Animais

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorProfessor Adjunto da UERJ; Professor do PPGD da Universidade Veiga de Almeida e da UERJ; Diretor Adjunto da Faculdade de Direito de Valença; Professor Titular da Unesa e FDV; Membro do Instituto dos Advogados do Brasil - IAB
Páginas143-177
Animais
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 1.631.586 – DF (2016/0267361-9). RELATOR: MI-
NISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE. RECORRENTE: CONDOMÍNIO RE-
SIDENCIAL DAS PALMEIRAS. RECORRIDO: FABIOLA GONTIJO CARDO-
SO
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDOMÍNIO.
PROIBIÇÃO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS. FLEXIBILIZAÇÃO. PECULIARI-
DADES DO CASO CONCRETO. INTERPRETAÇÃO DE DISPOSITIVOS DA
CONVENÇÃO CONDOMINIAL. MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECOR-
RIDO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. RECURSO NÃO CO-
NHECIDO.
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por Condomínio Residencial das Palmeiras
contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RE-
CURSO. PRINCIPIO DA DIALETICIDADE. REJEIÇÃO. CONVENÇÃO DO
CONDOMÍNIO. ANIMAIS DOMÉSTICOS. VEDAÇÃO. PEQUENO PORTE.
AUSÊNCIA DE RECLAMAÇÕES POR PARTE DOS DEMAIS CONDÔMI-
NOS. REGRA FLEXIBILIZADA.
1. Não fere o princípio da dialeticidade o recurso de apelação interposto de forma
clara e coesa, em confronto com os fundamentos de fato e de direito da sentença
impugnada, visando situação processual mais vantajosa que aquela que fora estabe-
lecida.
2. Embora as normas condominiais configurem normas cogentes, podendo limitar
os direitos individuais em prol do interesse coletivo, exige-se que elas tenham uma
finalidade específica, não podendo traduzir uma vontade desmotivada, despida de
qualquer conteúdo.
3. A proibição prevista em Convenção Condominial quanto á criação de animais do-
mésticos nas unidades autônomas tem por finalidade preservar a segurança, o sos-
sego e a saúde da comunidade que vive sob as regras do condomínio edilício, de
modo que, não havendo qualquer vulneração aos direitos de vizinhança previstos no
artigo 1.277 do Código Civil, referida regra deve ser afastada.
4. Apelação conhecida e não provida.
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Alega o recorrente, além de dissídio jurisprudencial, violação dos arts. 1.333,
1.336, IV, ambos do Código Civil; 9º, § 2º, e 19, ambos da Lei n. 4.591/1964, ao
argumento de que, embora a norma estabelecida na Convenção de Condomínio não
permita a criação de animais domésticos, as instâncias ordinárias permitiram que a
autora da ação de obrigação ficasse com seus dois gatos em sua residência.
Busca, assim, o provimento do recurso especial para que seja cassado o acórdão re-
corrido, julgando-se improcedente a ação, a fim de que os animais de estimação da
autora sejam retirados das dependências condominiais, sob pena de aplicação de
multa.
As contrarrazões foram apresentadas às fls. 418-428 (e-STJ).
Brevemente relatado, decido.
Consta dos autos que Fabíola Gontijo Cardoso ajuizou ação de obrigação de fazer
contra o Condomínio Residencial das Palmeiras, ora recorrente, buscando “garantir
o seu direito de possuir e manter os animais em sua unidade residencial autônoma,
(...); seja declarada inconstitucional a norma do condomínio que trata da perma-
nência dos animais dentro de cada unidade; que seja cancelada a multa aplicada”
(e-STJ, fl. 283).
O Juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido com base nos
seguintes fundamentos (e-STJ, fls. 283-286 – sem grifo no original): No que tange
à proibição da presença de animais em condomínios, a questão tem sido flexibiliza-
da pela jurisprudência, para que seja permitida pelo menos a presença de animal de
pequeno porte e que não seja nocivo à tranquilidade dos demais condôminos. Isso
porque, embora as regras de convívio coletivo possam determinar certas restrições
aos direitos individuais dos condôminos, estas devem ter por finalidade a preserva-
ção do sossego, salubridade e segurança dos moradores, além de resguardar o aces-
so, sem embaraço, às partes comuns, conforme estabelece o artigo 19 da Lei
4.591/64.
Normas que não tem uma finalidade específica, ou que simplesmente traduzam a
vontade desmotivada dos condôminos que participaram oportunamente da redação
e escolha do regramento condominial, não podem ser toleradas pelo Direito, por-
que são vazias de conteúdo e violam o direito dos demais indivíduos.
Sendo assim, regras que determinem a proibição absoluta de qualquer animal, en-
globando, assim, os que não provocam qualquer tipo de desassossego, risco à saúde
ou insegurança aos condôminos, extrapolam o objetivo da vedação e, portanto, de-
vem ser relativizadas.
Não existe direito absoluto, nem mesmo o direito à vida assim é considerado, quem
dirá uma norma condominial que peca pela generalidade.
Na hipótese em exame, são dois gatos de pequeno porte, saudáveis, vacinados, con-
fira-se fls. 26 a 28, não havendo notícia de qualquer reclamação relativa a barulho
excessivo, mau cheiro, risco à segurança ou qualquer outro inconveniente que pu-
desse justificar a negativa de permanência dos gatos na unidade autônoma da au-
tora.
Fossem mais gatos, vários gatos, uma gataria completa que pudesse atormentar a vi-
zinhança com miados e outros ruídos, ai sim se poderia adotar o regramento condo-
minial, a fim de determinar a retirada dos animais das unidades, a bem da comuni-
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dade condominial e do sossego dos moradores. Mas no caso posto sob julgamento,
passa perto de maldade a determinação da retirada dois animais, sob pena de multa,
que acabou sendo aplicada pelo Condomínio. O acórdão recorrido, por sua vez, está
assim fundamentado (e-STJ, fls. 358-371 – sem grifo no original): Portanto, na con-
venção condominial poderão ser estabelecidas regras de convivência, as quais pos-
suem força normativa, contudo, desde que respeitado o ordenamento jurídico vi-
gente. Na vertente hipótese, o artigo 50, alínea ‘o’, parágrafo único, da Convenção
do Condomínio, estabelece:
Art. 5º – São OBRIGAÇÕES dos Condôminos:
(...)
o) Não manter, nem criar ANIMAIS nas respectivas unidades autônomas, bem
como nas partes comuns;
Parágrafo único – Caso comprovada a existência de animais, os moradores deverão
retirá-los no prazo máximo de 03 (três) dias, após a Notificação da Administração
do Condomínio. (fls. 57 e 59)
Com efeito, embora as normas condominiais configurem normas cogentes, poden-
do limitar os direitos individuais em prol do interesse coletivo, exige-se que elas te-
nham uma finalidade específica, não podendo traduzir uma vontade desmotivada,
despida de qualquer conteúdo.
Assim, verifica-se, por meio da interpretação teleológica, fundamental em situa-
ções dessa natureza, que a proibição constante da Convenção Condominial tem por
finalidade preservar a segurança, o sossego e a saúde da comunidade que vive sob as
regras do condomínio edilício.
Compulsando os autos, verifico que a apelada possui dois gatos de pequeno porte,
vacinados e saudáveis (fís. 26/28). Além disso, o Condomínio apelante não com-
provou ou mesmo noticiou qualquer reclamação quanto a barulho excessivo, mau
cheiro, risco à saúde, ao sossego ou à segurança, por parte dos demais condôminos.
Sob esse panorama, a jurisprudência vem relativizando as regras convencionais que
determinam a proibição absoluta de permanência de animais domésticos nas de-
pendências do Condomínio, nos casos em que não há vulneração aos direitos de vi-
zinhança previstos no artigo 1.277 do Código Civil.
(...)
Importante mencionar que a previsão normativa constante do artigo 50, alínea “o”,
parágrafo único, da Convenção do Condomínio deve ser aplicada para os casos em
que a presença do animal doméstico oferece risco aos demais condôminos, ou per-
turbação do sossego.
Entretanto, na presente hipótese referida proibição deve ser afastada, pois a presen-
ça dos gatos da autora não importa na violação dos direitos que a Convenção busca
resguardar, não havendo, assim, fundamento jurídico para impedir a presença dos
animais nas dependências do Condomínio.
Como visto, as instâncias ordinárias decidiram com base nas peculiaridades do caso
concreto, bem como interpretando as cláusulas da Convenção do Condomínio, cir-
cunstância que impossibilita a análise do recurso por esta Corte Superior em razão
da incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ.
Nesse sentido:
Condomínio
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