Espiritualidade do Trabalho: Forma Alternativa de Diminuir Conflitos?

AutorMaria de Assis Calsing - Elizeu Francisco Calsing
Ocupação do AutorMinistra do Tribunal Superior do Trabalho. Mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília - UnB. - Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília - UnB, Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ e especialista em Gestão de Políticas Públicas e Responsabilidade Social Empresarial pela...
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Introdução

Escrever em homenagem ao Ministro Antonio José de Barros Levenhagen é, ao mesmo tempo, uma tarefa prazerosa, mas de grande responsabilidade. Com efeito, em razão da amizade que nos une de longa data (motivo de escrevermos em casal), nosso primeiro sentimento é de uma enorme alegria por ter a oportunidade de participar desta obra que deixará registrada em suas linhas a admiração, o respeito e o bem-querer que nutrimos pelo querido homenageado.

Mas, passadas a honra e a alegria da primeira reação ao convite, avulta a preocupação de não conseguirmos, em tão curto espaço de tempo, escrever alguma coisa que esteja à altura do intelecto, da cultura, do enorme conhecimento de S. Exa., que, com simplicidade - a marca registrada dos grandes homens - vem exercendo a magistratura trabalhista desde 1980.

Dentro do universo a que se propôs esta obra coletiva, "Conciliação Judicial Individual e Coletiva e Formas Extrajudiciais de Solução dos Conflitos Trabalhistas", pensamos que nada melhor para homenagear o Ministro Barros Levenhagen - que tem se dedicado como magistrado a atribuir valor ao trabalho, às condições saudáveis de trabalho, à dignidade do trabalhador, depositando na conciliação a esperança sempre renovada de dirimir os conflitos - do que falarmos sobre a prevenção dos litígios, a partir da compreensão de que o homem é o centro, mas também o alfa e o ômega das relações de trabalho e que, por isso mesmo, para ele devem estar dirigidos todos os olhares, esforços e preocupações no ambiente de trabalho.

Com efeito, os conflitos trabalhistas - individuais e coletivos - decorrem de algum tipo de discrepância nas relações entre o capital e o trabalho, ou entre empregadores e trabalhadores, tendo como objeto a garantia de direitos e interesses não concretizados, manifestados externamente.

Para os conflitos de natureza jurídica usa-se a interpretação ou a aplicação de normas preexistentes para a garantia de direitos. Para os conflitos de natureza econômica ou social que envolvem interesses com vistas à melhoria das condições e do ambiente de trabalho há um grande espaço para a negociação objetivando disciplinar tais relações trabalhistas.

Neste contexto, percebemos claramente como o Direito do Trabalho está evoluindo, procurando

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ajustar-se às transformações que ocorrem na economia cada vez mais globalizada, ampliando os espaços de negociação com o intuito de diminuir os conflitos na esfera jurídica, principalmente os de natureza econômica e social.

A modernização das relações de trabalho inclui, inevitavelmente, a incorporação de formas extra-judiciais de solução de conflitos do trabalho, não só como forma de diminuir as demandas feitas ao Poder Judiciário, quanto para valorizar o dinamismo humano em sua solução, preservando a garantia de direitos entre os sujeitos em conflito.

É bastante comum ouvir de empresários e de suas representações patronais que a atual legislação trabalhista precisa ser modernizada e flexibilizada, na medida em que representa um fator estratégico que tanto pode dificultar quanto induzir a ganhos de produtividade no trabalho.

Mesmo que a modernização e flexibilização da atual legislação trabalhista não implique necessariamente em uma diminuição dos direitos já assegurados aos trabalhadores, o que se deseja pelo lado do capital é sua adequação às novas formas de trabalho surgidas nas últimas décadas, uma ampliação do espaço para a livre negociação e uma segurança jurídica que permita o desenvolvimento de projetos empresariais em um ambiente de competitividade.

Temos como pressuposto, na presente discussão, que é fundamental para o desenvolvimento sustentável do País uma adequada harmonização das relações entre o capital e trabalho, seja como forma de valorizar a criação de novos empregos, seja para melhorar continuamente a qualidade dos atuais postos de trabalho, sem cair em extremos, como o excesso de proteção social ou a precarização das condições de trabalho1.

É crescente o número de organizações empresariais que procuram se adequar aos paradigmas de "uma empresa como um bom lugar para se trabalhar", o que implica em criar um ambiente de trabalho diferenciado, com foco na qualidade de vida e no desenvolvimento social e profissional de seus empregados/colaboradores. São espaços de trabalho e de produção de bens e serviços onde os empregados sentem orgulho da empresa, sentem confiança no relacionamento entre líderes e liderados, gostam das pessoas com as quais trabalham e, acima de tudo, se realizam com o que fazem, com o que produzem2. O que se observa, é um número crescente de pessoas buscando sentido no que fazem, buscando um trabalho com significado, com realização humana e espiritual.

Apesar da ausência de estatísticas consolidadas, pode-se observar que em ambientes empresariais onde os empregados estão altamente satisfeitos com o trabalho que realizam, onde as empresas trabalham em conjunto com seus empregados, com transparência, confiança e honestidade de ambas as partes, são muito menores as demandas de natureza jurídica por qualquer discrepância que possa ter ocorrido em suas relações trabalhistas3.

Portanto, em ambientes de trabalho onde existe respeito, imparcialidade e credibilidade como valores que tangem a relação entre chefe e empregado, e onde existe orgulho e camaradagem como sentimentos que refletem o espírito de equipe, encontra-se a essência de um bom lugar para se trabalhar, como também um elevado índice de felicidade no trabalho.

Os resultados das 150 Melhores Empresas para Trabalhar em 2013 no Brasil mostram que são altos estes índices de felicidade no trabalho. A empresa campeã alcançou 92,5% neste ranking, que é calculado por meio de um conjunto de indicadores de quali-dade do ambiente de trabalho (visão do empregado sobre a empresa, nos moldes de uma pesquisa de clima organizacional) e de qualidade da gestão de pessoas (o que a empresa oferece de benefícios aos seus empregados)4.

O objetivo deste artigo, portanto, é o de mostrar que pessoas mais satisfeitas e felizes no trabalho também são pessoas que costumam ter mais espiritualidade, e que a espiritualidade do e no trabalho, numa perspectiva dinâmica e preventiva, pode representar uma alternativa muito eficiente e eficaz para diminuir os conflitos decorrentes das relações trabalhistas entre empregadores e trabalhadores, como também ser um fator de elevação da produtividade no trabalho.

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Pelo próprio foco das pesquisas e estatísticas disponíveis, o "olhar" destas reflexões corresponde predominantemente ao segmento produtivo de ponta no mundo do trabalho, ou seja, dos trabalhadores formalmente registrados.

Importância do trabalho

O trabalho constitui "uma dimensão fundamental da existência do homem sobre a terra", afirma a Carta Encíclica de João Paulo II sobre O Trabalho Humano, em comemoração ao 90º aniversário da Rerum Novarum5, que trata da condição dos operários do final do século XIX, tendo sido proposta como uma orientação da Igreja Católica sobre os direitos e deveres que devem reger o capital e o trabalho. Propõem, ambos os documentos, que estas duas classes devem se unir harmonicamente, pois uma necessita da outra, já que não há capital sem trabalho e nem trabalho sem capital. Esta seria a responsabilidade da Igreja: unir essas duas classes, lembrando-lhes seus deveres mútuos, principalmente os que derivam da justiça e da paz social.

Esta Encíclica - a Rerum Novarum - tem iluminado, ao longo dos anos desde sua edição, as pesquisas e os estudos relacionados ao Direito do Trabalho. É considerada "a carta dos direitos sociais do trabalhador", na medida em que aborda "questões delicadas" do relacionamento entre empregados e empregadores, como o salário justo, o limite da jornada de trabalho, o trabalho insalubre, o trabalho escravo, o trabalho da mulher e da criança, o direito dos trabalhadores em poder guardar os dias de festa cristã, em obter repouso de acordo com o trabalho exercido, de modo que o trabalho tenha qualidade e segurança, que sua vida tenha maior dignidade, inclusive com tempo para dedicar-se à sua vida espiritual.

Neste contexto, pode-se dizer que o mundo do trabalho é iluminado pelas encíclicas sociais, como também que se torna praticamente impossível falar em Direito do Trabalho sem falar na Encíclica Rerum Novarum, que se mantém viva e atual, tendo servido de fundamento para a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e para diversos instrumentos internacionais legislarem sobre relevantes aspectos das relações do trabalho.

O trabalho humano tem no trabalhador seu próprio sujeito, se endereça para um objeto exterior a ser transformado ou criado com vistas a prover suas próprias necessidades. E quais seriam estas necessidades? Melhorar a qualidade de vida do homem, transformar e dar sentido à sua permanência no mundo e qualificar esta existência.

Quando alguém fala da necessidade de investir em seu trabalho e na sua carreira, está falando, do ponto de vista sociológico, em investir em seu próprio desenvolvimento humano, no seu desenvolvimento como pessoa, ou seja, em desenvolver suas competências e habilidades pessoais e profissionais, de modo que possa realizar com responsabilidade e motivação sua missão.

Utilizando ainda a Carta Encíclica sobre O Trabalho Humano, pode-se classificar o trabalho em seu sentido objetivo e subjetivo. Em sentido objetivo, o trabalho equivale à técnica ou aos avanços científicos e tecnológicos que vão sendo incorporados em várias épocas e culturas, que vão tornando o trabalho cada vez mais mecanizado, embora o sujeito próprio do trabalho continue a ser o homem. É ele que vai se especializando e, estimulado pela sua criatividade e conhecimentos, introduz inovações técnicas e tecnológicas no modo de produzir suas...

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