Bioética e biodireito

AutorManoel Antônio Silva Macêdo
Ocupação do AutorMestre em Direito Privado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas
Páginas25-65
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BIOéTICA E BIODIREITO
Capítulo 2
No estágio atual de desenvolvimento científico, os avanços médi-
cos se colocam em uma estrutura capaz de oferecer à sociedade condi-
ções para uma vida melhor, possibilitando cada vez mais ao indivíduo a
chance de cura e prevenção de doenças.
Contudo, segundo destacam Sá e Naves (2018, p.4-5), juntamente
com os benefícios resultantes da investigação científica existe a preocu-
pação ética com as consequências das práticas biológicas, que remonta
à Grécia Antiga de Hipócrates10, mas que adquiriu novo significado por
absoluta necessidade de regular e impor limites à liberdade de pesquisa
científica.
Isso porque, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, per-
cebeu-se que o progresso científico deveria ser objeto de controles,
visando à promoção da responsabilidade com a vida e integridade dos
sujeitos envolvidos em pesquisas, mediante a necessária criação de
novos padrões de conduta médica e científica, preocupados com os
aspectos éticos das experimentações. Garantir-se-ia assim a participa-
ção ativa e informada do paciente no processo decisório de cuidados
de saúde.
A descoberta do DNA (ADN, em português: ácido desoxirribo-
nucleico; ou DNA, em inglês: deoxyribonucleic acid), nos anos 1960,
tornou ainda mais evidente a necessidade de mecanismos de controle,
ante a possibilidade de manipulação da formação básica da vida em ex-
perimentos e tratamentos médicos.
10 Ao grego Hipócrates se atribui a criação do famoso juramento médico, que re-
flete a preocupação com o bem-estar do paciente e com o sigilo médico.
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Porém, afigura-se inegável que o legislador encontra certa dificul-
dade para acompanhar, na mesma velocidade, a rapidez das inovações
biotecnológicas, bem como de regular todas as implicações éticas das
descobertas, assegurando uma utilização voltada apenas para o bem da
humanidade, e com segurança para o meio ambiente e outros seres vivos.
Nesse contexto, a bioética surgiu com a finalidade de tratar dos
vários aspectos da vida influenciados pelas descobertas científicas rela-
cionadas à saúde humana e às interações com o meio ambiente, tanto no
campo da aplicação dos processos biológicos como em face da possibili-
dade de manipulação do material genético, na pesquisa científica de do-
enças, levando em consideração os valores éticos e os fins da sociedade
(SÁ; NAVES, 2018, p.15).
A bioética foi pensada, portanto, para ser uma disciplina “[...] que
estuda os aspectos éticos das práticas dos profissionais da saúde e da
Biologia, avaliando suas implicações na sociedade e relações entre os
homens e entre esses e outros seres vivos, conforme definem Sá e Naves
(2018, p.8).
Em síntese, Romeo-Casabona (2004, p.22) conceitua a bioética
como a disciplina especializada, dentro da Ética geral, da qual a primeira
extrai parte substancial de seus fundamentos.
Conforme descreve Ivan de Oliveira Silva (2008, p.62-63), a ética
constitui uma ciência com princípios próprios, que tem por objeto o
estudo sistemático da moral e de seus desdobramentos práticos no con-
texto de determinado segmento social.
Queiroz (2015, p.32) ressalta como importante característica da
ética a “relativa capacidade de avaliação e sugestão dos fins humano-
-universais, de tal forma que as suas prescrições se pretendem objetivas
apenas mediante um acordo intersubjetivo, num determinado momen-
to do devir humano”.
O termo bioética foi utilizado pela primeira vez em 1971, pelo
médico oncologista estadunidense e pesquisador da Universidade de
Wisconsin (EUA) Van Rensselaer Potter, autor do artigo “Bioethics,
the Science of Survival”, uma necessária abordagem ética dos proble-
mas provocados pelo avanço das ciências biomédicas, ante a constata-
ção do avanço tecnológico desprovido de reflexão sobre sua utilização
(DALL’AGNOL, 2005, p.7).
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Consistente num neologismo construído a partir da junção das
palavras gregas bios (vida) + ethos (relativo à ética), o termo “bioética”
utiliza como paradigma de referência antropológica moral o valor su-
premo da dignidade da vida e autonomia da vontade em face dos dile-
mas morais das éticas médica e filosófica suscitados pela biomedicina
(MALUF, 2015, p.7-8).
Assim, Maluf (2015, p.6-7) define bioética como o estudo que
discute a responsabilidade moral da ação orientada pelo conhecimento
científico aplicado a pesquisas na área da saúde humana e dos animais11.
Quanto ao objeto de estudo da bioética, entende, ainda, Maluf
(2015, p.10) que pode ser ele dividido em dois temas dentro de um diá-
logo multidisciplinar: a microbioética, que trata dos limites da liberdade
individual nas relações entre médicos e pacientes, e entre as instituições
e os profissionais de saúde; e a macrobioética, que tem por objeto o es-
tudo dos limites à liberdade individual nas questões ecológicas voltadas
para a preservação da vida humana e de cunho ambiental.
Ivan de Oliveira Silva compartilha da mesma visão de Maluf
(2015) ao delimitar o campo de abrangência das duas variantes termi-
nológicas supracitadas:
[...] temos o que se convencionou chamar de macrobioética
a que se encarrega da ecologia, com o objetivo de discutir os
problemas éticos relacionados à preservação do homem a
partir de uma perspectiva de ser inserido no ecossistema.
Por outro lado, temos a microbioética – não menos importante
que o outro segmento –, que se preocupa com as relações entre os agen-
tes da área médica, num contexto de interação entre o profissional e o
paciente (SILVA, 2008, p.65-66).
A bioética se preocupa, portanto, com o correto agir do homem
no ramo científico, em razão das pesquisas e aplicações produzidas pelo
progresso das tecnologias aplicadas à saúde, funcionando como instru-
mento de análise das responsabilidades das condutas e decisões polí-
ticas advindas dos conhecimentos adquiridos com a experimentação
11 No Brasil, a pesquisa com animais é regulamentada pela Lei n.11.794, de 8 de
outubro de 2008.
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