Atualidade da desapropriação urbanística: uma releitura do re 82.300/SP

AutorVictor Carvalho Pinto
Ocupação do AutorDoutor em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo. Consultor Legislativo do Senado Federal na área de Desenvolvimento Urbano. Coordenador do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. Colaborador do Lincoln Institute of Land Policy. Integrou a carreira de Especialista em Políticas Públicas e ...
Páginas125-144
ATUALIDADE DA DESAPROPRIAÇÃO
URBANÍSTICA: UMA RELEITURA DO RE 82.300/SP
Victor Carvalho Pinto
Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo. Consultor
Legislativo do Senado Federal na área de Desenvolvimento Urbano. Coordenador do
Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. Colabo-
rador do Lincoln Institute of Land Policy. Integrou a carreira de Especialista em Políticas
Públicas e Gestão Governamental do Governo Federal.
Sumário: 1. Introdução – 2. Resumo do acórdão – 3. Apreciação crítica – 4. Conclusão – 5. Refe-
rências.
1. INTRODUÇÃO
A desapropriação talvez seja o mais tradicional instituto do direito urbanístico.
Apesar disso, a ref‌lexão doutrinária a seu respeito tem sido mínima entre nós, especial-
mente depois da edição do Estatuto da Cidade, que atraiu a atenção dos especialistas
para os novos institutos por ele criados. A realidade tem demonstrado, no entanto,
que a desapropriação é um instituto não apenas importante, mas propriamente
necessário para o equacionamento de alguns dos mais urgentes problemas urbanos
enfrentados pelas cidades brasileiras.
Raciocinando em termos abstratos, é possível dizer que o grande desaf‌io do
direito urbanístico é fazer com que a cidade real evolua, ainda que lentamente, para
a conf‌iguração espacial prevista nos planos urbanísticos.
Na tradição brasileira, isso tem sido feito pela instituição de índices urbanísticos
e categorias de usos para cada porção do território, técnica comumente designada
como “zoneamento”. Esta é uma técnica essencialmente passiva, em que se aguarda
a iniciativa do proprietário para parcelar ou edif‌icar seu terreno, que deve então
observar os parâmetros urbanísticos f‌ixados pelo plano.
O zoneamento funciona bem em situações nas quais há interesse do mercado
imobiliário e ausência de uma urbanização anterior, pois basta limitar a margem de
liberdade do proprietário para que ele seja obrigado a se ajustar ao plano urbanístico
como condição para aproveitar seu terreno.
A situação é distinta quando a cidade precisa de determinado desenvolvimento
urbano e não pode esperar por uma futura convergência de vontades com o proprie-
tário do solo. Esse é o caso de regiões urbanizadas para determinada destinação,
mas que perderam sua vocação original em função de mudanças tecnológicas ou
econômicas. A maior parte das zonas portuárias originais das cidades litorâneas
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apresenta essa característica de perda de relevância, devido à construção de portos
mais modernos e pujantes em áreas mais adequadas. Situação análoga existe em zonas
industriais de muitas metrópoles, que foram superadas por galpões logísticos mais
próximos de estradas, em cidades pequenas e médias do interior. O mesmo se dá nas
áreas centrais deterioradas, em que muitos imóveis se encontram abandonados e em
ruínas, demandando imediata reforma e aproveitamento.
Por f‌im, há situações que envolvem a implantação de grandes infraestruturas
pelo poder público, que demandam readequação de seu entorno, seja para evitar
incômodos para os vizinhos, seja para favorecer seu pleno aproveitamento. É o caso
das redes de transporte coletivo, como metrôs, trens de superfície, VLTs e BRTs1, na
proximidade das quais se deseja fomentar um uso do solo mais intenso, de modo a
favorecer o deslocamento a pé ou por bicicleta, articulado com o transporte coletivo,
evitando-se o automóvel particular. Essa técnica urbanística, internacionalmente
denominada de “Transit Oriented Development” (Desenvolvimento Orientado ao
Transporte), promove a construção de prédios ao longo das linhas de mobilidade e
a transformação das estações de passageiros em empreendimentos multifuncionais,
que podem reunir centros comerciais, escritórios e residências de várias faixas de
renda. Mais recentemente, até mesmo o espaço aéreo acima das linhas de trem ou
pátios de manobra de composições tem sido aproveitado, mediante a construção de
lajes de grande porte, sobre as quais são erguidas edif‌icações.
A Constituição de 1988 inovou a prever, no § 4º do art. 182, o parcelamento
ou edif‌icação compulsórios, situação em que se passa a exigir uma conduta ativa
do proprietário, instituto posteriormente regulamentado pelo Estatuto da Cidade.
Admite-se, nesse caso, que a execução do plano seja promovida pelo município,
mediante desapropriação do imóvel, mas apenas depois de um período mínimo de
cinco anos de aumento progressivo do valor do IPTU e ainda assim dependente de
autorização do Senado Federal para a emissão de títulos públicos a serem empregados
no pagamento da indenização. Vinte anos depois da edição do Estatuto da Cidade,
nenhum município chegou, no entanto, a essa etapa f‌inal de desapropriação do imóvel
ocioso. Trata-se de um instrumento lento, que demanda continuidade administrativa
ao longo de dois ou mais mandatos políticos e que pode ser anulado se não forem
observados os requisitos do devido processo legal.
Muitos municípios têm oferecido aos proprietários, ainda, incentivos tributá-
rios, em contraprestação à adoção de medidas importantes para a cidade, como a
conservação do patrimônio cultural.
1. O VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) é uma composição ferroviária com trilhos de superfície que circula no
nível da rua, inserindo-se harmoniosamente no meio urbano. Pode ser considerado uma forma modernizada
do tradicional bonde. BRT (Bus Rapid Transit) é um termo utilizado para sistemas de transporte urbano com
ônibus, que são alvo de consideráveis melhorias na infraestrutura, nos veículos e nas medidas operacionais
que resultam em uma qualidade de serviço mais atrativa. Pode ser compreendido como um ônibus de grande
capacidade que opera em faixas segregadas na superfície.

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