já no presente capítulo: Consignação em Pagamento.

17. 2 Pagamento em consignação (generalidades)

É comum, perante nossos pretórios, a seguinte decisão: "Não ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 973 (novo, art. 335) do CC, a consignatória deve ser julgada improcedente" (in RT 598/82).

Um dos casos previstos pelo art. 335 do CC é a recusa, injusta do credor em receber o pagamento (inc. I do art. 335). Por exemplo, na data prevista para o fim do contrato, muitas vezes o locador recusa-se a receber os locativos, esquecendo que "a relação jurídica locatícia não se exaure com o término do contrato, prorrogando-se a avença quanto aos direitos e deveres das partes" (in RT 598/140). O locatário, então, nos precisos termos do art. 890 do CPC, poderá requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia devida.

Decorre do exposto que a ação de consignação em pagamen-to165

destina-se à obtenção de quitação por aquele que seja devedor e não consiga, validamente, fazer o pagamento.

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Através da consignação em pagamento o devedor efetiva o pagamento da dívida, principalmente quando haja recusa injustificada do credor em recebê-la, ou quando aquele não sabe a quem pagar validamente.

Concede a lei, então, ao devedor, um meio judicial de pagar, liberando-se dos liames obrigacionais, extinguindo a obrigação.

"O instituto da consignação em pagamento, em nosso Direito - escreve Machado Guimarães - tem por finalidade precípua, a de substituir o próprio pagamento, tomando-lhe o lugar e fazendo-lhe as vezes, a fim de liberar compulsoriamente o devedor do vínculo obrigacional que o prende ao credor, e a cuja dissolução este, obstinada e injustificadamente se opõe.

Daí por definição, só haver consignação onde há pagamento. E por isso que o Cód. Civil, em seu art. 336, condiciona o pagamento por consignação aos mesmos requisitos a que está sujeito o pagamento".166

Confira-se pelo seguinte aresto: "A consignação só produz efeito de verdadeiro pagamento quando satisfizer o requisito da integridade quantitativa do objeto do pagamento" (in RT 726/355).

Não é demais lembrar que ao devedor cabe o dever jurídico de cumprir a prestação combinada. Depositando o valor da dívida, o devedor cumpre com a sua obrigação, faz cessar os juros e a correção monetária, liberta-se de uma obrigação com cláusula penal, libera-se da responsabilidade pelos riscos etc. Além disso, preserva-se a dignidade das pessoas de caráter probo que não gostam de ficar devendo.

"Se o credor sem justa causa se nega a receber o pagamento, - leciona Lacerda de Almeida - vem a Lei em auxílio do devedor, e permite-lhe desonerar-se por outros modos. O principal e mais seguro meio é a consignação judicial do débito. Chama-se assim o depósito que o devedor judicialmente faz da quantia devida, precedida da efetiva e real oferta da mesma".167

17. 3 Conceito

Consignar, - escreve De Plácido e Silva - derivado do latim consignatio, de consignare, significa dotar por escrito, depositar uma soma em

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dinheiro, assinalar, marcar.168Em linguagem jurídica - continua o jurista - tem o significado de entrega de alguma coisa, feita por uma pessoa a outra, para determinado fim. Celso Agrícola Barbi nos dá uma idéia da utilidade do pagamento por consignação: o não pagamento dos aluguéis "é violação da obrigação contratual e dá causa à rescisão do contrato de locação. Logo, há grande interesse do locatário em se desincumbir dessa obrigação, pagando seu débito". E finaliza: "Se o locador se recusa a receber, a solução é fazer o pagamento por consignação, caso em que o depósito judicial da quantia extingue a obrigação, nos termos do art. 972 (novo, art. 334) do CC".169Esta norma é peremptória em dizer que o pagamento por consignação é "o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais". Eis seu conteúdo:

Art. 334. "Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais".

Bem se está a ver que o dispositivo legal menciona ser também o depósito em um estabelecimento bancário. É que a Lei 8.591/94 criou a consignação em pagamento extrajudicial, depositando o devedor a quantia devida em estabelecimento bancário oficial, comunicando ao credor que, no prazo de dez dias, poderá recusar o valor depositado ou proceder ao seu levantamento. É um meio facultativo que tem o devedor, podendo preferir a consignação judicial.

Quer judicial ou extrajudicialmente, pagamento por consignação é o meio indireto do devedor libertar-se dos liames obrigacionais, obtendo a extinção do débito. É uma forma de extinção de obrigação liberando o devedor do cumprimento da prestação a que ficou obrigado. Nessas condições, desejando o devedor liberar-se do vínculo obrigacional, pagando a dívida quando o credor principalmente recusa-se a receber o pagamento devido, ou em havendo dificuldade em encontrar o credor, a lei lhe permite recorrer à consignação.

17. 4 Objeto da consignação

"O locador não pode recusar-se a receber de volta as chaves de imóvel locado sob a alegação de que o bem se encontra em mau

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estado de conservação, o que configuraria conduta potestativa em face do direito do locatário à devolução do prédio. Pode ressalvar na quitação a pretensão de pleitear perdas e danos, por via própria, mas não obstar o exercício do direito de entrega do imóvel pelo locatário" (in RT 775/291).

A ementa do acórdão destacado mostra a recusa por parte do locador em receber as chaves de imóvel locado, cabendo ao locatário agir, consignando em juízo o imóvel, representado pelas chaves da propriedade. Mas o que chama atenção é que não é somente o dinheiro pode ser objeto da consignação. Qualquer coisa que tenha corpo certo e que seja objeto da obrigação pode ser consignada. "A consignatória é meio para se depositar em juízo quantia certa ou coisa devida" (in RT 681/176). "Se a coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no mesmo lugar onde está, - dispõe o art. 341 do CC - poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de ser depositada". "Já as obrigações puramente de fazer ou não fazer, por sua natureza, não permitem a consignação", explica Sílvio de Salvo Venosa. Continua: "A obrigação de não fazer é sempre incompatível com a medida. Na obrigação de fazer, se esta estiver aderida a uma obrigação de "entregar", em tese pode haver consignação da coisa".170

Na obrigação alternativa de coisa fungível, cabendo ao devedor a escolha, ele ofertará a coisa. "Se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, - determina o art. 342 do CC - será ele citado para esse fim, sob cominação de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor escolher; feita a escolha pelo devedor, proceder-se-á como no artigo antecedente".

17. 5 Motivos legais que justificam a consignação em pagamento

Somente "nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida" (CPC, art. 890). Não ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 335 do CC a consignatória deve ser julgada improcedente (in RT 598/82). De fato, o artigo 335 do CC apresenta um elenco das hipóteses ensejadoras do pagamento por consignação, assim como segue:

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"A consignação tem lugar:

I - Se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma".

Devemos relembrar, aqui, a noção de dívida portável e quesível. No primeiro caso, o devedor deverá pagar a dívida no domicílio do credor, ou seja, a lei impõe ao devedor o ônus de oferecer o pagamento no domicílio do credor ou em outro lugar por este designado contratualmente; no segundo, o credor receberá a dívida, no lugar em que se encontrar o devedor, ou seja, cabe ao credor o ônus de buscar o pagamento no domicílio do devedor.

Se a dívida for portável e o credor se recusar, injustamente, a receber o pagamento ou a entrega da coisa devida, a consignação visará à liberação do devedor no tocante à quantia ou coisa devida. Também é admissível a consignação, quando o credor, mesmo aceitando o pagamento, recusa a regular quitação da dívida. Aqui, é importante lembrar que o ônus probandi pertencerá ao consignante que fizer a alegação do fato. Quantas vezes constatamos o devedor propor ação de consignação em pagamento sem verificar se tem condições de fazer a prova da recusa injusta por parte do credor. O Tribunal já decidiu: "inexistente a prova da recusa e consignadas as prestações depois de escoado o prazo da notificação, impõe-se a repulsa da lide" (in RT 583/117).

Interessante situação encontra-se publicada pela...

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