Capítulo IX - O Interrogatório dos Litigantes

Páginas343-369
343
Manual da Audiência na Justiça do Trabalho
Capítulo IX — O Interrogatório
dos Litigantes
1. Interrogatório e depoimento
Não apenas a doutrina, como, também, os diversos ordenamentos jurídicos processuais
vêm, ao longo de sua história, distinguindo o interrogatório do depoimento das partes. A
distinção, que se tem feito, não é cerebrina como se possa imaginar, se não que decorre da
própria razão nalística desses institutos processuais, segundo demonstraremos.
1.1. Interrogatório
Dispunham as Ordenações Filipinas (Livro 3.º, Título 20, § 4.º), que “Tanto que o réu for
citado e vier a Juízo, o Juiz fará, assim que o autor como o réu, de seu ofício ou à petição da
parte, as perguntas que bem lhe parecer, assim para a ordem do processo como para a decisão
da causa”. Esse interrogatório das partes acontecia initio litis, ou seja, antes da produção das
provas. Caso o juiz, pelas respostas obtidas, se considerasse capacitado para julgar, proferia
decisão denitiva; se não, ordenava que o autor oferecesse libelo na primeira audiência. Tal
peculiaridade levou Cândido Mendes de Almeida (“Código Filipino, de 1970, p. 387, apud
Moacyr Amaral Santos, “Comentários”, p. 84) a observar, com precisão, que se os juízes
zessem vigorar essa prática, muitas demandas morreriam no nascedouro.
O célebre Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850 (na verdade, um Código de
Processo Comercial), também previa o interrogatório dos litigantes (conquanto ocorresse
após os autos virem conclusos ao juiz, para julgamento), bem como alguns Códigos de Pro-
cesso Estaduais. Convém lembrar que a “Constituição da República dos Estados Unidos do
Brazil”, promulgada a 24 de fevereiro de 1891, outorgava competência aos Estados-Membros
para legislar sobre processo, nas instâncias estaduais. O art. 34, em seu item 23, atribuía
competência ao Congresso Nacional para legislar (apenas) sobre direito processual “na
justiça federal”. Deste modo, se após examinar os autos o magistrado entendesse que seria
necessário, para melhor formar o seu convencimento citação das partes, determinava que,
em dia e hora previamente designados, viessem à sua presença, a m de serem interrogadas.
Poderia acontecer, então, que se vericasse a conssão nas respostas ao juiz, a que se referia
o art. 162 do Regulamento mencionado.
Lembra Moacyr Amaral Santos (ob. cit., p. 84/85) que o CPC de 1939 não atribuía ao
interrogatório a nalidade prevista no art. 342 do Código de 1973, pois o texto revogado se
limitava a disciplinar o depoimento pessoal, ainda que ordenado de ofício, a ser colhido na
audiência de instrução e julgamento.
6350.3 - Manual da Audiência na Justiça do Trabalho - 3a ed - Fisico.indd 3436350.3 - Manual da Audiência na Justiça do Trabalho - 3a ed - Fisico.indd 343 07/01/2022 15:57:0407/01/2022 15:57:04
344
Manoel Antonio Teixeira Filho
1.2. Depoimento
Não é exatamente apropriado dizer-se depoimento pessoal, porquanto pessoais também
o são os depoimentos das testemunhas e do perito. A lógica sugere, portanto, que se diga
depoimento das partes — que, aliás, pode ser prestado por elas próprias (logo, neste caso será
mesmo pessoal) ou por intermédio de terceiro, como se dá, comumente, com o empregador
(logo, não será, em rigor, pessoal, no sentido da própria parte), por meio de preposto.
A propósito, bem fariam os advogados, os juízes, os membros do Ministério Público e
todos, enm, se deixassem de empregar expressões como “parte autora, “parte ré”, pois quem
é autor ou réu é, evidentemente, parte. Há, pois, injusticável redundância em tais expressões.
O depoimento pode ser determinado de ofício, pelo juiz, ou a requerimento da parte
contrária (CPC, art. 385); ele, em si, não constitui prova; será, contudo, meio de, sempre
que provocar a conssão.
Objeto do depoimento são os fatos (relevantes e controversos) relacionados à causa e
não o direito; nada obstante, pode-se admitir a prova de direito consuetudinário mediante
depoimento da parte.
1.3. Distinção entre ambos
Com base no próprio ordenamento processual civil vigente, podemos apontar os mais
expressivos traços de dessemelhança entre o interrogatório e o depoimento:
a) enquanto o interrogatório é sempre determinado de ofício pelo juiz (CPC, art. 139,
inciso VIII), o depoimento pode, além disso, ser requerido pela parte adversa (CPC,
b) o interrogatório pode ser determinado em qualquer estado ou fase do processo (CPC,
art. 139, inciso VIII); já o depoimento deve ser colhido na audiência de instrução e
julgamento (CPC, art. 385);
c) o interrogatório tanto pode ser único como repetir-se mais vezes, desde que assim
entenda necessário o juiz; o depoimento, em regra, é um só.
A distinção fundamental, todavia, entre um e outro está em sua nalidade: enquanto o
interrogatório busca obter das partes certos esclarecimentos (ao juiz) sobre os fatos da causa,
o depoimento, embora não despreze esse esclarecimento, p ode acarretar a conssão.
Desta forma, conquanto o interrogatório e o depoimento tenham, no particular, um
elemento comum, que é a obtenção de esclarecimento acerca dos fatos narrados nos autos,
somente este último pode implicar conssão da parte. Estabelece, com efeito, o art. 139, do
CPC, que incumbe ao magistrado: “VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento
pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a
pena de confesso” (destacamos).
Essa distinção essencial entre ambos se manifesta, igualmente, na hipótese de ausência
injusticada da parte, ou de recusa em depor. Tratando-se de depoimento, a parte que não
comparecer, ou, comparecendo, recusar-se a depor, ensejará que se presumam verdadeiros
6350.3 - Manual da Audiência na Justiça do Trabalho - 3a ed - Fisico.indd 3446350.3 - Manual da Audiência na Justiça do Trabalho - 3a ed - Fisico.indd 344 07/01/2022 15:57:0407/01/2022 15:57:04

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT