Considerações éticas sobre a inovação científica

AutorManoel Antônio Silva Macêdo
Ocupação do AutorMestre em Direito Privado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas
Páginas5-23
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Capítulo 1
CONSIDERAÇõES éTICAS SOBRE
A INOVAÇÃO CIENTíFICA
Diversas inovações científicas passaram a contribuir para a reali-
zação do projeto parental, oferecendo alternativas para indivíduos com
problemas de infertilidade ou portadores de doenças hereditárias.
Inobstante os benefícios advindos da pesquisa científica, Michael
J. Sandel (2013, p.21-22) afirma que ainda não há por parte de todos
nós suficiente preparo moral para compreender e absorver o dilema da
possibilidade de manipulação de nossa natureza.
E, de fato, a conclusão de Sandel (2013) é confirmada pela au-
sência3 de diplomas legais sobre as inúmeras implicações ético-jurídicas
produzidas pelas novas biotecnologias, visto que ainda são discutidas
formas adequadas de promover a assimilação de seus efeitos pelas re-
lações privadas, atentando para o necessário equilíbrio e respeito aos
direitos fundamentais.
Isso também se explica, pois, no contexto das relações humanas,
as descobertas produzidas pelas inovações tecnocientíficas ocorrem em
um ritmo muito mais rápido do que a atuação do Estado, por meio do
Direito positivado, que pode voltar-se, quanto à forma de atuação, para
um modelo abstencionista ou intervencionista, conforme ensina Carlo
Casonato (2006 apud ORSELLI, 2016, p.92).
O modelo abstencionista é defendido por aqueles que receiam
uma legislação muito restritiva sobre a autonomia pessoal, porém
a abstenção de legislar sobre questões relacionadas à aplicação das
3 No Brasil não há nenhuma lei regulando a aplicação das técnicas de reprodução
humana assistida, mas apenas resoluções do Conselho Federal de Medicina,
que tratam dos aspectos éticos.
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RepRodução Humana assistida
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biotecnologias e suas consequências pode se transformar em um vazio
normativo arriscado, que gera insegurança jurídica (CASONATO, 2006
apud ORSELLI, 2016).
De outro lado, o modelo intervencionista se caracteriza pela re-
gulamentação, mesmo que de maneira branda, a fim de garantir a esta-
bilidade nas relações jurídicas e a legitimidade das leis (CASONATO,
2006 apud ORSELLI, 2016).
Segundo Casonato (2006 apud ORSELLI, 2016, p.98-103), a ma-
neira de intervenção também varia entre o modelo aberto e leve e o mode-
lo rígido e fechado. O primeiro limita a discricionariedade, porém deixa
espaço para um diálogo interdisciplinar, enquanto no modelo rígido a
regulamentação é minuciosa e formada por regras jurídicas inflexíveis.
A intervenção pode, ainda, ser permissiva, reconhecendo autono-
mia relativa ao sujeito livre, consciente e igual; ou impositiva, estabele-
cendo comportamentos contra a vontade do indivíduo, por considerá-lo
incapaz de ser autonomamente responsável (CASONATO, 2006 apud
ORSELLI, 2016, p.98-103).
Em virtude das possíveis consequências negativas da aplicação
das biotecnologias, o modelo intervencionista permissivo situa-se no
meio-termo, garantindo liberdade ao indivíduo para fazer escolhas
existenciais, mas evitando que a liberdade seja excessiva e irresponsável
(CASONATO, 2006 apud ORSELLI, 2016).
No cenário atual de anomia, os projetos de lei4 sobre a criopreser-
vação de embriões indicam a tendência predominante de intervenção
restritiva da autonomia privada, sobressaindo o traço característico do
4 Para comprovar a grande celeuma que gira em torno da criopreservação, da
natureza jurídica e da destinação de embriões in vitro, é importante conhecer os
Projetos de Lei (PL) em tramitação na Câmara dos Deputados, a seguir resumi-
damente descritos, no que interesse ao tema em estudo. O PL 299/2021 proíbe
qualquer forma de manipulação experimental, comercialização e descarte de
embriões humanos. O PL 5799/2019 modifica o art.2º do Código Civil, para
estabelecer o início da personalidade civil com a concepção do embrião vivo.
O PL 11.105/2018 dispõe sobre o Estatuto do Nascituro, incluindo no conceito
de nascituro os seres humanos concebidos, ainda que in vitro, mesmo antes
da transferência para o útero da mulher. O PL 434/2021 institui o Estatuto do
Nascituro, incluindo os embriões in vitro sob a mesma proteção conferida ao
nascituro. O PL 4.664/2001 proíbe o descarte de embriões humanos fertilizados
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