Sistema de Soluções de Conflitos - a Importância de Fomentar a Cultura da Conciliação
Autor | Ana Paula Pellegrina Lockmann |
Ocupação do Autor | Desembargadora do TRT da 15ª Região; Mestre em Direito do Trabalho - USP. |
Páginas | 126-135 |
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O convívio social é necessidade natural do ser humano. Em registros mais remotos, o filósofo grego Aristóteles já assinalava que o homem é naturalmente um animal político, o qual precisa da ajuda de outros seres humanos para a busca da satisfação plena:
"... o homem é um animal político, por natureza, que deve viver em sociedade, e que aquele que, por instinto e não por inibição de qualquer circunstância, deixa de participar de uma cidade, é um ser vil ou superior ao homem." (ARISTÓTELES. Trecho extraído de sua obra Política).
De certo, o homem sozinho não consegue se autorrealizar. Isso se explica porque ninguém vem à vida pronto, detentor de conhecimento, que só adquire, paulatinamente, com o decorrer do tempo. No ciclo da vida, o homem nasce, desenvolve-se e morre. Para que se desenvolva, é necessário adquirir conhecimento, que será a base de formação de seus próprios conceitos. É preciso que alguém lhe ensine ou lhe auxilie a suprir a carência de certas habilidades, ou seja, por meio da troca de experiências e conhecimentos, um completa o outro.
Nesse panorama, tem-se que é a interação social que propicia o desenvolvimento do ser humano, já que este procura em outras pessoas as habilidades que não possui. O homem, outrossim, também sente a necessidade natural de transmitir os conhecimentos obtidos durante a vida.
E não há dúvidas de que a mútua cooperação entre as pessoas vem a ser um facilitador das coisas e da própria passagem pela vida.
A modernidade deixa ainda mais evidente a necessidade do convívio social, já que praticamente quase tudo que o homem moderno consome ou utiliza é fruto do conhecimento e do trabalho de outras pessoas.
Vale destacar que as necessidades humanas não se limitam a bens materiais, pois até mesmo pessoas providas de todos os recursos precisam do convívio com os seus semelhantes para satisfação de ordem afetiva, psicológica, moral, intelectual, dentre outras.
A par destas, é certo e reconhecido que todos os seres humanos são dotados de direitos inatos, inerentes à sua própria condição e ligados de maneira perpétua e permanente, como o direito à vida, à igualdade e à liberdade, o que deve ser assegurado em uma sociedade livre e organizada.
Nessa linha de pensamento, todos os seres humanos, por natureza, são iguais, cabendo à sociedade lhes assegurar isonomia de oportunidades.
Isso não importa dizer, porém, que não existam diferenças individuais entre as pessoas.
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Embora seja reconhecido o direito fundamental à igualdade, por outro lado, não há como olvidar que as pessoas possuem a sua própria individualidade, o seu jeito de ser, os seus conceitos a respeito de fatos do cotidiano, seus anseios individuais, suas crenças, além de suas próprias e genuínas normas de conduta.
E é exatamente por conta de que cada pessoa possui a sua própria individualidade e identidade, com características tão diversificadas, que o convívio social, muito embora necessário, acaba por possibilitar o surgimento de conflitos.
Desta forma, malgrado indesejável, a ocorrência de conflitos decorre naturalmente da vida em socie-dade. Esta é fundamental para a vida do ser humano e ao mesmo tempo fomenta a criação dos conflitos.
De outro giro, o ser humano também preza a segurança e harmonia das relações sociais, de modo que, para a sociedade subsistir, é preciso que os conflitos sejam solucionados, o que desafia a busca de meios adequados e eficazes para a resolução das divergências, a fim de preservar a paz social.
Conforme doutrina de Amauri Mascaro Nascimento1, os métodos de solução de conflitos podem ser classificados em três grandes grupos: autodefesa, autocomposição e heterocomposição.
Embora primária, importante relembrar.
Na autodefesa, também conhecida como auto-tutela, a solução é obtida por meio da imposição da vontade de um indivíduo sobre o outro. Remete-se à forma mais primitiva de solução das controvérsias, quando predominava a "vingança privada" (justiça pelas próprias mãos), caracterizada pela imposição da vontade dos mais fortes sobre os mais fracos. Trata-se de modalidade de solução que não mais se compatibiliza com os ditames de Justiça concebida pela sociedade moderna. Apenas em situações especialíssimas a autotutela é permitida ou tolerada pelo Direito, a exemplo dos institutos da legítima defesa e do estado de necessidade previstos no direito penal. Na esfera trabalhista, podemos citar como manifestações de autodefesa o lockout (vedado pelo ordenamento jurídico pátrio - art. 17 da Lei n. 7.783/89) e a greve (permitida na forma e nos limites estabelecidos pelo legislador - art. 9º da Constituição Federal de 1988 e Lei n. 7.783/89).
Vale mencionar, por oportuno, que a greve, no mais das vezes, manifesta-se como instrumento de pressão dos trabalhadores, e não necessariamente como forma de solução. Nesse sentido, pontua o culto Desembargador capixaba, Carlos Henrique Bezerra Leite2:
É preciso advertir, no entanto, que a greve por si só não soluciona o conflito trabalhista, mas constitui importante meio para se chegar à autocomposição ou à heterocomposição. A rigor, é com o fim da greve que se chega à solução autônoma ou heterônoma do conflito.
A autocomposição é a forma direta de solução do conflito, na qual os litigantes, em consenso e sem o emprego da força, fazem concessões recíprocas mediante ajustes de vontade, chegando à solução pacífica da controvérsia. Pode se dar à margem do processo (extraprocessual) ou no bojo do próprio processo (intraprocessual). São exemplos de autocomposição trabalhista a convenção coletiva de trabalho e o acordo coletivo de trabalho (art. 611 e seguintes da CLT), a mediação e a conciliação, inclusive a celebrada no âmbito da Comissão de Conciliação Prévia - CCP (art. 625-E da CLT).
Na mediação e na conciliação, as partes buscam solucionar a lide com o auxílio de um terceiro, que, embora não imponha a solução, atua como um facilitador, ajudando a aproximar as partes, para que ambas, diretamente, logrem obter a melhor solução da controvérsia.
A conciliação se distingue da mediação. No primeiro caso, a atuação do terceiro se limita a aproximar as partes. Já na mediação, o terceiro, além de atuar na aproximação dos litigantes, também auxilia propondo soluções, sem, contudo, determinar qual será esta solução.
Convém salientar que alguns doutrinadores enquadram a mediação e a conciliação como forma de heterocomposição dos conflitos, exatamente em virtude da participação de um terceiro (embora atue apenas como facilitador) na solução da controvérsia, e não somente das partes diretamente interessadas. Adota este entendimento o eminente jurista e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Mauricio Godinho Delgado3:
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Há autores que consideram a conciliação e a mediação meios autocompositivos, reservando à heterocomposição apenas a jurisdição e a arbitragem. Afinal nas duas primeiras figuras não se entregaria ao terceiro o poder de decidir o litígio, ainda que sendo inegável sua participação na dinâmica compositiva.
Registre-se, ademais, nesse debate classificatório, a dubiedade inerente à própria arbitragem (principalmente a do tipo consensual): é que o árbitro, mesmo sendo terceiro, é escolhido pelas próprias partes (o que aproximaria o método da autocomposição).
Contudo, parece-nos válida, do ponto de vista científico, a tipologia proposta no presente estudo (isto é, jurisdição, arbitragem, conciliação e, também, de certo modo, a mediação como modalidades de heterocomposição).
É que a diferenciação essencial entre os métodos de solução de conflitos encontra-se, como visto, nos sujeitos envolvidos e na sistemática operacional do processo utilizado. Na auto-composição, apenas os sujeitos originais em confronto é que se relacionam na busca da extinção do conflito, conferindo origem a uma sistemática de análise e solução da controvérsia autogerida pelas próprias partes. Já na heterocomposição, ao contrário, dá-se a intervenção de um agente exterior aos sujeitos originais na dinâmica de solução do conflito, transferindo, como já exposto, em maior ou menor grau, para este agente exterior a direção dessa própria dinâmica. Isso significa que a sistemática de análise e solução da controvérsia deixa de ser exclusivamente gerida pelas partes, transferindo-se em alguma extensão para a entidade interveniente.
É evidente que o papel exercido por este agente exterior e a intensidade de sua intervenção são aspectos que variam significativamente em consonância com os tipos de mecanismos heterocompositivos. No método jurisdicional são muito grandes tanto o papel como a intensidade interventiva desse agente exterior; isso também se verifica, ainda que em menor medida, no método arbitral. Mesmo na conciliação (judicial ou extrajudicial) são significativos o potencial direcionador e de influência da entidade interveniente, que pode, sem dúvida, manter o controle de todo o processo conciliatório, ainda que a decisão final caiba às próprias partes.
Nesse contraponto de métodos heterocompositivos, a mediação surge, de fato, como aquele que confere menor relevância ao agente exterior, uma vez que este apenas aproxima e instiga as partes à pacificação. Por isso é que eventualmente se prefere classificar a mediação como simples instrumento a serviço de um método de solução de controvérsias (instrumento a serviço da transação bilateral ou da negociação coletiva, por exemplo) - e não um método específico existente.
Sob outro enfoque, o Magistrado Mauro Schiavi4 entende que a mediação e a conciliação são modalidades de autocomposição:
"No nosso sentir, tanto a...
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