Capítulo XII - A Inquirição das Testemunhas

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Manual da Audiência na Justiça do Trabalho
Capítulo XII — A Inquirição
das Testemunhas
1. Prova testemunhal
1.1. Considerações introdutórias
Visto sob o aspecto histórico, o testemunho constitui, juntamente com a conssão, o
mais antigo meio de prova judiciária. Alguns Códigos primitivos, como o de Manu, bem
assim como determinadas leis (egípcias, gregas, romanas) priscas continham disposições
acerca da prova testemunhai e do valor que ela representava para a demonstração da verdade
dos fatos. Mesmo com o surgimento, mais tarde, dos meios escritos, o testemunho manteve a
sua preeminência, a ponto de haver-se, como na França, estabelecido um brocardo segundo
o qual “témoins passent lettres, isto é, as testemunhas valem mais do que os escritos.
Tal era a importância da prova testemunhal, nessa época, que Bentham (apud Pestana
de Aguiar, ob. cit., p. 286) a ela se referiu como sendo “os olhos e os ouvidos da Justiça.
Os tempos, contudo, mudaram. O aparecimento de outros meios modernos de prova fez
com que se fosse restringindo o campo de atuação das testemunhas, a ponto de torná-las até
mesmo inadmissíveis em determinadas hipóteses, conforme veremos. Essa profunda alteração
quanto à importância da prova testemunhal para o processo emanou da constatação da sua
falibilidade, da sua natureza condutível, plástica, segundo seja o interesse da parte em ver
provados certos fatos, ainda que não tenham ocorrido. Anatole France (“Crainquebille”),
citado por Alberto Pessoa, “Prova Testemunhal”, Lisboa, 1931 (apud Pestana de Aguiar, ob.
cit., p. 287), referindo-se a propósito da fragilidade da prova testemunhal, narrou: “Un jour
qui Walter Raleigh, enferme à Ia Tour de Londres, travaillait, selon sa coutume, à Ia seconde
partie de son Histoire du Monde une rixe éclata sous sa fenêtre. II alia regarder cês gens qui
se querellaient, et quand il se remit au travail, il pensait lês avoir três bien observes. Mais lê
lendemain, ayant parle de cette afaire à un de sés amis qui y avait été présent et qui même y
avait pris part, il fut contredit par cet ami sur tous lês points. Rééchissant alors à Ia diculté
de connaítre Ia verité sur dês événements lointains, quand il avait pu se méprendre sur cê qui
se passait sous sés yeux, il jet ao feu lê manuscrit de son histoire. — Se lês juges avaient lês
mêmes scrupules que sir Walter Raleigh, ils jetteraient au feu toutes leurs instructions. Et ils
n’en ont pás lê droit”. Numa tradução extremamente livre: “Um dia em que Walter Raleigh,
trancado na Torre de Londres, como de seu costume, escrevendo a segunda parte de sua
História do Mundo, uma briga irrompe sob sua janela. Ele foi olhar as pessoas que discutiam,
e quando retornou ao trabalho, imaginou tê-las bem observado. Contudo, no dia seguinte,
tendo comentado esse fato com um de seus amigos que ali estivera presente, e que havia
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Manoel Antonio Teixeira Filho
tomado parte, ele foi contraditado por este amigo, em todos os pontos. Reetindo, então,
sobre a diculdade de conhecer a verdade sobre fatos ocorridos há tempos, dado que tinha
se enganado sobre o que se passou sob seus olhos, ele jogou ao fogo o manuscrito de sua
história – se os juízes tivessem os mesmos escrúpulos que o Sr. Walter Raleigh, eles jogariam
ao fogo todas as suas instruções. E eles, delas, não teriam o direito.
É possível falar-se, portanto, nos dias de hoje, em um desprestígio, num certo descrédito
(inclusive, popular) nesse meio provativo, cuja causa Porras López atribui, com preponde-
rância, “a Ia crisis moral del régimen económico-social en el que vivimos” (ob. cit., p. 274).
No que está certo.
A despeito disso, é indubitável que, em certas situações, a prova testemunhal se revela
necessária, e até imprescindível, se levarmos em conta que ela tem por objeto os fatos con-
trovertidos na causa, que, por sua natureza imaterial, não podem ser apreendidos por outros
meios de prova. Daí por que o filósofo González Serrano, citado por Porras López (idem,
p. 275) pôde armar, com razão, que “El testimonio, es Ia admisión, de Ia experiência propia.
Com efeito, as testemunhas contribuem com suas percepções sensoriais a respeito de fatos
que interessam à causa e que não eram da cognição privada do juiz; ainda que o fossem,
ao magistrado apenas seria lícito julgar segundo seus conhecimentos pessoais somente em
casos extraordinários. Eis por que às testemunhas cabe reproduzir, perante o juiz, a reali-
dade que captaram; mas o descrédito que se tem manifestado quanto a esse meio de prova
reside, exatamente, na possibilidade de essa realidade ser subvertida, contrafeita, em virtude
de certas regras de conveniência da própria testemunha ou da parte que a apresentou em
juízo — ou, até mesmo, de certas falhas mnemônicas do depoente. Ninguém ignora, aliás, a
existência de testemunhas prossionais, que tanto mal causam à honorabilidade e ao conte-
údo ético do processo judicial. Nem mesmo o compromisso que elas prestam, ao início da
inquirição, e a advertência que recebem quanto às sanções penais que incidirão no caso de
fazerem armações falsas, calarem ou ocultarem a verdade (CPC, art. 458 e parágrafo único)
produzem o efeito intimidante pretendido pelo legislador.
Ao juiz do trabalho incumbirá, ainda, advertir a testemunha de que se alterar, inten-
cionalmente, a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa poderá
ser condenada a pagar multa, superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor
corrigido da causa (CLT, arts.793-C e 793-D).
Foi visando a evitar, mediante a adoção de certos critérios objetivos, que a testemunha
propenda, de forma deliberada, em favor do interesse da parte que a conduziu a juízo, seja
por motivos de anidade, emotivos, de interesse pessoal e outros mais, que a lei erigiu os
obstáculos do impedimento (CPC, art. 447, § 2.º) e da suspeição (ibidem, § 3.º), a que também
se refere, ainda que pela via implícita, a CLT (art. 829).
2. Conceito de testemunha
João Monteiro (ob. cit., p. 250, § 162) a conceituava como a “pessoa, capaz e estranha ao
feito, chamada a Juízo para depor o que sabe sobre o fato litigioso”; para Moacyr Amaral Santos
(ob. cit., p. 261) testemunha “é a pessoa distinta dos sujeitos processuais que, convocada na
forma da lei, por ter conhecimento do fato ou ato controvertido entre as partes, depõe sobre
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este em Juízo, para atestar sua existência”; “é a pessoa f ísica, distinta das partes do processo,
que, admitida pela lei, vem informar o Juiz — a pedido das partes e por determinação do Juiz,
ou só por ordem deste — sobre fatos suscetíveis de serem provados por esse tipo de prova
(Arruda Alvim, ob. cit., p. 280); para Paula Batista (apud Humberto eodoro Júnior, ob.
cit., p. 585) testemunhas são “as pessoas que vêm a Juízo depor sobre o fato controvertido”;
“es Ia persona extrãna ai juicio, que declara acerca de los hechos o cosas controvertido en Ia
relación procesal” (Porras López, ob. cit., p. 274); Hugo Alsina (apud Amauri Mascaro Nas-
cimento, ob. cit., p. 207) a tem como “a pessoa capaz, estranha ao processo, que é chamada
a declarar sobre fatos que caíram sob o domínio dos seus sentidos.
Poderíamos reproduzir, aqui, algumas dezenas de conceitos formulados pela doutrina
com relação à testemunha; os que já mencionamos, contudo, bem se prestam para demons-
trar certos elementos substanciais que devem ser observados para uma exata conceituação
dessa gura. Se não, vejamos. A testemunha:
a) é, necessariamente, uma pessoa física, pois apenas ela é capaz de ter percepções
sensoriais, de modo a poder narrar ao magistrado, mais tarde, os fatos presenciados
e que interessam à causa; as pessoas jurídicas, embora também contribuam com o
Poder Judiciário para o descobrimento da verdade (CPC, art. 378), o fazem mediante
informações ou declarações, e não, testemunho;
b) distinta das partes do processo. Melhor será que se diga distinta dos sujeitos do pro-
cesso, cujo conceito é mais abrangente que o de partes. Por isso, o juiz, que também é
sujeito processual (desinteressado), não pode servir, por princípio, como testemunha
na causa que lhe está sendo submetida à apreciação e julgamento. Um outro reparo se
impõe: a testemunha, em rigor, não é pessoa estranha ao processo, como se armou
em alguns dos conceitos transcritos; tanto não é que ela aparece, surge, no processo. O
que se quis dizer — e nos parece ser lícito supor neste sentido — é que a testemunha
é estranha à relação jurídica processual, que é coisa diversa;
c) admitida como tal pela lei, isto é, apenas podem depor como testemunhas as pessoas
que não sejam incapazes, impedidas ou suspeitas, nada obstante (e desde que seja es-
tritamente necessário) ao juiz seja facultado ouvir, como meras informantes, pessoas
menores de idade, impedidas ou suspeitas (CPC, art. 447, § 4.º);
d) que é inquirida pelo magistrado. As testemunhas são sempre inquiridas pelo juiz, seja
o da causa ou aquele a quem se deprecou a inquirição. Não é correto dizer-se que elas
sempre comparecem a juízo porque embora, em regra, essa modalidade de prova oral
deva ser colhida em audiência (CLT, art. 825, caput; CPC, art. 449, parágrafo único), há
casos em que isto não acontece, pois assim permite ou determina a lei, como em virtude
de doença ou de outro motivo relevante que impeça a testemunha de vir a juízo (CPC,
art. 453, inciso I), ou se se tratar das pessoas a que faz menção o art. 454 e incisos do
mesmo Código. Mesmo assim, tais testemunhas serão inquiridas pelo magistrado, o
que importa também dizer: na sua presença, conquanto não em juízo. São inquiridas
pelo magistrado porque somente a ele compete, como diretor do processo, interrogar
os litigantes (CLT, art. 848, caput);
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