Núcleos congelados e planejamento urbanístico: uma solução adequada?

AutorVera Lucia Angrisani e Arthur Paku Ottolini Balbani
Ocupação do AutorDoutoranda do programa de Pós-graduação da Universidade Nove de Julho - Uninove. Professora dos cursos de pós-graduação lato senso em Direito Público, Urbanístico e Direito Constitucional Aplicado, na Escola Paulista da Magistratura. / Mestrando em Direito do Estado na Universidade de São Paulo (USP) e Bacharel em Direito pela mesma instituição...
Páginas103-124
NÚCLEOS CONGELADOS
E PLANEJAMENTO URBANÍSTICO:
UMA SOLUÇÃO ADEQUADA?
Vera Lucia Angrisani
Doutoranda do programa de Pós-graduação da Universidade Nove de Julho – Uninove.
Professora dos cursos de pós-graduação lato senso em Direito Público, Urbanístico e
Direito Constitucional Aplicado, na Escola Paulista da Magistratura. Professora pales-
trante do curso de pós-graduação na COGEAE – PUC/SP. Desembargadora do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, com assento na 2ª Câmara de Direito Público. Tutora
no ensino a distância do curso de Improbidade Administrativa, na ENFAM. Mestrado
em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/SP. Pós-graduação lato senso em Direito
Processual Civil e Comercial pela USP. Graduação pela Universidade de São Paulo.
Arthur Paku Ottolini Balbani
Mestrando em Direito do Estado na Universidade de São Paulo (USP) e Bacharel em
Direito pela mesma instituição. Assistente Jurídico no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Sumário: 1. Introdução – 2. Apresentação do problema: a apelação cível 1001490-64.2019.8.26.0587
e o “Núcleo Congelado 26 – Lobo Guará” – 3. Núcleos congelados – o que são e para que servem?
Uma visão geral do instituto do congelamento de núcleos urbanos no direito urbanístico brasilei-
ro – 4. Pontes fortes da adoção da técnica de congelamento de núcleos populacionais – 5. Pontos
fracos da adoção da técnica de congelamento de núcleos populacionais – 6. O fator temporal e
o planejamento urbanístico: por que tanto se criticou o “núcleo congelado 26 – lobo guará”? – 7.
Conclusão – 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil, por característica histórica, teve sua evolução permeada pela au-
sência de planejamento público na ocupação do solo. A colonização do território
brasileiro e sua ocupação teve como marco a adoção do regime das sesmarias, as
quais, por falta de controle prático (e, até mesmo, de interesse da Coroa), foram
progressivamente retalhadas em áreas menores e ocupadas por posseiros, que, com
o passar do tempo, passavam a ser vistos como os legítimos ocupantes daqueles
pedaços de terra: não à toa, a ocupação de fato foi critério determinante para a de-
f‌inição de parte signif‌icativa do traçado fronteiriço do Brasil quando da celebração
do Tratado de Madri, em 1750.
Demoraria quase trinta anos após a independência para que fosse editado o
primeiro diploma normativo com o condão de delinear a política fundiária nacional
– a Lei de Terras de 1850. De lá para cá, quase nada mudou: outros diplomas legais
foram paulatinamente criados, mas sempre com um escopo “contencioso”, ou seja,
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visando a conter os impactos já provocados pela ação humana e tentando reverter
um determinado status quo1.
Esse panorama normativo e as peculiaridades brasileiras mostram uma ne-
cessidade de ação bidirecional do Estado, para conter os efeitos negativos de uma
def‌iciência de planejamento pretérita e para permitir e dar efetividade a um plano
de ação futuro, sem que ele implique na desestruturação dos núcleos populacionais
já existentes.
Daí a razão pela qual o Direito Urbanístico se tornou um ramo do Direito in-
dispensável para a adequada execução das atividades do gestor público. Af‌inal, na
medida em que tem ele como um de seus objetos a disciplina do uso, da ocupação
e do parcelamento do solo urbano, bem como a mitigação do caráter absoluto do
direito de propriedade em face de demandas da coletividade2.
Franzoni3, ao analisar o fenômeno da urbanização e o papel do Direito Urbanís-
tico, assevera que cabe ao Direito reforçar uma linha de continuidade entre os pro-
cessos sociais espontâneos (ou seja, aqueles desordenados) e os processos dirigidos
(ou seja, aqueles planejados), assegurando que a transição de uma realidade para
a outra seja a menos traumática possível. Seria, dessa forma, um modo de permitir
que exista um processo responsável e ordenado que culmine, a médio e longo prazo,
com a resolução dos problemas que o crescimento desordenado das cidades impõe.
E situado no tênue limite entre esses dois processos está o parcelamento do solo,
que encontra um grande dilema no Brasil, oscilando entre a tendência histórica à
desorganização e a exigência legal, mas nem sempre seguida, de planejamento.
Como bem se sabe, a ideia central por detrás do parcelamento do solo é sim-
ples, decorrendo tanto de um fenômeno fático – a divisão da terra – como por um
fenômeno jurídico – a f‌inalidade urbanística. Tal fenômeno, portanto, não se esgota
no simples loteamento, mas enseja que haja o intuito de urbanizar, o que, por evi-
dente, pode ser feito com planejamento – levando aos loteamentos regulares – sem
planejamento – culminando nos loteamentos clandestinos – ou com planejamento
tão somente parcial – hipótese na qual, a despeito de bem desenvolvido o plano
de execução, deixa ele de ser observado na fase de implementação, acarretando
loteamentos irregulares4.
Independentemente da espécie de parcelamento ilegal, fato é que são eles são
desprovidos, no todo ou em parte, de planejamento urbanístico, razão pela qual cabe
1. GONÇALVES, Ana Luiza Vieira Gonçalves e RISEK, Cibele Saliba. Lei 13.465: a Regularização Fundiária
no Brasil e suas novas injunções. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (Online), [s.l.], v. 18,
p. 1-16, 2020.
2. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. In: DALLARI, Adilson de Abreu e FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto
da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/01. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
3. FRANZONI, Júlia Ávila. Política urbana na ordem econômica. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM,
Belo Horizonte, a. 14, n. 49, p. 13-49, jul./set. 2013.
4. JORGE, Antonio Carlos Ortolá. Licenças urbanísticas na Lei de Parcelamento do Solo Urbano. In: PIRES,
Luis Manuel Fonseca et al. Estudos de Direito Urbanístico I. São Paulo: Letras Jurídicas, 2006.

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